Por Fernanda Baldioti | ODS 1ODS 4 • Publicada em 14 de novembro de 2018 - 13:00 • Atualizada em 29 de abril de 2020 - 19:13

Reportagem: Fernanda Baldioti e Isabela MoraesInfográficos: Fernando Alvarus

Por Fernanda Baldioti | ODS 1ODS 4 • Publicada em 14 de novembro de 2018 - 13:00 • Atualizada em 29 de abril de 2020 - 19:13

Reportagem: Fernanda Baldioti e Isabela MoraesInfográficos: Fernando Alvarus

Os mais distraídos que passam pelo número 498, na Rua Espírito Santo, no bairro Siqueira Campos, em Aracaju, talvez não se deem conta de que o prédio da Igreja Evangélica Independente guarda ao fundo um educandário. Muito discreta, a Escola Municipal de Ensino Fundamental Ágape funciona há anos numa estrutura adaptada e alugada, mas conta com a terceira melhor nota do estado entre as escolas públicas no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), o principal indicador de qualidade da educação básica, levando-se em consideração os anos iniciais (do 1° ao 5° ano). Para além do desempenho na última avaliação, o que impressiona é que a escola municipal foi a que registrou a maior evolução no Sergipe considerando a série histórica, saltando da nota 2.8, em 2005, para 6.5, em 2017. Na contramão da Ágape, o estado, como um todo, amarga a pior posição no ranking nacional, se olharmos a rede pública nos anos iniciais do ensino fundamental: a nota 4.3 ficou abaixo da meta de 4.5.

Escola Municipal de E. F. Ágape

IDEB 2017

65
6,5

META 2017

45
4,5

IDEB 2007

29
2,9

Escola Municipal Padre Pedro

IDEB 2017

60
6,0

META 2017

49
5,9

IDEB 2007

33
3,3

Remando contra a maré, a Ágape é uma das escolas que, como mostra a série especial do #Colabora em parceria com a agência “Amazônia Real” e com o jornal “Correio”, conseguem resultados surpreendentes em rankings de avaliação, apesar de estarem em estados que amargam as piores colocações em determinados índices educacionais do país. Mesmo contando com uma estrutura que deixa muito a desejar. Exceto pelos cartazes e murais temáticos, o prédio, nem de longe, lembra um educandário. Refeitório não existe. As crianças se servem da merenda pela janela da cozinha e sentam para lanchar nas suas próprias carteiras, na sala de aula.

Tampouco há biblioteca. Na maior sala da escola, que comporta uma turma de 5º ano, as crianças dividem espaço com pilhas de livros organizadas rente à parede. Em outra sala minúscula, onde estão aglomerados armários e caixas, estantes de metal sustentam outros livros e evidenciam o empenho da escola em oferecer um arremedo de biblioteca aos alunos. Para driblar a falta de espaço para leitura e para acomodação dos livros, os profissionais da Ágape desenvolveram uma série de estratégias, como o empréstimo de exemplares:

“Eles levam o livro para casa, leem e devolvem. Isso acontece ao longo de todo o ano letivo. Além disso, nós temos o projeto ‘Oba, hoje é dia de leitura’, que funciona na última sexta-feira do mês. Os alunos destacam um texto e apresentam para os colegas. Eles podem ler, explicar ou até dramatizar uma história que foi lida”, explica a coordenadora pedagógica da escola, Rita Sulz Ribeiro.

Atualmente, a escola se prepara para desenvolver o projeto Maleta Digital, pelo qual 35 tablets ficarão disponíveis para atividades pedagógicas. Essa vai ser a forma de acesso dos alunos ao mundo digital em sala de aula.

“Nós temos um computador para a escola toda. Não há nem perspectiva de termos uma sala com recursos tecnológicos”, diz Rita.

A coordenação, que há tempos pleiteia uma nova sede, esbarra na falta de vontade política. O milagre do bom rendimento se opera a partir do projeto político-pedagógico, avalia Deisivânia dos Santos, diretora da Ágape desde 2016. Para ir bem no Ideb, por exemplo, a escola faz bem o dever de casa. Para estimular a participação e bom rendimento dos alunos na Prova Brasil – que integra a nota do Ideb e acontece a cada dois anos –, o trabalho de preparação é executado em diferentes níveis. Professores trabalham junto aos alunos do 5º ano, conscientizando-os da importância da avaliação, e preparando-os por meio de apostilas de reforço nessas disciplinas. Na última avaliação, dos 45 alunos matriculados, 44 compareceram à prova.

“Desde o 1º ano, português e matemática são uma preocupação nossa. Além dos projetos de literatura, a gente se desafia de que forma vamos trabalhar a matemática em sala de aula, porque não pode ser uma disciplina teórica, chata…”, conta Deisivânia.

A força propulsora por trás dos excelentes resultados da Ágape consiste, sobretudo, em não desacreditar dos alunos:

“Não trabalhamos a cultura da reprovação, o que não quer dizer que o aluno não seja reprovado, mas, para isso, é preciso que todos os nossos esforços tenham falhado. A gente chama a família, pede ao professor para dar uma atenção maior…”, diz Rita.

Assim, a escola consegue ainda diminuir a taxa de abandono, que chegou a zero em 2017, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Essa atenção ao rendimento dos alunos é uma das apostas do município para melhorar o desempenho das escolas. Segundo o diretor do Departamento de Educação Básica da Prefeitura de Aracaju, Manuel Alves do Prado, as intervenções passaram de pontuais, em unidades de ensino, para em rede. Hoje, por exemplo, um sistema ajuda as escolas a terem maior controle sobre o trabalho que desenvolvem a partir de uma planilha que permite que os gestores visualizem o desempenho dos estudantes por turma:

“A gente pediu aos professores que pensassem as práticas e a diversificação dos instrumentos avaliativos, assim como os limites que cada um deles impõe, e pedimos que eles fossem fazendo acompanhamento sistemático do desempenho dos estudantes”.

Foi esse olhar individualizado para cada estudante que ajudou a Escola Municipal Padre Pedro, em Nossa Senhora do Socorro, município da região metropolitana de Aracaju, a saltar de um Ideb de 3.2, em 2005, para 6, em 2017, também nos anos iniciais do ensino fundamental.

Sua trajetória nem sempre foi exitosa: há mais de uma década oscila entre altos e baixos. Em 2017, manteve seu excelente resultado, que contrasta não só com o desempenho do estado, mas também com o do município. Em Nossa Senhora do Socorro, a média das escolas públicas foi de 4.6, abaixo da meta de 4.8 prevista para os anos iniciais do ensino fundamental. Em nota, a Secretaria de Educação do município não justificou o desempenho, mas elencou as ações que têm sido feitas, como o projeto Aprender Sem Limites, que oferece a estudantes do 5º e 9º anos, aulas de português e matemática, aos sábados.

Localizada no Conjunto João Alves, a Padre Pedro está numa região que, de acordo com o Atlas do Desenvolvimento Humano (2010), apenas 51,67% da população a partir dos 18 anos tem ensino fundamental completo. Com um flagrante índice de baixa escolaridade, o desafio da escola é conciliar os esforços da instituição com a realidade familiar dos alunos.

“A gente chamou uma mãe porque o filho dela não estava conseguindo ler. Ela sentou e disse: ‘Eu não sei nem ler, nem escrever. Como é que eu vou ensinar meu filho?’”, conta a diretora da escola, Edlene Santana.

Segundo ela, em alguns casos, o desinteresse dos pais em relação à vida escolar das crianças desestimula os alunos até mesmo a fazer os deveres de casa.

“A gente tenta conscientizar os meninos, porque, se depender de muitos pais e mães, os deveres vão e voltam do mesmo jeito. Há aqueles que a gente chama e que entendem seu papel, e aqueles que acham ruim quando são convocados”, afirma a diretora, que quer oferecer também suporte terapêutico para alunos, pais e funcionários por meio de uma parceria firmada com uma faculdade em Aracaju.

Para Edlene, estar presente e intervir quando necessário são alguns dos segredos para o sucesso da escola.

“A gente teve uma turma de 5º ano em que apenas dois alunos estavam fazendo o dever. Eu fui até a sala e disse que, enquanto não tivessem a responsabilidade, eles não iriam participar das recreações. No outro dia, eu voltei: todos fizeram e continuam fazendo. Estamos rotineiramente olhando os cadernos…”, diz a diretora, que conseguiu uma alta taxa de adesão à Prova Brasil. Na última avaliação, dos 25 alunos aptos a participar, 24 compareceram.

Computadores sucumbiram ao tempo

Além de reforço com ajuda de jogos e livros lúdicos, que ficam dentro de uma antiga geladeira na sala de leitura, por vezes, até mesmo o refeitório é utilizado como espaço para atividades. Além de não ter biblioteca, a escola também não tem laboratório de informática. Os antigos computadores sucumbiram ao tempo, e agora se acumulam no canto de uma sala. A partir do ano que vem, alunos da pré-escola ao 5º ano contarão com 30 tablets com acesso à internet, graças ao programa Aula Digital, parceria entre o município e a empresa Telefônica.

“A gente tenta trabalhar com o que tem. A nossa limitação não é a nossa limitação, é o contrário. Aí entra a criatividade, né, porque a gente precisa”.

Criatividade e jeitinho brasileiro. A quadra de esportes, que fica do outro lado da rua, não oferece abrigo contra o sol ou contra a chuva. Cones isolam a rua, assim como os carros dos professores, para criar uma zona segura. A estrutura é herança de um colégio particular que fechou as portas e foi comprado pelo município. As peculiaridades do prédio pautam a dinâmica de uso do orçamento:

“O nosso calcanhar de Aquiles é a manutenção dos aparelhos de ar-condicionado porque se eles quebram, a gente tem que parar a aula. Não tem condição”, afirma Edlene, que recorre a bazares e rifas para custear essas despesas.

Esses esforços contínuos e sistemáticos pela aprendizagem, num conjunto de práticas pedagógicas eficientes e de trabalho incansável por parte de diretores e de professores, são alguns dos fatores que explicam os saltos expressivos da Ágape e da Padre Pedro. Coordenadora de projetos da ONG Todos pela Educação, Thaiane Pereira ressalta que, pela composição do Ideb, saltar 1 ponto é algo muito difícil:

“Tem que melhorar o aprendizado de português e matemática, que é o mais difícil, e o fluxo (que leva em consideração os índices de aprovação, reprovação e abandono). Isso requer um conjunto de medidas a serem adotadas, o que não é feito da noite para o dia. Um crescimento constante mostra que tem um trabalho por trás. De modo geral, quando a escola está em um patamar muito baixo e começa a fazer o básico, quando recebe algum recurso, ou muda a direção, ela melhora muito. Você consegue ver um resultado rápido. Já quando o patamar está elevado, é mais difícil crescer. Mas é isso é algo que sempre deve ser perseguido”.

Fernanda Baldioti

Jornalista, com mestrado em Comunicação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), trabalhou nos jornais O Globo e Extra e foi estagiária da rádio CBN. Há mais de dez anos trabalha com foco em internet. Foi editora-assistente do site da Revista Ela, d'O Globo, onde se especializou nas áreas de moda, beleza, gastronomia, decoração e comportamento. Também atuou em outras editorias do jornal cobrindo política, economia, esportes e cidade.

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