A sacerdotisa do lixo zero

Bea Johnson mostra, orgulhosa, o pote de vidro onde armazena todo o lixo produzido na casa ao longo de um ano

Francesa troca o sonho de consumo americano por uma vida sem desperdício

Por Claudia Sarmento | LixoODS 14ODS 8 • Publicada em 25 de março de 2016 - 08:32 • Atualizada em 6 de setembro de 2017 - 14:14

Bea Johnson mostra, orgulhosa, o pote de vidro onde armazena todo o lixo produzido na casa ao longo de um ano
Bea Johnson mostra, orgulhosa, o pote de vidro onde armazena todo o lixo produzido na casa ao longo de um ano
Bea Johnson mostra, orgulhosa, o pote de vidro onde armazena todo o lixo produzido na casa ao longo de um ano

A francesa Bea Johnson morava numa casa imensa na Califórnia com seu marido e dois filhos, cercada de muito conforto, duas geladeiras sempre lotadas, festas, viagens e shopping centers. A família gastava sem fazer contas. Quando percebeu, Bea, que havia sido criada de forma simples pelos pais na Provence, tinha virado, segundo suas próprias palavras, uma mulher com cara de Barbie: cabelos platinum-blond, bronzeado artificial, lábios preenchidos, botox e unhas de acrílico. Aos 32 anos, decidiu que o sonho americano não era o estilo de vida que queria. Mudou radicalmente seus hábitos de consumo com uma meta em mente: parar de produzir lixo. Hoje, alguns anos depois, é autora de um best-seller, blogueira famosa, consultora e palestrante disputada. Bea é conhecida como “a sacerdotisa do desperdício zero”, expressão usada pelo “The New York Times” para defini-la.

Quando encontrou a casa de seus sonhos, bem menor que a anterior e próxima ao charmoso centro de Mill Valley (a 23 km de São Francisco), cercado de trilhas, Bea convenceu o marido e os filhos a se desfazer dos excessos. Em dois anos, eles doaram ou venderam 80% de seus pertences.

O livro “Zero waste home” (“Casa com desperdício zero”, em tradução livre) já foi publicado em nove línguas e ganhou prêmios de sustentabilidade. O guia reúne dicas para quem anda aflito com a grande quantidade de comida e embalagens que acabam no lixo diariamente, consumo excessivo e uma rotina doméstica caótica por causa do amontoado de produtos em todos os cantos da casa. Os Johnson, por exemplo, enchiam várias latas de lixo por semana antes de Bea deflagrar sua revolução particular. Atualmente, o lixo anual da casa cabe num pote de vidro.

Os produtos de maquiagem de Bea, feitos em casa
Os produtos de maquiagem de Bea, feitos em casa

O blog de Bea, que já ultrapassou os dez milhões de visitantes, reproduz algumas das principais ideias do livro, baseado em cinco princípios básicos: recusar, reduzir, reutilizar, reciclar e compostar.  Resumidamente, ela recomenda que os hábitos comecem a ser mudados fora de casa, ou seja, recusando o que não é necessário. O segundo “r” da lista significa reduzir compras e se desfazer do que não tem utilidade. Reutilizar envolve maximizar o uso de cada produto e reciclar começa com a separação do lixo doméstico. A compostagem pode ser uma alternativa para quem tem um pequeno quintal e não gosta de jogar restos de alimento fora.

A experiência da ex-dona de casa pode parecer radical – e ela admite que lixo zero é mesmo um ideal impossível -, mas suas idéias vêm servindo de inspiração para um movimento que ganha força em cidades como Londres. A capital britânica acaba de ganhar seu primeiro restaurante orgânico e vegetariano que promete zerar o desperdício de alimentos. O Tiny Leaf, no bairro de Notting Hill, só serve produtos de fornecedores locais que não foram vendidos e seriam jogados no lixo. Os clientes levam as sobras das refeições para casa em caixas de papel reciclável. Resíduos de comida são compostados e materiais ultizados a cada dia, reciclados.

O marido temia que esse estilo alternativo acabasse saindo caro demais, mas ao fazer as contas constatou uma redução de 40% nos gastos domésticos.

Mas voltemos à Bea e sua aventura doméstica. Quando decidiu mudar para uma casa menor e mais próxima de um pequeno centro comercial, para reduzir as longas jornadas de carro, a família se instalou num pequeno apartamento temporário, enquanto buscava a propriedade certa. Móveis e a maioria das roupas e objetos dos Johnson foram parar num depósito e eles passaram um ano vivendo com muito menos do que estavam acostumados. Para Bea e seu marido foi um alerta. A família se aproximou e começou a explorar a natureza da costa californiana. “Foi uma libertação”, escreveu ela.

Quando encontrou a casa de seus sonhos, bem menor que a anterior e próxima ao charmoso centro de Mill Valley (a 23 km de São Francisco), cercado de trilhas, Bea convenceu o marido e os filhos a se desfazer dos excessos. Em dois anos, eles doaram ou venderam 80% de seus pertences. Enquanto isso, a dona da casa foi adotando, aos poucos, regras ecológicas que consolidaram a mudança de vida dessa família americana.

Bea só vai ao supermercado com sacos feitos com lençois velhos de algodão e potes de vidro. Não compra nada que esteja embalado, ou seja, só consome a granel. No começo, as pessoas estranhavam e o açougueiro, por exemplo, não entendia por que deveria colocar peito de frango num vidro. Ela decidiu que seria trabalhoso demais explicar seu método e simplesmente informava que não tinha lata de lixo em casa. Só sai do mercado com carne, peixe, frutas, legumes, verduras e os ingredientes que precisa para fazer comida caseira, como pães, biscoitos e massa. O marido temia que esse estilo alternativo acabasse saindo caro demais, mas ao fazer as contas constatou uma redução de 40% nos gastos domésticos.

O vinho é armazenado em embalagens de vidro reutilizáveis
O vinho é armazenado em embalagens de vidro reutilizáveis

Bea não encontrou livros sobre o assunto e começou a fazer experiências para chegar ao desperdício zero. “Aprendi a amassar o pão, misturar (ingredientes da) mostarda, incubar iogurte, produzir queijo artesanal, extrair leite da soja, bater manteiga e derreter protetor labial”, conta ela, com uma certa dose de humor. Mas complicado mesmo foi fabricar produtos de higiene pessoal e maquiagem. A pasta de dente foi trocada por bicabornato de sódio;  o shampoo, por vinagre caseiro e o blush, por uma mistura de pó de cacau, canela e beterraba. Nem tudo deu certo, claro.

O shampoo, por exemplo, voltou aos cabelos de Bea, só que em barra ou comprado a granel. Desodorante feito em casa também se mostrou uma ideia desastrosa, assim como o rímel (cera de abelha, manteiga de coco e pó negro), que derretou e a deixou com “olhos de guaxinim”. A autora admite que exagerou em muitas coisas e restringiu demais o estilo de vida da família. Cada vez que um amigo chegava com uma garrafa de vinho ou uma sobremesa numa caixa, ela ficava nervosa. Foi buscando o equilíbrio e diz que hoje a casa funciona sem estresse.

A propriedade dos Johnson, aliás, pode ser visitada por escolas que querem ensinar às crianças um modo de vida mais sustentável. As fotos do blog mostram um ambiente minimalista e elegante, onde nada parece fora do lugar. O banheiro, com muito pouca coisa além de escovas de dente de madeira, é uma aula de simplicidade.

Muitas das dicas de Bea são impossíveis de serem seguidas, até porque as possibilidades de uma família de classe média alta da Califórnia não podem ser universalmente reproduzidas. Mas é impossível não parar para pensar em alguns passos simples sugeridos por ela. Tentar reduzir o uso de embalagens plásticas não mata ninguém. E o único produto de limpeza usado na casa toda – vinagre com água – não dá trabalho algum. Pode ser que não funcione, mas a área de serviço de Bea, ocupada apenas por uma cestinha de vime, dá muita inveja.

Kid de compras: supermercado sem saco plástico
Kid de compras: supermercado sem saco plástico

Claudia Sarmento

Jornalista, PhD em Mídia e Comunicação pela Universidade de Westminster e professora visitante do Departamento de Humanidades Digitais do King's College de Londres.

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