A saga para ter um bebê na Etiópia

Sem estradas e transporte, grávidas percorrerem longas distâncias a pé ou de maca

Por The Conversation | ArtigoODS 1 • Publicada em 10 de fevereiro de 2016 - 08:12 • Atualizada em 13 de maio de 2018 - 15:37

Fenete Abdela em frente à sua casa no lugarejo conhecido como Maderia, no interior do país
Fenete Abdela, com seu segundo filho, em frente à casa no lugarejo conhecido como Maderia, no interior do país
Fenete Abdela, com seu segundo filho, em frente à casa no lugarejo conhecido como Maderia, no interior do país

(Por Ruth Jackson*) – Os cuidados com a maternidade têm avançado na Etiópia. Nos meus dez anos de pesquisa no país, constatei um grande esforço na construção de centros de saúde e compra de ambulâncias para transportar grávidas até esses centros.

Mas um dos grandes desafios para a mulher é ir de uma das unidades a outra. Além dos postos serem distantes uns dos outros, em algumas áreas não há estradas ou o transporte é limitado. As mulheres têm que andar quilômetros. Ou serem levadas. O que torna impossível calcular quanto tempo perderão. E tempo é crucial.

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As mulheres etíopes ainda são dependentes de uma série de fatores: o tempo, a disponibilidade de homens para fazer a maca para transportá-las e de equipes médicas treinadas para trata-las nos centros médicos.

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À medida que mais e mais postos de saúde foram construídos nos últimos anos, mais e mais as mulheres caminham para ir a clínicas pré-natal ou conseguir uma pessoa especializada para assisti-las no parto. Na Etiópia, 80% da população vivem em áreas rurais. Minha tese de doutorado teve por base comunidades rurais (kebeles) na zona de Kefa, sudoeste do país. Ela enfocou a assistência à maternidade e como a meta de reduzir a mortalidade se encaixaria na agenda de desenvolvimento do governo etíope.

Mas é impossível pensar em assistência à maternidade no país sem levar em conta o tempo e a distância entre as mulheres que vivem nos kebeles e os locais onde o governo constrói os centros de saúde. Cada uma dessas unidades atende a cerca de 5 mil pessoas.

Um dia em 2007, depois de horas de caminhada para entrevistar mulheres em suas casas, encontrei-me com uma grande família, que me convidou à sua casa. Ali, enquanto um bebê chorava, uma mulher chamada Birke contou-me como ela estivera em trabalho de parto durante três ou quatro dias em Sherada, na área rural de Kefa.

A família de seu marido continuava na esperança de que o bebê nascesse, mas não havia parteira ou estrada. Ela foi levada de maca até Gojeb, uma viagem de cinco horas. Dali, seguiu de ônibus para a cidade de Bonga.

No hospital de Bonga, continuou em trabalho de parto por mais dois dias. O bebê morreu, mas não o removeram, pois ela precisava de uma transfusão de sangue que não podia ser feita no hospital. O marido voltou para casa, vendeu sua vaca e pegou mais dinheiro emprestado para o tratamento e o transporte dela, e retornou ao hospital.

Finalmente, Birke foi levada para o hospital Jimma (uma viagem de três a cinco horas de carro), onde o bebê morto foi retirado por cesariana. Birke deixou o marido devido a problemas de saúde e passou a morar com a mãe e outros parentes em Sheyka.  Não é assim apenas na área onde Birke vive. Em Muti, as mulheres devem se equilibrar na lama enquanto andam após as chuvas. E em Deckia a lama chega aos joelhos fazendo com que até as mulas tenham dificuldade para passar.

Oito anos depois, num projeto diferente de pesquisa, pude alugar um carro para visitar centros de saúde e trabalhadores sanitários em três regiões da Etiópia. Os trabalhadores sanitários são selecionados nas áreas em que moram e treinados para voltar a suas comunidades e oferecer serviços médicos.

Dois deles são baseados em postos de saúde nas kebeles. Eles dão assistência em planejamento familiar, cuidados pré-natais e outros serviços para estancar e reverter o avanço das principais doenças transmissíveis. Mais importante, eles tentam estimular as mulheres a dar à luz em centros de saúde, e não em casa. Hoje têm a facilidade de poder despachar mulheres em trabalho de parto para os postos de ambulância.

Mas as mulheres etíopes ainda são dependentes de uma série de fatores: o tempo, a disponibilidade de homens para fazer a maca para transportá-las e de equipes médicas treinadas para trata-las nos centros médicos.

Durante minha pesquisa, tive de esperar que a chuva parasse, que o ônibus saísse, numa fila de hospital com amigos ou na porta de um escritório por uma entrevista. Senti que esperar parece ser algo normal no país. Como esperar um bebê e confiar que tudo vai ficar bem.

*Ruth Jackson é pesquisadora em Desenvolvimento Internacional na Deakin University de Melbourne, Austrália. Leia o artigo original aqui.

(Tradução: Trajano de Moraes)

The Conversation

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