A saída paulista para a ‘guerra’

Batalha entre Uber e táxis se agrava em SP, mas plano que regulamenta o sistema pode virar modelo para outras cidades

Por Florência Costa | Mobilidade UrbanaODS 16 • Publicada em 3 de março de 2016 - 08:00 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 23:03

Presidente do Sindicato dos taxistas de SP em post no Facebook: ““Acabou a moleza, prefeito Haddad, chega de palhaçada nesta cidade. Agora é cacete”
Presidente do Sindicato dos taxistas de SP em post no Facebook: "“Acabou a moleza, prefeito Haddad, chega de palhaçada nesta cidade. Agora é cacete”
Presidente do Sindicato dos taxistas de SP em post no Facebook: “Acabou a moleza, prefeito Haddad, chega de palhaçada nesta cidade. Agora é cacete”

Dentro de um táxi em São Paulo, o motorista comenta: “Eles não vão conseguir trabalhar. Nós não vamos deixar. Somos mais fortes, vamos para o pau”. O senhor se referia ao Uber, o polêmico serviço de aplicativos que conecta passageiros a motoristas.

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Os motoristas do Uber, por exemplo, terão a chance de se regularizar ao pagar à Prefeitura uma autorização para cada viagem. O sistema é flexível e propõe-se a evitar que as empresas de táxis por internet congestionem mais ainda as ruas de São Paulo. Nos horários de pico a taxa poderá ser aumentada, e os carros que levem pessoas portadoras de deficiência, carentes, ou circulem em áreas de baixo atendimento terão descontos.

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Na maior metrópole da América do Sul a novela destes aplicativos ganhou capítulos dramáticos desde o início deste ano. Taxistas partiram para a violência física contra motoristas e até passageiros deste serviço. Alguns prometeram atear fogo em carros pretos, a cor dos veículos da empresa em São Paulo. Antonio Matias, presidente do Simtetaxi (Sindicato dos Motoristas e Trabalhadores nas Empresas de Táxi), ameaçou em um clipe postado no Facebook, fim de janeiro: “Acabou a moleza, prefeito [Fernando] Haddad, chega de palhaçada nesta cidade. Agora é cacete, prefeito”.

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Mas a truculência não tem surtido efeito e outras empresas anunciam a entrada no mercado, em concorrência com o próprio Uber. A startup indiana WillGo, por exemplo, já começou a recrutar motoristas (com carteira de habilitação e sem antecedentes criminais) para começar a operar em março. Mas o sistema da WillGo não será idêntico ao do Uber. Se a empresa americana recolhe dos motoristas um percentual por cada corrida, a indiana vai cobrar uma espécie de assinatura dos passageiros, que poderá ser trimestral, anual ou bianual, com preços a partir de R$ 5,75 por dia. Ela oferecerá ainda o agendamento de corridas com até 48h de antecedência e a opção de o usuário selecionar seus motoristas prediletos.

É fato que as reações extremadas dos taxistas têm acontecido em várias das 300 cidades do mundo (inclusive outras brasileiras) onde o Uber entrou em cena.  No Brasil esta empresa americana conta com 10 mil motoristas e já está presente no Rio, Belo Horizonte, Brasília, Porto Alegre, Goiânia, Campinas, além de São Paulo.

Mas o que difere São Paulo dos outros lugares? Uma ousada proposta de regulamentação do uso destes aplicativos. A prefeitura realizou um mês de consulta pública (encerrada no dia 27 de janeiro) sobre proposta de decreto que permitiria a venda de créditos equivalentes a quilômetros para as empresas de transporte individual que utilizem aplicativos. Estes créditos – com valores variáveis de acordo com horário, local de embarque e número de passageiros, além da distância percorrida – teriam a validade de 60 dias.

Assim, os motoristas do Uber, por exemplo, terão a chance de se regularizar ao pagar à Prefeitura uma autorização para cada viagem. O sistema é flexível e propõe-se a evitar que as empresas de táxis por internet congestionem mais ainda as ruas de São Paulo. Nos horários de pico a taxa poderá ser aumentada, e os carros que levem pessoas portadoras de deficiência, carentes, ou circulem em áreas de baixo atendimento terão descontos.

Além disso, o plano – que normatizaria a questão da segurança e da qualidade do veículo – reservaria 15% dos créditos para motoristas mulheres. A consulta pública contou com mais de 6 mil participações da população. Agora a prefeitura está na fase final de elaboração do decreto. Em entrevistas recentes, o prefeito Fernando Haddad (PT) lembrou que São Paulo tem 1,2 passageiros por carro. Segundo ele, a tecnologia desses aplicativos, usada de forma racional e utilizando o espaço viário com inteligência, poderá diminuir a frota. “Se você aumenta esse número para 1,7, você reduz 30% da frota”, constatou.

Na opinião do especialista David King, da Columbia University, o leilão dos créditos “deverá equilibrar oferta e demanda de forma mais benéfica para a cidade”. Outros três especialistas em transporte urbano – Georges Darido, Bianca Bianchi Alves e Felipe Targa – escreveram no Blog Transporte para o Desenvolvimento, do Banco Mundial, que se o plano for realmente adotado e der certo poderá se tornar “um modelo para outras grandes cidades”.

Pelo projeto, as companhias de carros por aplicativo irão fornecer à prefeitura informações em tempo real sobre as viagens, como rotas, preços, avaliação do serviço prestado, origem e destino das corridas.  Esses dados serão fundamentais para o poder público tomar suas decisões sobre organização do trânsito. A prefeitura tem um Laboratório de Mobilidade Urbana (MobiLab) dedicado a criar soluções tecnológicas nessa seara.

Pelo menos no carnaval paulista, Débora e Antonio buscaram a paz entre Ubers e táxis
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Uma das queixas globais contra o Uber é justamente quanto à falta de regulamentação de seus serviços, que favoreceriam a empresa com uma competição desleal, em detrimento dos taxistas. Até agora só uma metrópole latinoamericana tomou uma atitude nesta direção: a Cidade do México, que regulamentou o Uber em julho do ano passado, criando um imposto de 1,5% do custo de cada viagem e um valor mínimo no preço dos veículos. A regulamentação destes serviços foi um dos principais assuntos dos debates da conferência global de profissionais do transporte organizada pelo Banco Mundial e pelo World Resources Institute, em Washington, no mês passado.

O consultor de negócios Alick Barreto é desde o ano passado um cliente assíduo do Uber. “É mais aberto e transparente do que os táxis. Você fica sabendo antes quanto vai custar a corrida. Os táxis muitas vezes são sujos, os motoristas costumam puxar assunto quando você não está a fim de conversar, ou colocam música quando você prefere ficar em silêncio”, constata Barreto, lembrando que quando o passageiro entra nos carros, o ar condicionado já está ligado. Outra vantagem, segundo ele, é que no Uber o passageiro pode avaliar o serviço. Assim como outros passageiros, Barreto receia, no entanto, ser alvo de violência de taxistas. Por isso ele evita pegá-los perto de pontos de táxis.

A briga entre taxistas e estas empresas entrou para o folclore paulistano. No carnaval de rua deste ano dois foliões chamaram a atenção em um dos blocos: Debora Gercwolf, vestida de noiva, representava os táxis. O noivo, Antonio Soares, de smoking, era o Uber. No mundo da fantasia os dois se beijavam e diziam que queriam mostrar que os dois tipos de serviços podem conviver pacificamente. Será?

Florência Costa

Jornalista freelance especializada em cobertura internacional e política. Foi correspondente na Rússia do Jornal do Brasil e do serviço brasileiro da BBC. Em 2006 mudou-se para a Índia e foi correspondente do jornal O Globo. É autora do livro "Os indianos" (Editora Contexto) e colaboradora, no Brasil, do website The Wire, com sede na Índia (https://thewire.in/).

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