Pacientes cardíacos mirins sobrevivem às custas de doações

ONG Pro Criança Cardíaca

Por Laura Antunes | Mapa das ONGsODS 10 • Publicada em 5 de novembro de 2015 - 04:06 • Atualizada em 3 de setembro de 2017 - 01:37

Criança atendida pelo Pro Cardíado
Criança atendida pelo Pro Cardíado
Criança atendida pelo Pro Cardíado

Instalado num casarão próprio, no número 40 da Rua Dona Mariana, em Botafogo, o projeto Pro Criança Cardíaca nasceu, em 1996, pelas mãos da cardiologista pediátrica Rosa Celia Pimentel Barbosa, à frente até hoje da instituição médica sem fins lucrativos. Bem perto, portanto, de completar duas décadas de existência, a ONG não teve até hoje seu nome envolvido em denúncias de malversação ou outros escândalos. Segundo números de sua diretoria, cerca de 22 mil pequenos pacientes já receberam atendimento, desde então, e 1.200 cirurgias, incluindo as de alta complexidade, foram realizadas gratuitamente.

O projeto, um ambulatório que se destina a tratar de crianças com cardiopatias, consolidou seu nome e caiu nas graças de um grande número de empresas e que apoiam financeiramente as ações da Dra Rosa Celia, ao longo dos anos.

Hoje, o projeto conta com pelo menos 13 grandes patrocinadores, entre eles três bancos, duas construtoras e duas seguradoras de saúde. E a lista de benfeitores cresce com o apoio ainda de cerca de 50 empresas parceiras. Um painel em forma de árvore no saguão do hospital exibe os nomes, em forma de coração, de quem faz doações ao projeto: vermelho (doações acima de R$ 10 mil), amarelo (de R$ 5 mil a R$ 10 mil) e azul (de R$ 1 mil a R$ 4.999). Prefeitura, estado e União também prestigiam a instituição médica, por meio de isenção de tributos. O Pro Criança Cardíaca acumula os títulos de utilidade pública municipal, estadual e federal. A fundadora da ONG (que ela prefere chamar de projeto) diz se orgulhar do fato da instituição ter as contas em dia e não ter dívidas.

Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.

Veja o que já enviamos
Doutora Célia Rosa, do Pró Criança Cardíaca
Doutora Rosa Celia, do Pró Criança Cardíaca

Rosa Celia conta que a vontade de se dedicar ao tratamento de crianças cardiopatas de famílias de baixa renda se tornou um objetivo prioritário quando se aposentou, no início dos anos 90. Na época, ela trabalhava no Hospital da Lagoa, onde já recebia esse perfil de pacientes. Ela mantinha um consultório particular e encaminhava os pequenos doentes sem recursos financeiros para cirurgias no Hospital Pró-Cardíaco, em Botafogo. Em 2000, brinca ela, decidiu botar o pires na mão e sair pedindo dinheiro para comprar o casarão da Dona Mariana, para criar um ambulatório para o projeto, diante da demanda crescente de pacientes, que não conseguia mais atender no consultório. A sede própria abriu as portas em 2001.

[g1_quote author_description_format=”%link%” source_name=”Rosa Celia, diretora do Pro Criança Cardíaca” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Empresários amigos nos ajudavam com doações para arcar com os atendimentos e cirurgias. No entanto, com o encerramento da unidade pediátrica do Hospital Pró-Cardíaco (em 2007), a gente passou também a precisar encontrar outro lugar para fazer as cirurgias

[/g1_quote]

A ideia era comprar um outro imóvel na mesma rua e construir um hospital pediátrico. Ele não pertenceria ao projeto. Seria uma unidade particular e destinaria 20% da ocupação para a cirurgia de crianças de baixa renda. E lá foi Rosa Celia tentar amolecer novamente os corações dos empresários. Entre 2007 e 2008, comprou o imóvel 220 da Dona Mariana. Ele foi derrubado e, em 2009, lançaram a pedra fundamental.  Em 2011, o dinheiro acabou, mas uma doação de  R$ 30 milhões (de Eike Batista) fez a obra subir e finalizar o prédio de sete pavimentos.

O Hospital Pediátrico Pro Criança Jutta Batista (instituição privada aberta para pacientes particulares e de planos de saúde) abriu as portas em setembro do ano passado e agora é responsável por realizar os procedimentos cirúrgicos nas crianças atendidas pelo projeto, que continua ocupando o casarão número 40. Os pacientes, muitos de outras cidades, procuram vagas para tratamento no ambulatório (apenas no primeiro semestre deste ano foram 73 novos pacientes).

Um desses pacientes é Pedro Henrique de Souza Coelho, de 3 anos, que mora em Petrópolis. Ele faz tratamento desde os primeiros dias de vida por conta da possível necessidade de uma cirurgia de transposição dos grandes vasos. A família se inscreveu no projeto há seis meses, após a grande dificuldade de encontrar tratamento para o menino na Região Serrana.

 

[g1_quote author_description_format=”%link%” source_name=”Natália Pereira de Souza, mãe de Pedro Henrique” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Desde então, nos sentimos mais esperançosos porque ele passou a ter aqui todo o atendimento que precisa. Até os exames mais elaborados e caros, nós fazemos no Pro Criança sem custo

[/g1_quote]

O pequeno Pedro precisa ser submetido a cateterismo para desobstruir uma veia.

_ A cicatriz de uma cirurgia que ele fez ainda bebê acabou obstruindo uma veia importante _ torce o pai do paciente, o balconista Leonardo da Silva Coelho.

No ambulatório, afirma a direção do projeto, são atendidas mensalmente 120 crianças, que chegam por indicação do SUS. A equipe do Pro Criança Cardíaca conta, ainda segundo a instituição, uma equipe completa de profissionais: cardiologistas pediátricos, cirurgiões cardiopediatras, anestesiologistas, dentistas e psicólogos. Durante o tratamento, os pacientes recebem medicamentos, alimentos, livros, roupas e brinquedos. Uma despensa do casarão abriga as doações feitas por pessoas físicas e jurídicas.

O dia 13 de outubro passado reservou uma surpresa para as crianças que tinham consulta marcada no ambulatório do projeto. Como na véspera havia sido Dia da Criança, os funcionários organizaram uma festa com recreação para turma de pacientes. Uma das mais animadas era a risonha Fernanda da Silva Lopes, de 8 anos, inscrita no projeto desde os 5 anos. As consultas acontecem a cada três meses, com o intuito de monitorar uma séria cardiopatia, que fez com que já operasse com apenas 20 dias de vida. A familia mora em Inhaúma.

_ Recebemos aqui toda a assistência que ela precisa. Toda a equipe é carinhosa e dedicada. Uma época, a minha nora deixou de trazê-la e os funcionários foram atrás da nossa família para saber o que havia acontecido. Isso é dedicação. Infelizmente, talvez precise de uma última cirurgia _ conta a avó paterna, Sandra Helena Lopes.

A festa do Dia das Crianças acabou servindo para aliviar a tensão no rosto de Daiane Cristina de Souza, moradora de Belford Roxo, que chegava pela primeira vez ao ambulatório levando o filho Ryan Vitor, de 11 anos. Em agosto, o menino passou mal e foi levado a um hospital público da cidade. Com suspeita de uma cardiopatia, ele precisou buscar uma vaga ambulatorial.

_ O problema é que só conseguimos consulta para dezembro. Achei tempo demais. Fiquei sabendo por uma ONG perto da minha casa da existência do Pro Criança Cardíaca. Liguei, em agosto, e consegui consulta para hoje (13 de outubro). Ainda não passamos pelo médico, mas achei todos muito atenciosos _ diz Daiane.

A realização da festa infantil no ambulatório incentivou a contadora Luciana Uchôa a levar a filha, Luiza, de 2 anos, e o marido para fazerem juntos uma doação de brinquedos ao Pro Criança Cardíaca. Ela telefonou para a instituição e descobriu quantos pacientes estariam no local. Então, a família chegou ao casarão com sacos de presentes com os nomes dos pequenos.

_ É preciso ser solidário. Tenho o hábito de fazer doações e tive a oportunidade de conhecer o projeto. Como sou contadora, já vi anteriormente a contabilidade da instituição e sei que é séria. Então, escolhemos vir aqui hoje para comemorar com as crianças _ explica Luciana.

Ainda segundo levantamento da direção do projeto, de janeiro a agosto deste ano foram realizados 1.087 consultas médicas, 171 consultas odontológicas, 28 radiografias, 14 tomografias computadorizadas, 718 ecocardiogramas, 571 eletrocardiogramas, 10 ultrassonografias, 278 exames laboratoriais, 54 teste ergométricos, 6 ressonâncias magnéticas, 228 holters e atendidos 73 novos pacientes.

Embora a equipe do COLABORA tenha solicitado ao Pro Criança Cardíaca informações financeiras sobre a ONG _  como volume de doações, número de funcionários, custo da folha de pagamento e  onde o balanço da instituiçào é publicado e sua periodicidade _ os dados não foram liberados.

De acordo com a diretora jurídica da instituição, Mitzy Conde, a prestação de contas é tornada pública anualmente, como exigido pela legislação. No entanto, o Pro Criança Cardíaca, acrescenta ela, prefere fazer isso por meio de publicações em órgãos de imprensa de grande circulação. Outras prestações de contas, ainda segundo a diretora, também ocorrem anualmente por ocasião das renovações de todos os certificados que a ONG detém (necessários para que mantenha o status de utilidade pública).
[g1_quote author_description_format=”%link%” source_name=”Mitzy Conde, diretora Jurídica do Pro Criança Cardíaca” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Mantemos a transparência, mas a cultura da nossa instituição é tornar os dados públicos apenas por meio desses balanços anuais, sempre acompanhado por auditorias externas. O de 2014 já foi publicado e estamos terminando o de 2015

[/g1_quote]
Ainda segundo Mitzy, o Pro Criança Cardíaca envia suas prestações de contas à Secretaria estadual de Fazenda, Ministério Público e Tribunal de Contas do estado. Por ter título de utilidade pública nas três esferas (municipal, estadual e federal), de seis a dez certificados têm que ser renovados anualmente. A instituição conta com  alguns benefícios tributários, como isenção de  IPTU e imposto de renda, por exemplo. Já o ISS é pago.
_ Posso dizer que sobrevivemos 100% de doações. Dependemos da pessoa física, que que nos doa R$ 30, e do empresário, que nos destina valores elevados. Qualque valor é importante para nós  _ diz Mitzy.

Lista de patrocinadores: BNDES, Itaú, Icatu, Bradesco Saúde, Amil, Banco BM, Carioca Engenharia, RJZ Cyrela, Gerdau, EBX, Pirelli Nahuel e Cimento Tupi. Cerca de 50 parceiros, entre eles: prefeitura do Rio, Loterj, Organizaçoes Globo, governo federal, Bank of America, Banco do Brasil, Julio Bogoricin, Cedae, Monteiro Aranha, Sérgio Franco, 3M, Lâmina, Granado, Hotéis Marina, Outback, Lunetterie, Piraquê, Cínica Cardiológica Infantil, Furnas Brookfield, Craft Engenharia, Kinoplex, Violeta Café, Light, FSB, Instituto Aliança e Aspen Offshore.

 

Laura Antunes

Depois de duas décadas dedicadas à cobertura da vida cotidiana do Rio de Janeiro, a jornalista Laura Antunes não esconde sua preferência pelos temas de comportamento e mobilidade urbana. Ela circula pela cidade sempre com o olhar atento em busca de curiosidades, novas tendências e personagens interessantes. Laura é formada pela UFRJ.

Newsletter do #Colabora

A ansiedade climática e a busca por informação te fizeram chegar até aqui? Receba nossa newsletter e siga por dentro de tudo sobre sustentabilidade e direitos humanos. É de graça.

2 comentários “Pacientes cardíacos mirins sobrevivem às custas de doações

  1. angela garambone disse:

    Muito bom ler de novo suas matérias, Laura!
    Dê uma olhada no trabalho da Madá, coordenadora do projeto de leitura do Instituto Fernandes Figueira. Ela foi personagem de um Globo Repórter que eu dirigi, no ar dia 11 de setembro. Está no nosso site.
    Dá um belo perfil.
    Beijos e boa sorte na casa nova!

    • laura antunes disse:

      angela, querida
      fiz a materia que vc sugeriu sobre a bblioteca viva do fernandes figueira. publicada hoje, vespera de natal,
      obrigada, querida
      Um Feliz Natal pra vc!!!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *