A Babilônia carioca

As agruras e belezas do reino das promessas não cumpridas

Por Luis Edmundo Araújo | ODS 1 • Publicada em 21 de abril de 2017 - 19:35 • Atualizada em 23 de abril de 2017 - 14:37

Vista do alto do Morro da Babilônia, no Leme: favela abriga hostels e bares da moda, mas sofre com promessas não cumpridas pelos governantes. Foto: Luiz Edmundo

A localização é nobre e o Morro da Babilônia, envolto pela Mata Atlântica, com o mar à frente, é pop. Atrai a classe média, estrangeiros que abrem hostels ou bares da moda, e também o poder público. Vitrine por natureza, a favela, incrustada entre Botafogo, Urca, Leme e Copacabana, é palco para promessas governamentais que, no fim das contas, geram frustração e a mesma sensação de abandono de outras comunidades menos privilegiadas.
Uma das mais ruidosas e abrangentes promessas interrompidas, o Morar Carioca Verde foi lançado pela Prefeitura do Rio no dia 4 de junho de 2011, com orçamento de R$ 43,4 milhões. Previa a construção de três prédios, onde seriam reassentadas famílias que ocupavam áreas de risco ou de proteção ambiental, não só na Babilônia como no vizinho Chapéu Mangueira. Constavam do projeto soluções sustentáveis, como iluminação a LED, aquecimento solar e coleta seletiva de lixo. Na inauguração do primeiro bloco, de 16 apartamentos, em março de 2013, o orçamento já estava em R$ 52,4 milhões.

No alto do morro, a figueira cresce colada a uma casa. Foto: Luiz Edmundo

Segundo o presidente da Associação de Moradores da Babilônia, André Constantine, a verba aumentou ainda mais até o lançamento do segundo bloco, de 12 apartamentos, em julho de 2015, pouco antes de o projeto parar de vez. “Chegou a R$ 65 milhões”, diz. “Falavam  em sustentabilidade, mas o material usado era de péssima qualidade, tudo balela pra inglês ver”, afirma André. O resultado  é que apartamentos do dois prédios já apresentam infiltrações, vazamentos e corrosões.
A pavimentação e ampliação das vias principais, com asfalto de pneu reciclado, foi feita pela metade, inviabilizando serviços como a coleta seletiva de lixo. “Temos dois garis para 7 mil moradores. A proposta do Morar Carioca era integrar a favela à cidade, mas não basta a integração geográfica. É preciso também integrar os serviços”, diz o presidente da associação dos moradores, que nunca saiu do morro onde nasceu, há 40 anos.
Com o Morar Carioca interrompido, os moradores têm de se contentar com iniciativas menores, como as duas hortas comunitárias plantadas em locais que poderiam virar vazadouros de lixo. O projeto é feito em parceira com Regina Tchelly, moradora da Babilônia e idealizadora do Favela Orgânica.

Houve uma tentativa de expandir o uso de energia solar no morro, com a criação, em 2015, da cooperativa Revolusolar. A Agência Estadual de Fomento (AgeRio) chegou a liberar uma linha de crédito de R$ 15 mil para a instalação dos painéis, com juros de 0,25% ao mês, mas o prazo de dois anos para quitar o financiamento afastou possíveis pretendentes. “É muito caro. Só três moradores instalaram os painéis, todos eles donos de hostels”, conta André.

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O valor dos aluguéis subiu, a conta de luz também, só os serviços é que não melhoraram

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Desde junho de 2009, o Morro da Babilônia tem uma Unidade de Polícia Pacificadora, a UPP, menina dos olhos do governo do hoje detento Sérgio Cabral Filho e, depois, do governador Luiz Fernando Pezão. Com a UPP, a comunidade ganhou também uma creche e um posto de saúde, mas espera ainda os tão falados projetos de inclusão social.  Um exemplo: “Já são quase oito anos de UPP e o correio aqui ainda é comunitário, as cartas são entregues na associação”,  diz André Constantine. “Isso fomenta a segregação. Não podemos mais aceitar ficar à margem. Precisamos de políticas públicas sérias para integrar de fato à comunidade ao resto da cidade”, completa.

A presença ostensiva da polícia, no prédio de três andares da sede da UPP, no alto da comunidade, e no posto em frente ao maior dos prédios do Morar Carioca, ajudou na chamada gentrificação. A especulação imobiliária duplicou os preços para compra e aluguel de imóveis e as remoções completaram o serviço. O perfil de grande parte dos inquilinos mudou. “Saíram os nordestinos e entrou a classe média, junto com os estrangeiros” conta André.

Também nascido e criado na Babilônia, Carlos Antônio Pereira, o Palô, de 54 anos, faz coro. “O valor dos aluguéis subiu, a conta de luz, também, só os serviços é que não melhoraram”. Palô é diretor-presidente da Cooperativa de Reflorestamento da Babilônia (Coop Babilônia), criada em 1995, no embalo ainda da Rio 92 (o encontro dos principais líderes do planeta para discutir o meio ambiente e as mudanças climáticas) e da criação da secretaria municipal de Meio Ambiente do Rio, em 1994.

Passada a lua de mel com a UPP, voltaram os tiroteios. Em março do ano passado, um morador do Chapéu Mangueira foi morto e outro, da Babilônia, ficou ferido. O tráfico de drogas, portanto, continua por lá, mas de fato não exibe mais suas armas como antigamente.

A natureza no alto do morro: projeto de reflorestamento e passeios guiados. Foto: Luiz Edmundo

Apesar do descaso das autoridades com o bem estar e a segurança dos moradores, o morro ao menos pode se orgulhar de um projeto ambiental que ajuda a preservar a sua natureza. Para que os visitantes possam desfrutar das beleza natural e admirar a vista do alto do morro, em segurança, foi criada a Trilha Babilônia Rio Sul, parceria entre a Coop Babilônia, o shopping Rio Sul e o Instituto de educação ambiental Moleque Mateiro, com o apoio do Exército. Desde 2014, a Trilha Babilônia Rio Sul promove passeios gratuitos, guiados, até o topo do morro, a 235 metros de altura, no chamado Mirante do Telégrafo, de onde se avista a Baía de Guanabara de um lado, o cume do Pão de Açúcar à frente, e o mar do Leme e de Copacabana do outro lado.

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A favela nasceu de um problema racial e social, que permanece até hoje. É preciso integrá-la à cidade

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O nome do mirante se deve ao telégrafo semafórico erguido ali no século 19. Ele fez parte da primeira rede de sistema telegráfico do Brasil e servia, principalmente, para avisar da chegada de navios e facilitar a comunicação das embarcações com o porto. Durante a Segunda Guerra Mundial, o morro foi considerado área de segurança nacional, pela visão privilegiada da Baía de Guanabara e das praias do outro lado.

Na época, o próprio Exército desmatou os locais onde instalou seus pontos de observação, substituindo a densa vegetação, que dificultava a visão, pelo capim, como conta Marcelo Lopes Oliveira, de 52 anos, um dos 32 moradores da comunidade que integram o efetivo da Coop Babilônia no trabalho de reflorestamento iniciado em 2000. “Muita gente daqui mesmo não sabe o valor desse projeto”, diz ele, que, para mostrar como ele é importante, lembra de tragédias do passado, antes do reflorestamento. “Uma pedra rolou e matou uma família inteira de uma vez, pai, mãe e filha”.

De acordo com Márcio Werner, superintendente do Rio Sul, o shopping investe no reflorestamento da região desde 2001. “Além de trabalhar em toda a área reflorestada, os moradores também atuam como guias turísticos”, diz. Um deles, Nilson Celestino Assunção, 40, nunca trabalhou em outro lugar. “Comecei aos 15 anos. Foi meu primeiro emprego e estou até hoje”. .

A trilha guarda atrações históricas, como a primeira casa da Babilônia, de pau a pique, erguida na primeira década do século passado e cenário, como outras partes do morro, do filme Orfeu Negro, produção franco-brasileira que ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cannes de 1959. Há também as ruínas das casamatas militares.

A natureza também avança por dentro da comunidade. O verde se espalha pelas ruas, sombreia vielas, escadas… Mas muitas famílias ainda vivem em situação de risco, esquecidas pelas promessas de reassentamento do Morar Carioca. “Temos ainda cerca de 100 famílias a serem reassentadas”, diz Palô, o diretor-presidente da Coop-Babilônia. “A Aeronáutica cedeu uma área de 6 mil metros quadrados, mas nada foi feito, o projeto está parado e o terreno está lá, cercado. Daqui a pouco vão invadir”.

André Constantine avisa que dará um prazo até o meio do ano à prefeitura. Se nada for feito, abrirá denúncia no Ministério Público. A assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Urbanismo, Infraestrutura e Habitação informa que não há prazo para o retorno do projeto, por falta de recursos. “Foi descoberto um rombo de quase R$ 4 bilhões do governo anterior.  Por esse motivo, foi necessário fazer uma contenção de despesas, para segurar o orçamento e investir nas necessidades mais emergenciais”.

Enquanto isso, a Babilônia aguarda a integração que ainda não veio. “A favela nasceu de um problema racial e social, que permanece até hoje”, afirma André Constantine. “É preciso integrá-la à cidade para descaracterizar a imagem imposta pela mídia, que ao falar das comunidades continua a priorizar o viés policial”.

Luis Edmundo Araújo

Jornalista, começou como repórter do jornal O Fluminense, de Niterói, e redator da revista Incrível, da Editora Bloch. Trocou tudo pra ser repórter de Cidade do Jornal do Brasil, até sair pra ser repórter da revista Istoé Gente. De 2005 a 2016, foi editor do Jornal do Commercio, editor de Empresas, Economia, Mundo, Rio, SP, Brasília, Minas, Opinião, Direito & Justiça e, principalmente, País. Colaborou com o blog O Cafezinho em 2016 e 2017, e em 2018 participou da aventura da volta do Jornal do Brasil impresso, como editor-assistente de Política. Agora, batalha por uma causa dada como perdida: o jornalismo literário

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