Boxe no Vidigal: muitos rounds de superação

Instituto dribla dificuldades financeiras e transforma a vida de crianças do morro

Por Adélia Duarte | ODS 1 • Publicada em 23 de junho de 2017 - 16:00 • Atualizada em 24 de junho de 2017 - 14:11

Giglio, fundador do projeto, no alto do Vidigal: “Os políticos só aparecem aqui de quatro e quatro anos, para pedir votos”. Foto: Adélia Duarte

Boxe: palavra derivada do inglês “to box”, que significa “bater”, ou “bater com os punhos”. Para o carioca Raff Giglio, no entanto, ela tem um significado que vai muito além da luta. É a possibilidade de transformar vidas. Ex-aluno do mestre Santa Rosa, ele abriu sua escola no morro do Vidigal,  em 1993. Em 2010, fundou o Instituto Todos na Luta, que continua funcionando na favela da Zona Sul carioca, com aulas gratuitas para meninos e meninas carentes da comunidade.

[g1_quote author_name=”Raff Grigio” author_description=”Criador do Instituto Todos na Luta” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Por que os políticos vão querer que os 50 mil moradores do Vidigal tenham acesso à cultura e à educação? Pra bater de frente com eles? Não há interesse nenhum nisso!

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Foi preciso mesmo fôlego de lutador para conseguir botar de pé o projeto enfrentando as negativas de empresas e do poder público para dar apoio ao programa. Hoje, ele conta apenas com o apoio de uma ONG, a belga SOS Abandonados, dirigida por Andre Bilsen, que se encantou pelo projeto. “Os políticos só aparecem aqui de quatro e quatro anos, para pedir votos”,  Raff dá um direto contra a demagogia. “O objetivo do nosso trabalho é mostrar para as crianças, através da disciplina, do esporte e da educação, que existe, sim, um caminho, um futuro.  Por que os políticos vão querer que os 50 mil moradores do Vidigal tenham acesso à cultura e à educação? Pra bater de frente com eles? Não há interesse nenhum nisso!”.

Wellington Lisboa, o Índio: de aluno a professor do instituto. Foto: Adélia Duarte

Com força de vontade e muito, muito trabalho, hoje Raff contabiliza as vitórias desta luta desleal. Ao longo de 24 anos, mais de mil alunos já passaram pelo instituto. O projeto formou três atletas olímpicos: Esquiva Falcão, Michel Borges e Patrick Lourenço, que perdeu o pai, morto numa guerra entre traficantes, e chama Raff Giglio de seu “segundo pai”. Também foram formados no Vidigal vários outros competidores a nível nacional. Alguns alunos se tornaram professores e multiplicadores do trabalho. Três deles dão aulas no instituto, junto com Raff, para os mais de 100 inscritos atualmente.

[g1_quote author_name=”Lucas Alves de Souza” author_description=”Aluno do projeto Todos na Luta” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Muita coisa mudou na minha vida depois do boxe, ganhei amigos, disciplina… Espero me profissionalizar e poder, um dia, participar de uma Olimpíada

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Quando começou a fazer aulas no instituto, Wellington Lisboa, conhecido como Índio, era um menino  tímido, de apenas 14 anos. Hoje, aos 27,  formado em Educação Física,  é professor e técnico da equipe de competição do Todos na Luta. Ele conta que sente orgulhoso de sua trajetória e se considera um vencedor por ter conquistado o respeito de todos na comunidade. Com o esporte, superou, inclusive, a timidez.  “Eu me sinto mais confiante”, diz.

Lucas Alves de Souza: sonho de participar de uma Olimpíada. Foto: Adélia Duarte

Lucas Alves de Souza, 19 anos, é um dos alunos de Índio. Está há oito anos no projeto. “Muita coisa mudou na minha vida depois do boxe, ganhei amigos, disciplina…  Espero me profissionalizar e poder, um dia, participar de uma Olimpíada”. Todos os meninos chegam ao instituto com o mesmo sonho: oferecer uma condição financeira melhor para suas famílias. “Onde estariam esses meninos, hoje, se não fosse o boxe?”, pergunta Raff, sem esconder o orgulho do dever cumprido.

A ideia é levar o projeto a outras favelas cariocas. “A Rocinha sempre foi um sonho meu. Ter um Todos na Luta lá, com aquela criançada, seria maravilhoso!”, diz Giglio. Não vai ser fácil, ele sabe. Antes de expandir as fronteiras do instituto, o mestre quer ampliar o projeto no Vidigal, para atender mais crianças. Mas faltam recursos.

Com todas as dificuldades, apesar da carência de patrocinadores e de investimentos, Raff Giglio se considera um vencedor. “Hoje não tenho que provar mais nada a ninguém. Tá mais do que provado, os resultados estão todos aí, tanto na área esportiva quanto na social”.

Crianças participam da oficina de percussão, dentro do projeto África Livre. Foto: Adélia Duarte

O esporte não é o único instrumento para promover a inclusão social dos meninos e meninas do Vidigal. O Instituto Todos na Luta também organiza encontros e oficinas culturais abertos à comunidade. É o projeto África Livre, criado em 2013 para difundir as manifestações culturais da África do Oeste, que segundo o antropólogo, pesquisador da dança e da música africana e percussionista Leonardo Suave, ainda são pouco conhecidas no país. “É uma cultura muito rica, com diversos ritmos e danças”, diz, referindo-se ao povo da etnia Mandingue.

Suave participou das últimas oficinas no Vidigal ao lado da bailarina Monique Sossai, nos dias 29 e 30 de abril, quando as crianças tiveram aulas de percussão com instrumentos africanos, como djembes e balafons. O VI África Livre está marcado para os dias 27 e 28 de maio, na sede do instituto.

Adélia Duarte

É jornalista e trabalhou na extinta Tv-Educativa (atual Tv- Brasil/EBC). Foi editora, produtora e diretora de alguns programas. Nos últimos 8 anos vem atuando como assessora de comunicação. A escolha da profissão de jornalista surgiu muito mais por conta das dúvidas do que das certezas.

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