Sem segurança não há desenvolvimento

Instituto Igarapé

Por Liana Melo | Mapa das ONGsODS 10 • Publicada em 21 de janeiro de 2016 - 08:26 • Atualizada em 3 de setembro de 2017 - 01:26

Projeto do Igarapé envolvendo crianças e adolescentes

Quando Ilona Szabó de Carvalho pisar nesta quinta-feira em Davos, o enclave alpino a 1.560 metros de altitude, ela vai escutar insistentemente que os maiores obstáculos para fechar negócios no Brasil este ano são a corrupção e a crise política. O diagnóstico faz parte de uma pesquisa feita com 13 mil empresários globais, dos quais 60% deles apontaram o “fracasso da governabilidade” no país como um dos maiores riscos. O estudo foi divulgado uma semana antes do início do tradicional encontro da elite global, o Fórum Econômico Mundial.

Não é de hoje que Ilona vem sentindo o tranco para atrair potenciais investidores para o Instituto Igarapé – uma think tank baseada no Rio de Janeiro e instalada em Botafogo, na zona Sul da cidade, dedicada à integração de questões sobre segurança e desenvolvimento. Mas é a primeira vez que a especialista em redução da violência e política de drogas vai passar o chapéu como “Jovem Líder Global” (YGL, na sigla em inglês).

O título é concedido para profissionais com menos de 40 anos que, aos olhos da elite global presente ao Fórum Econômico Mundial, se destacam em suas áreas de trabalho. Ilona entrou para o clube seleto em 2015. Entre os que já participam há atletas olímpicos, ganhadores do prêmio Nobel e do Oscar e embaixadores da ONU. Sua indicação para entrar para o YGL contou com o apoio da cineasta brasileira Julia Bacha, que já fazia parte do grupo e fez sua campanha.

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É uma vitória conseguir representar a sociedade civil em um tema-chave para toda a sociedade, mas que é pouco discutido nos debates sobre o desenvolvimento econômico. Estou há muito tempo tentando mostrar que se não tivermos segurança, não teremos desenvolvimento

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À frente do Igarapé desde a sua fundação, em 2011, Ilona trabalha com uma equipe de cerca de 30 pessoas, entre elas seu marido, o canadense Robert Muggah. Em vias de virar uma Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), o Igarapé sobrevive com dinheiro vindo de fora – especialmente da Europa. A entidade conta com uma pequena parcela de recursos desembolsada por fundações brasileiras. É que Ilona considera a prática da filantropia no país “arcaica”, o que já a fez recursar recursos que cheguem atrelados a restrições para as pesquisas desenvolvidas por sua equipe.

Apesar do esforço de captação internacional, o orçamento do Igarapé deste ano ficará abaixo do de 2015, especialmente porque Ilona passará a coordenação da Comissão Global de Políticas sobre Drogas para a ex-presidente da Suíça Ruth Dreifuss. A alta do dólar vai mascarar um pouco a retração das contrapartidas financeiras, mas a queda no orçamento será expressiva: de US$ 7 milhões no ano passado para US$ 5 milhões em 2016. Anualmente a ONG publica seu relatório anual. O de 2016 será publicado ainda neste trimestre. O do ano passado tinha 40 páginas e era bilíngue.

Saia justa em Nova Iorque

Aplicativo Smarting Policing, do Igarapé
Policial usa celular acoplado ao uniforme. A tecnologia ajuda a monitorar o trabalho da polícia nas comunidades

A isenção, no entanto, não impede saias justas. Foi o que ocorreu em 2013 quando a ONG foi convidada pelo Instituto Google Ideas para apresentar em uma cerimônia em Nova Iorque o aplicativo Smart Policing – uma tecnologia que coloca celulares com câmeras gravando no bolso de policiais para monitor o trabalho da polícia e assim promover a transparência do policiamento.

Muggart viajou aos Estados Unidos junto com uma policial para apresentar o projeto. A escolha da profissional coube a Polícia Militar carioca, já que era uma das únicas da corporação que fala inglês com fluência. Em seu discurso, Vanessa Coimbra Cavalcanti anunciou: “Estamos tentando mudar a maneira como a polícia se vê e como a comunidade vê a polícia.” O problema é que ela havia sido indiciada com mais 14 colegas por envolvimento na tortura e assassinato do pedreiro Amarildo de Souza, na favela carioca da Rocinha.

Pesquisas de fôlego

O Índice de Segurança da Criança (ISC), que capta a percepção da violência experimentada por crianças e adolescentes, com idades de 8 a 12 anos e 13 a 17 anos respectivamente, de áreas vulneráveis, está sendo testado em 10 cidades brasileiras, depois do piloto ter sido implantado em Recife. A escolha da capital pernambucana é óbvia: as elevadas taxas de violência na cidade.

A conclusão a que se chegou é que a criança se sente mais segura que o adolescente, especialmente em casa, na escola e na vizinhança. O estudo mostrou ainda que apenas 30% das adolescentes disseram se sentir seguras na rua. Os relatos das crianças mostram que, dentro de casa, embora 55% tenham dito ser submetidas a castigos físicos – palmadas, a percepção de violência é menor.

A coleta e a análise das informações são feitas por meio de uma aplicativo de celular open source desenvolvido especialmente para o projeto. Um questionário de 30 perguntas avalia risco, exposição e fatores de proteção. O objetivo é dar voz a crianças de localidades inseguras e de baixa renda, mapeando, temporal e geograficamente, suas percepções sobre violência.

Outras pesquisas feitas pelos técnicos do Igarapé são o “Observatório de Homicídios“, que mostra o seguinte: a cada cinco pessoas assassinadas no mundo uma delas é brasileira, colombiana ou venezuelana. Metade dos assassinatos são cometidos com armas de fogo. Na América Latina e no Caribe a porcentagem é de 66%.

Outro projeto é o “Mapa de Dados sobre Armas“, que foi desenvolvido com base na ferramenta de visualização das rotas internacionais de armas e munição produzidas pelo Google, o Igarapé e o People Research Institute Oslo. O aplicativo tem mais de 35 mil registros de exportações e importações de armas pequenas e leves e munição de mais de 262 Estados e territórios. O levantamento foi feito entre 1992 e 2011.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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