A herança miserável da Geração Covid

Falta de oportunidades e expectativas atinge juventude com recessão causada pela pandemia que leva fome e miséria às crianças mais vulneráveis

Por José Eduardo Mendonça | ODS 1ODS 8 • Publicada em 7 de setembro de 2020 - 09:06 • Atualizada em 23 de fevereiro de 2021 - 09:09

Formados e desempregados, jovens fazem protesto pela criação de empregos na África do Sul: juventude será a mais afetada por recessão da covid-19 (Foto: Phill Magakoe/ AFP)

A chamada geração de “baby boomers” foi a mais bem sucedida no mundo desenvolvido após a Segunda Guerra Mundial. Era uma geração, nascida entre 1946 e 1964: os filhos de uma classe média sem preocupações financeiras e empregos estáveis. Eles não têm quase nada em comum com gerações agora fadadas a viver e tentar prosperar em um ambiente agressivo e inseguro. Estas são notavelmente as gerações Y, ou dos Milenials, nascidas entre 1980 e 1994, e a Z, de 1996 a 2015, que chegaram a um mundo já todo digitalizado. E elas ficaram muito mais frágeis com a chegada do novo coronavírus.

Os poucos integrantes desta geração que ainda tinham perspectivas, ou sonhos, vivem hoje a recessão econômica mais brutal desde os anos 1930. Não que pessoas de mais idade não estejam enfrentando sofrimentos semelhantes; várias faixas de idade se tornaram um grupo só: a Geração Covid. A Geração Z se caracteriza por altos graus de stress e esgotamento, devidos em parte a grandes expectativas. Com a condução econômica desastrosa em países como o Brasil e Estados Unidos, esta expectativa de melhores condições se esboroou.

Segundo pesquisa recente, mas antes da pandemia, 87% dos entrevistados definem sucesso como arrumar um emprego que os apaixone durante os primeiros cinco anos de suas vidas profissionais. Outros o definem como ter o foco no que amam, independente do dinheiro.  Outros 30% acreditam que fatores econômicos definem sucesso. Estavam todos equivocados, ou não puderam antever o desastre – ninguém podia.

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Em carta enviada no final de agosto ao G20, políticos – como o ex-primeiro ministro britânico Gordon Brown e o ex-secretário geral da ONU Ban Ki-Moon – e cientistas, num total de 275 signatários, apelaram também para o Fundo Monetário Mundial e bancos regionais de desenvolvimento que reconheçam a escala desta crise, e apoiem medidas de emergência. O documento alerta que as crianças mais pobres do mundo ficaram de fora das escolas e impedidos de comer as merendas necessárias a seu desenvolvimento. A fome é uma preocupação importante para estes integrantes da Geração Covid.

Professora usa parede para dar aula a alunos sem acesso a internet em vila na Índia: crianças fora da escola e sem acesso à merenda (Foto: AFP)
Professora usa parede para dar aula a alunos sem acesso a internet em vila na Índia: crianças fora da escola e sem acesso à merenda (Foto: AFP)

O risco de morte pelo vírus segue padrões geracionais, mas a maioria dos trabalhadores com menos de 40 anos, já sem acesso a capital, passa por desemprego em massa e uma depressão econômica com muito pouca proteção financeira. Trata-se de um quadro pior do que oda Grande Depressão da década de 1930.

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Pode-se argumentar se gerações mais novas ou mais velhas irão sofrer mais, e de que maneira. Ou podemos reconhecer que nossa realidade econômica e política, forjada a serviço do capital, é incompatível com a prosperidade humana – a não ser para os ricos.

Este reconhecimento vai exigir uma necessidade há muito necessária de analisar a ideologia econômica que definiu a geração dos boomers e seu legado. Em sua época, com uma educação decente e com as habilidades necessárias para produzir valor para um patrão, acreditava-se que havia uma garantia de segurança material. Isso já era um mito na época. Hoje, em meio à pandema, é uma piada cruel.

A solidariedade intergeracional durante esta crise requer, em primeiro lugar, desafiar o mesmo sistema de valores que definiram boomers e millennials como gerações significativamente distintas. “Não podemos ficar quietos e permitir que esses jovens sejam roubados de sua educação e de uma chance justa na vida”, diz a carta ao G20.

Cerca de 300 milhões podem nunca mais retornarem à escola, apesar do fim do lockdown. “Para elas, a educação é a única saída para a pobreza, e este caminho está se fechando” continua o documento. “Muitas são garotas adolescentes para as quais o casamento forçado é a melhor esperança de oportunidades. Estima-se que globalmente 12 milhões delas se casem antes dos 18 anos”.  A pandemia, estimam especialistas da ONU, pode levar mais 13 milhões de crianças na próxima década a tal situação.

José Eduardo Mendonça

Jornalista com passagens por publicações como Exame, Gazeta Mercantil, Folha de S. Paulo. Criador da revista Bizz e do suplemento Folha Informática. Foi pioneiro ao fazer, para o Jornal da Tarde, em 1976, uma série de reportagens sobre energia limpa. Nos últimos anos vem se dedicando aos temas ligados à sustentabilidade.

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