Defensores da Floresta chegam ao Brasil

Conferência internacional será realizada pela primeira vez no país que lidera o ranking mundial de assassinatos de ativistas ambientais

Por Marizilda Cruppe | ODS 14 • Publicada em 3 de maio de 2019 - 09:00 • Atualizada em 4 de maio de 2019 - 17:02

Claudelice e um de seus irmãos choram ao ouvir a sentença em que o mandante do duplo assassinato de seu irmão e cunhada, o fazendeiro José Rodrigues, é condenado a 60 anos de prisão, em 2016. Foto/Marizilda Cruppe/Greenpeace Photo Award
Claudelice e um de seus irmãos choram ao ouvir a sentença em que o mandante do duplo assassinato de seu irmão e cunhada, o fazendeiro José Rodrigues, é condenado a 60 anos de prisão, em 2016. Foto/Marizilda Cruppe/Greenpeace Photo Award
Claudelice e um de seus irmãos choram ao ouvir a sentença em que o mandante do duplo assassinato de seu irmão e cunhada, o fazendeiro José Rodrigues, é condenado a 60 anos de prisão, em 2016. Foto/Marizilda Cruppe/Greenpeace Photo Award

A Amazônia é a terra dos superlativos. Tudo na região – esteja no bioma ou nas fronteiras da Amazônia Legal – é maior, é imenso, é intenso. Este pedaço do mapa soma a metade do Brasil e atrai tanto o fascínio de cientistas quanto a ganância de quem quer acumular poder e fortuna com a exploração de suas riquezas. Ano após ano, mata-se por terras. Estatisticamente, mata-se com muitos tiros, pelas costas e na cabeça, em emboscadas na frente da casa da vítima ou no meio da rua, às vezes até à luz do dia. Os números também mostram que a impunidade parece ser, na prática, a letra fria da lei que impera na região.

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É muito duro, é muito difícil saber que eles estão condenados e estão soltos. É uma justiça pela metade, então para nós é uma dor no coração muito grande saber que as pessoas que fizeram aquilo [o duplo homicídio], umas sequer foram citadas no processo e os que executaram, mataram, torturaram o Zé Claudio e a Maria, estão soltos, estão impunes, continuam livres para continuarem suas vidas normalmente

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Dados da última edição do relatório “Conflitos no Campo Brasil – 2018”, lançado no começo de abril pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), mostram que mais da metade dos conflitos – 51,3% – aconteceu na região Norte do país. Um aumento de 119,7% em relação a 2017. E o Pará segue como o estado que detém o recorde histórico de assassinatos de agricultores, extrativistas e indígenas defensores da floresta e dos direitos humanos. Em março deste ano, aconteceram dois massacres, com intervalo de dois dias, na zona rural de Baião, sudeste do Pará. Seis pessoas morreram, entre elas Dilma Ferreira Silva, liderança do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) no Pará.

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Não poderia ser mais simbólico, portanto, que Marabá fosse a sede da 3ª Conferência Internacional de Defensores da Floresta (Forest Defenders Conference). O Brasil tem sido o país mais perigoso para ativistas do meio-ambiente e dos direitos humanos, considerando-se os números reais de assassinatos – 383 pessoas nos últimos dez anos, segundo a CPT.

Claudelice (no meio) e sua filha caçula Doroty (direita) abraçam as pessoas que acompanhavam o julgamento do lado de fora do Fórum, em Belém do Pará, após a sentença proferida condenando o mentor intelectual do duplo homicídio qualificado que tirou as vidas de José Claudio e Maria. Foto/ Marizilda Cruppe/Greenpeace Photo Award
Claudelice (no meio) e sua filha caçula Doroty (direita) abraçam as pessoas que acompanhavam o julgamento do lado de fora do Fórum, em Belém do Pará, após a sentença proferida condenando o mentor intelectual do duplo homicídio qualificado que tirou as vidas de José Claudio e Maria.
Foto/ Marizilda Cruppe/Greenpeace Photo Award

Na segunda quinzena de outubro, defensoras e defensores das florestas, da terra, da água e dos direitos humanos, povos tradicionais, indígenas, pequenos agricultores e quilombolas de vários países, advogadas e advogados, relatores especiais das Organizações das Nações Unidas (ONU) e instituições e organizações de direitos humanos estarão reunidos em Marabá para discutirem estratégias de proteção de territórios, florestas, comunidades tradicionais e de ativistas que atuam na linha de frente dos conflitos e estão em risco iminente de morte. A conferência terá um foco especial na Amazônia, a floresta mais desmatada do mundo em 2018, segundo relatório da Global Forest Watch, atualizado pela Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, que apontou o Brasil como o maior desmatador de florestas tropicais primárias do ano passado. A conferência será dividida em três etapas, duas restritas à participação de defensoras e defensores e, uma, aberta à comunidade acadêmica e à sociedade civil. A programação completa e as informações sobre inscrições serão divulgadas mais perto da data do evento.

Zé Claudio e Maria: oito anos de impunidade

Claudelice da Silva Santos, 37 anos, estudante do curso de Direito da Terra da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA) é uma das organizadoras da conferência. Ela é a irmã caçula de José Claudio Ribeiro dos Santos e cunhada de Maria do Espírito Santo, assassinados em 24 de maio de 2011, perto do lote onde viviam, no Projeto Agroextrativista (PAE) Praialta-Piranheira, em Nova Ipixuna, Pará. Os dois foram assassinados a mando do fazendeiro José Rodrigues Moreira porque denunciaram a grilagem de terras, o desmatamento ilegal e o roubo de madeira no assentamento. Zé Claudio e Maria, ativistas, agricultores e extrativistas foram declarados, postumamente, Heróis da Floresta pela ONU. O prêmio, concedido a pessoas que contribuíram para proteger as florestas e suas comunidades, foi dado pela Secretaria do Fórum das Nações Unidas sobre Florestas (UNFF), em fevereiro de 2012, em Nova York.

Depois do duplo homicídio, Claudelice, suas filhas e sua mãe precisaram sair do assentamento, pois receberam ameaças e intimidações. Ela, então, ampliou sua atuação como ativista pelos direitos humanos “de uma maneira gigantesca, pois a luta agora é pelo direito à terra e à vida”, conta. Claudelice batalhou para que o fazendeiro José Rodrigues Moreira, mandante dos crimes, e os executores da emboscada e dos disparos, Lindonjonson Silva Rocha, irmão de Rodrigues, e Alberto do Nascimento, pistoleiro de aluguel, fossem condenados. José Rodrigues foi absolvido no primeiro julgamento, em 2013, e condenado a 60 anos em regime fechado, no segundo julgamento, em 2016, porém segue foragido há anos. Lindonjonson foi condenado a 43 anos de prisão, já no primeiro julgamento, mas fugiu pela porta da frente da cadeia, em 2015, e está foragido desde então. O único a cumprir a pena, de 42 anos, é o pistoleiro de aluguel.

“É muito duro, é muito difícil saber que eles estão condenados e estão soltos. É uma justiça pela metade, então para nós é uma dor no coração muito grande saber que as pessoas que fizeram aquilo [o duplo homicídio], umas sequer foram citadas no processo e os que executaram, mataram, torturaram o Zé Claudio e a Maria, estão soltos, estão impunes, continuam livres para continuarem suas vidas normalmente, enquanto nós perdemos o Zé Claudio e a Maria pra essa violência, pra esse ódio que foi criado contra os ativistas ambientais e de direitos humanos. Tornou-se moda ter ódio de ambientalistas. É um racismo estrutural, um racismo institucional contra os defensores da floresta”, desabafa Claudelice.

Uma conferência para tentar salvar as florestas e a vida dos ativistas

A conferência deste ano vai reunir ativistas e especialistas de vários países para pensar, debater e criar estratégias de atuação conjunta específicas para a Amazônia, com foco na proteção dos ativistas, no combate à impunidade e métodos para enfrentar ataques violentos, entre outras iniciativas.

Claudelice participou das duas primeiras edições da Forest Defenders Conference. A de 2017 foi realizada em Oxford, no Reino Unido, com defensoras e defensores de oito países e foi organizada pela Universidade de Oxford, instituições ligadas ao meio-ambiente e direitos humanos como a Not1More (N1M). A segunda conferência aconteceu ano passado, em Chiang Mai, na Tailândia, e foi organizada pela N1M, EarthRights e Rede International Cambojana de Jovens. Participaram trinta e cinco organizações e defensores e defensoras da Indonésia, Tailândia, Mianmar, Camboja, Laos, Filipinas, Malásia, Turquia e Brasil.

Sobre a terceira edição ser realizada aqui no Brasil, a ativista e futura advogada comenta: “Imagina o sul e sudeste do Pará que foi palco de várias chacinas, imagina o momento político e histórico que estamos passando, de absurdos sendo cometidos contra a natureza, contra os defensores das florestas, contra os defensores do meio-ambiente e do próprio Estado brasileiro. A importância, o significado de acontecer um evento desses aqui no Pará é extremamente grande. É importante porque, no momento em que mais estão nos matando, matando a natureza, tornando invisíveis as nossas lutas ou criminalizando-as, acontecer uma conferência desse porte, desse nível é dar visibilidade às lutas, não só aqui para o país, mas também para o mundo. Dizer que essas pessoas lutam por suas vidas, pela vida de suas comunidades, pela vida da floresta, pela vida das pessoas que simplesmente desejam preservar seu modo de existir em comunhão com a preservação da natureza e dos seus recursos, no lugar onde nasceram e sempre estiveram, sejam indígenas, quilombolas, extrativistas, pequenos agricultores, enfim, os povos tradicionais”, afirma.

Para Claudelice Santos, a organização da conferência é um desafio, mas também uma oportunidade que colocará o Brasil e seus problemas no centro do debate internacional. “Ter um encontro desse nível e ainda aqui no Pará é muito significativo e a gente está fazendo de tudo para que seja um evento seguro para as pessoas que virão, que seja um momento para pensarmos e refletirmos sobre as problemáticas da opressão e da criminalização das defensoras e defensores de todo o mundo. Virão participantes de quatro continentes, mas a conferência vai focar nos defensores do Brasil.”

Marizilda Cruppe

​Marizilda Cruppe tentou ser engenheira, piloto de avião e se encontrou mesmo no fotojornalismo. Trabalhou no Jornal O Globo um bom tempo até se tornar fotógrafa independente. Gosta de contar histórias sobre direitos humanos, gênero, desigualdade social, saúde e meio-ambiente. Fotografa para organizações humanitárias e ambientais. Em 2016 deu a partida na criação da YVY Mulheres da Imagem, uma iniciativa que envolve mulheres de todas as regiões do Brasil. Era nômade desde 2015 e agora faz quarentena no oeste do Pará e respeita o distanciamento social.

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