Presidenciáveis esquecem a Amazônia

Composição com fotos dos oitos candidatos que participaram do debate da Band. Temas ambientais foram pouco discutidos. Foto Nelson Almeida/AFP

Programas de governo dão destaque a energias renováveis, mas maioria ignora a maior floresta tropical do mundo

Por Emanuel Alencar | ODS 14ODS 15 • Publicada em 16 de agosto de 2018 - 16:00 • Atualizada em 1 de setembro de 2022 - 09:50

Composição com fotos dos oitos candidatos que participaram do debate da Band. Temas ambientais foram pouco discutidos. Foto Nelson Almeida/AFP
Composição com fotos dos oitos candidatos que participaram do debate da Band. Temas ambientais foram pouco discutidos. Foto Nelson Almeida/AFP
Composição com fotos dos oitos candidatos que participaram do debate da Band. Temas ambientais foram pouco discutidos. Foto Nelson Almeida/AFP

Mais de duas décadas após os assuntos ambientais entrarem definitivamente na agenda política brasileira, os programas de governo dos cinco candidatos mais bem cotados para uma vaga ao Palácio do Planalto mostram que apenas a necessidade da diversificação das fontes de energia – e a aposta nas renováveis – são um consenso. Estratégias de defesa da Amazônia, curiosamente, só são citadas com algum detalhe nos documentos dos candidatos do PT (Lula/Haddad) e do PSDB (Alckmin). Marina Silva (Rede) fala em proteger biomas, sem destacar textualmente a floresta que exerce papel fundamental na regulação do clima global. Bolsonaro é o candidato menos afeito a propostas na área da sustentabilidade: diz apoiar celeridade nos licenciamentos de hidrelétricas, mas nada fala sobre Acordo de Paris para redução das emissões de gases do efeito-estufa, defesa de populações tradicionais e saneamento.

Os programas são ruins e enviesados por uma clara ausência da visão dos vários Brasis dentro do Brasil. Temos um vício de discutir a Amazônia dentro da lógica do Brasil olhando para a Amazônia. Não avaliamos a perspectiva de quem vive na Amazônia.

Os programas de governo protocolados no TSE – a campanha começa oficialmente nesta quinta, dia 16 – são bastante diversos, a começar pelo número de páginas. O do PT (cuja candidatura de Lula está na berlinda) tem 62 páginas. Intitulado “Plano Lula de Governo”, o programa é dividido em eixos temáticos e discorre sobre diversas questões ambientais. Trata-se de um documento formulado em parceria entre o Diretório nacional do PT e a Fundação Perseu Abramo. O menor conteúdo até agora apresentado é o do tucano Geraldo Alckmin, com apenas 9 páginas. O PSDB afirma que o documento completo ainda será disponibilizado na rede.

Arte Fernando Alvarus
Arte Fernando Alvarus

Em um texto de 82 páginas chamado “O caminho da Prosperidade”, Jair Bolsonaro trata as questões ambientais em poucas linhas, e sempre dentro de temáticas mais amplas. Diz o programa do PSL que o gás natural exercerá “papel fundamental na matriz elétrica e energética nacional”, propiciando a qualidade e segurança energética para a expansão de forma combinada com as energias fotovoltaica e eólica. Não há detalhes de como será essa expansão.

Bolsonaro se mostra preocupado em dar celeridade ao processo de licenciamento de pequenas centrais hidrelétricas: “As Pequenas Centrais Hidrelétricas têm enfrentado barreiras quase intransponíveis no licenciamento ambiental. Há casos que superam os dez anos. Faremos com que o licenciamento seja avaliado em um prazo máximo de três meses”.

Bolsonaro tem Israel como exemplo na agricultura

Na agricultura, o militar da reserva afirma que “há espaço para trazer o conhecimento de Israel”. Sem detalhar. Provavelmente o candidato se refere a práticas de reuso de água, já que esteve no país em agosto de 2017 e teve reuniões com o ministro da Agricultura israelense.

O tucano Geraldo Alckmin ainda apresentava, na noite do dia 15, apenas um resumo de seu programa de governo na página oficial. Com 9 páginas, o documento faz menção aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), das Nações Unidas, como referências no relacionamento externo brasileiro. Além da chapa do PT, os tucanos são os únicos a citar as ODS e a palavra “Amazônia” nas propostas: dizem que o bioma compartilhado com nações amigas, receberá “especial atenção”. Mas fica nisso.

Sobre as áreas indígenas, o programa de Geraldo Alckmin é evasivo: “Adotaremos políticas afirmativas para as populações negra e indígena, garantindo a igualdade de oportunidades”. Foto Apu Gomes
Sobre as áreas indígenas, o programa de Geraldo Alckmin é evasivo: “Adotaremos políticas afirmativas para as populações negra e indígena, garantindo a igualdade de oportunidades”. Foto Apu Gomes

Os tucanos também citam o “cumprimento das metas assumidas no Acordo de Paris (o Brasil se compromete a reduzir 37% dos gases do efeito-estufa até 2025 e 43% até 2030) e dispensam 5 linhas para falar de “economia verde”, que alia “desenvolvimento e preservação”. Sobre áreas indígenas, Alckmin é evasivo: “Adotaremos políticas afirmativas para as populações negra e indígena, garantindo a igualdade de oportunidades”.

Ciro fala em defensivos agrícolas menos tóxicos, Marina em bem-estar animal

Ciro defende a elaboração de um plano de formação de arranjos produtivos locais no entorno de unidades de conservação, voltados para a prestação de serviços, bem como o desenvolvimento do turismo sustentável. Fala ainda em desenvolver no país defensivos agrícolas “específicos para as nossas culturas e problemas, de menor conteúdo tóxico para as pessoas e o meio ambiente”. O pedetista, cuja vice é a senadora Kátia Abreu (TO), ligada ao setor do agronegócio, também cita a regularização fundiária de territórios de comunidades tradicionais, quilombos, quilombolas e terras indígenas.

Apesar de não citar a palavra “Amazônia” nenhuma vez em 46 páginas, a candidata mais ligada às questões ambientais, Marina Silva, tem em seu programa generoso espaço destinado à sustentabilidade. Afirma que essas políticas devem estar voltadas a uma “estratégia de longo prazo de descarbonizarão da economia com emissão líquida zero de gases de efeito estufa até 2050”. No texto “Brasil Justo, Ético, Próspero e Sustentável”, a ex-ministra de Meio Ambiente do governo Lula dedica capítulos inteiros para especificar propostas de “Bem-estar animal”, “Saneamento básico e segurança hídrica”, “Cidades sustentáveis e urbanismo colaborativo”. É a única a citar a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, que completou 40 anos: ela defende no texto a coerção de práticas que “causam sofrimento dos animais empregados em diferentes atividades produtivas ou em pesquisas”.

Além do documento de 62 páginas, há um texto que guiará as ações de Lula ou
Haddad – o chamado “Plano Lula de Governo 2018 – Brasil Feliz de Novo” –, com apenas 8 páginas. Os petistas defendem a energia solar para populações rurais da Amazônia – destacam que hoje a energia ainda depende exclusivamente dos motores a gasolina ou diesel; dizem que querem incentivar o consumo sustentável e a responsabilização coletiva pelos resíduos; a promoção da alimentação saudável e a democratização da terra e o direito humano à água e ao saneamento.

Jair Bolsonaro, Ciro Gomes e Geraldo Alckmin não esmiúçam o que pretendem fazer para melhorar a gestão de resíduos do país. Marina é a que discorre um pouco mais sobre o assunto, ao defender “políticas para a redução, reutilização, reciclagem dos resíduos sólidos, tendo como horizonte uma política de lixo zero”.

‘É uma visão míope, do século XX’, critica Izabella Teixeira

A copresidente do Painel dos Recursos Naturais da ONU Meio Ambiente, Izabella Teixeira, faz duras críticas aos programas dos candidatos na área ambiental. Ex-ministra do Meio Ambiente (governo Dilma), Izabella afirma que as agendas dos candidatos são “antigas, vinculadas ao século XX”.

“(Os programas) São ruins e enviesados por uma clara ausência da visão dos vários Brasis dentro do Brasil. Temos um vício de discutir a Amazônia dentro da lógica do Brasil olhando para a Amazônia. Não avaliamos a perspectiva de quem vive na Amazônia. Bolsonaro reduz a questão ambiental à rural. Então eu não discuto. O Alckmin tem mais objetividade, talvez em função da vivência que teve como governador, mas o documento é frágil. Ciro tem uma visão muito estreita e reativa sobre questões ambientais. Marina fala e ninguém entende o que ela quer. Faltam inserção internacional e políticas ambientais contemporâneas. Os candidatos estão com visão míope, uma visão do século XX, não do século XXI”, critica Izabella.

Imagem aérea de desmatamento na Amazônia. Foto Paula Ramon/AFP
Imagem aérea de desmatamento na Amazônia. Foto Paula Ramon/AFP

‘Candidatos não estão atentos ao uso da terra’, diz Coalizão

Em nota, a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, aliança multissetorial brasileira composta por mais de 130 empresas, entidades setoriais, organizações da sociedade civil e pesquisadores, disse que fica evidente, a partir dessa análise sobre os planos de governo dos candidatos, que eles ainda “não estão atentos ao tema uso da terra”. Um uso sustentável da terra, diz a organização, tem potencial para não apenas reduzir nossas emissões, como também capturar carbono da atmosfera, e torna-se, portanto, parte da solução.

“Estamos falando do potencial da agricultura de baixo carbono, das ações de restauração e reflorestamento, de estratégias de combate ao desmatamento, do aumento de produtividade da pecuária em áreas já degradadas, do fomento à bioenergia e diversas outras ações que são propostas pela Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura em nossas 28 propostas aos candidatos às eleições 2018”, afirma o agrônomo André Guimarães, facilitador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. “Todas essas ações têm muito a contribuir com o Acordo de Paris, compromisso mencionado pela maior parte dos candidatos. Mas seus benefícios vão muito além e podem ajudar o Brasil a iniciar uma revolução em seu uso da terra, o que significaria consolidar o país como liderança internacional de uma nova economia, na qual produção agropecuária e conservação ambiental devem andar juntas”.

Emanuel Alencar

Jornalista formado em 2006 pela Universidade Federal Fluminense (UFF), trabalhou nos jornais O Fluminense, O Dia e O Globo, no qual ficou por oito anos cobrindo temas ligados ao meio ambiente. Editor de Conteúdo do Museu do Amanhã. Tem pós-graduação em Gestão Ambiental e cursa mestra em Engenharia Ambiental pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Apaixonado pela profissão, acredita que sempre haverá gente interessada em ouvir boas histórias.

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