ODS 1
Como a literatura tem melhorado o desempenho das escolas
No segundo e último andar da Escola Municipal Pirajá da Silva, em Salvador, há uma sala cheia de livros. A professora de história Margareth Ribeiro trabalha parte do tempo no anexo onde os alunos registram os empréstimos. Na mesa central do espaço, Rafael, de 13 anos, faz os cálculos do mês: leu, pelo menos, cinco livros. É de lá, da pequena sala improvisada como biblioteca em 2013, que a Pirajá da Silva e alunos como Rafael ressurgiram. A escola foi a que registrou a maior evolução no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) na capital baiana, saltando de 1.6, em 2007, para 4.5, em 2017. O indicador do governo federal foi criado para medir a qualidade do ensino e estabelecer metas para a melhoria da educação. Na contramão da escola, o estado da Bahia, como um todo, amarga a pior posição no ranking nacional levando-se em consideração a rede total (escolas públicas e privadas) nos anos finais do ensino fundamental (do 6º ao 9º ano). O índice de 3.7 obtido em 2015 se manteve neste ano, sendo que a meta era de 4.3. Analisando apenas rede pública, a Bahia empata com o Rio Grande do Norte e Sergipe na liderança do pior desempenho, com a nota 3.4.
Escola Municipal Pirajá da Silva
C. E. Villas Boas Moreira
Remando contra a maré, a Pirajá da Silva é uma das escolas que, como mostra a série especial do #Colabora em parceria com a agência “Amazônia Real” e com o jornal “Correio”, conseguem resultados surpreendentes em rankings de avaliação. Das janelas da escola baiana, a vista é o mar da Baía de Todos os Santos. No pôr do sol, a luz amarelada invade as oito salas de aula, hoje ocupadas por 513 alunos, e admira até quem está ali há anos. Por muito tempo, foi uma das poucas qualidades da instituição, margeada pela principal via do bairro, a Estrada da Liberdade. Quando chegavam aos encontros periódicos com outros professores e a Secretaria municipal de Educação, os funcionários eram recebidos entre risadinhas e desconfianças porque a imagem da escola era a pior possível.
“Até no bairro a gente estava sem credibilidade. Chegamos a ter uma turma com somente cinco alunos (hoje, a média é de 35)”, lembra a diretora da escola desde 2011, Daniela de Oliveira.
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Veja o que já enviamosA mudança começou com a ideia de um professor e o apoio da nova direção. Mestre de Geografia, Mário César, de 48 anos, trabalha há 18 na Pirajá da Silva. Quando teve a primeira filha, Mariana, em 1999, ele e a mulher, também professora, decidiram torná-la uma grande leitora. A menina aproximou-se a tal ponto dos livros que, aos 10 anos, publicou seu primeiro título, o suspense “O boné assombrado”. Na escola, Mário começou a perceber que talvez faltassem aos alunos o que sua filha sempre teve: uma visão de futuro e de oportunidades possibilitada pela literatura. Assim nasceu o Projeto de Leitura e Escrita Pontuada, oficialmente colocado em prática por todos os professores da escola em 2013.
Os alunos precisam ler pelo menos um livro por semestre e escrever sobre ele. A pontuação máxima é de dois pontos, que podem ser considerados por todas as dez disciplinas. Os professores, então, começaram a observar uma cena quase nunca antes vista no pátio: os alunos estavam lendo.
“Às vezes, eu me deparo com alunos lendo no recreio, e o maior barulho é a mudança de página”, emociona-se Mário.
Aliado ao projeto, surgiu a vontade de criar uma biblioteca. Somente de 2011 a 2015, os resultados começaram a se tornar visíveis: a nota do Ideb saiu de 2.1 para 4.2.
A diretora Daniela e a professora Margareth chamam dois dos alunos destacados na escola. São Rafael Vieira de Siqueira e Amanda Teles Venâncio, ambos de 13 anos. Mesmo tímidos, dizem ter consciência de como os livros modificaram suas vidas.
“Desde o ano passado (quando foi matriculado na escola), meu vocabulário vem melhorando. Eu sinto que conheço mais palavras, procuro o significado delas”, responde, o agitado Rafael.
Os pais começaram a reparar nas mudanças no menino. Sempre fora um aluno de notas altas, mas agora está mais imaginativo, cheio de opiniões e versões para tudo. “Rafael me conta tudo, consegue dialogar até sobre política”, conta a mãe, Priscila Cardoso Vieira.
Hoje, Rafael e Amanda chegam a ler até cinco livros por mês e já sabem onde a literatura pode os levar. Em 2016, uma aluna da escola foi para Portugal após vencer o Projeto Era Uma Vez, que tem por objetivo promover o diálogo entre alunos de diferentes culturas e idiomas.
Arrumando a casa
Quando assumiu a gestão, a diretora Daniela calculou uma evasão de até 30% dos estudantes. “Alguns docentes não cumpriam o cronograma. O aluno ficava ocioso. O que mudamos, na verdade, foi o básico”, relata ela.
Primeiro, sanaram a falta de professores e correram atrás dos alunos. Mudaram as peças mais urgentes. Depois, começaram a pensar os projetos. Um deles surgiu em 2012: a Feira de Ciências. Hoje, já não precisam correr atrás dos alunos como fizeram no passado, sem número suficiente de matriculados.
Gerente regional de Educação das regiões da Liberdade e Cidade Baixa, Ivone Maria Portela, 60, acompanhou todo o processo de retomada do colégio e lembra que a escola era muito conhecida pela indisciplina:
“Os professores se engajaram numa mudança. Se os docentes não comprarem a ideia, não adianta. Se não há competência para juntar as peças, não dá”.
Ernesto Faria, diretor-fundador do Interdisciplinaridade e Evidências do Debate Educacional (Iede), entidade que trabalha com dados educacionais, ressalta que fazer o professor voltar a acreditar no potencial da escola não é tarefa simples:
“Isso acontece por todas as dificuldades que ele vê, o ambiente que não joga a favor. Por isso, muitas vezes, a direção e as secretarias vão enfrentar ceticismo e resistência. Assim, é importante, principalmente no caso das secretarias, mostrar que ela está ali para dar um suporte e não para impor regras”.
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Fernanda Baldioti
Jornalista, com mestrado em Comunicação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), trabalhou nos jornais O Globo e Extra e foi estagiária da rádio CBN. Há mais de dez anos trabalha com foco em internet. Foi editora-assistente do site da Revista Ela, d'O Globo, onde se especializou nas áreas de moda, beleza, gastronomia, decoração e comportamento. Também atuou em outras editorias do jornal cobrindo política, economia, esportes e cidade.