ODS 1
Venezuelanos chegam ao Brasil fugindo da fome
Cerca de 40 mil pessoas já estão em Boa Vista, abrigos não têm mais vagas e maioria vive nas ruas
Boa Vista (RR) – Eram 7h30 da manhã de sábado, 17 de fevereiro, e uma fila de venezuelanos se formava dentro da praça Simón Bolívar – uma das principais entradas para a capital Boa Vista, em Roraima. Pelo menos 700 novos imigrantes ansiavam pelo café da manhã – doação de uma igreja evangélica – depois de uma noite ao relento, debaixo de marquises de lojas para fugir da forte chuva. O refúgio possível para um grupo de pessoas que já não tem muito a perder. Eles abandonaram o seu país para fugir da fome.
[g1_quote author_name=”Jéssica Villalobos” author_description=”Imigrante venezuelana” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Mesmo morando na praça é melhor do que na Venezuela. Lá, não temos trabalho
[/g1_quote]O café com pão, suco e bolacha para as crianças não eram suficientes. Sempre que chega comida, o número de venezuelanos na praça parece crescer como mágica. As refeições são feitas por doação e como os imigrantes não sabem a que horas farão outra, homens, mulheres e crianças tentam segurar o que podem para garantir pelo menos um dia alimentados.
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Veja o que já enviamosAs ruas largas e os canteiros floridos de Boa Vista, apontada pela revista Exame como a segunda melhor cidade da Região Norte para se viver, amargam um inchaço populacional inesperado. A cidade já abriga cerca de 40 mil venezuelanos – mais de 10% dos seus pouco mais de 320 mil habitantes – segundo estimativa da prefeitura. Dados da Polícia Federal indicam que só no ano passado, mais de 70 mil deles atravessaram a fronteira com o Brasil.
Joruins Martínez, 22 anos, há 16 dias em Boa Vista, era um dos venezuelanos que esperavam a primeira refeição do dia. Ele contou ao #Colabora que saiu de Puerto Ordaz, Estado de Bolívar, caminhando até Pacaraima, município roraimense, que faz fronteira entre o Brasil e a Venezuela, de onde pegou carona até a capital. “Não conseguia trabalhar para comer”, conta sobre o motivo que o fez abandonar seu país. Seu último emprego foi em uma empresa de minério, a mãe é a única que ainda trabalha por lá. O salário dela, como auxiliar de dentista gira em torno de 600 bolívares, o que equivale a apenas 8 centavos em reais. Joruins diz que com esse dinheiro, lá, compra-se “apenas um frango ou um quilo de arroz”.
Martínez veio da Venezuela com um irmão, que já conseguiu um emprego de diarista em uma feira, e mais dois amigos. Eles dormem na praça em cima de papelões – no local não tem banheiro, apenas árvores e alguns bancos. Para tomarem banho é preciso atravessar a praça e ir à rodoviária, ao posto de combustíveis ou às lojas próximas. “Dormimos na praça, mas pelo menos aqui temos o que comer”, diz o jovem, ao contar que chegou a passar fome em seu país.
A poucos metros de Martínez, outro drama parecido. Jessica Villalobos, 29 anos, olha atenta os filhos comendo bolacha e tomando café com leite dentro de uma barraca doada na noite anterior, depois da primeira chuva do ano em Boa Vista. Antes, eles dormiam em cima de papelões esticados no chão, cobertos por edredons velhos.
O marido de Jessica já havia saído à procura de um serviço. A família veio de El Tigre, localizada no Estado de Anzoátegui – região conhecida por ser um forte polo industrial de petróleo, mas que hoje, assim como toda a Venezuela, vem minguando: “A economia está mal. Não há trabalho, não há comida”, lamenta a venezuelana.
[g1_quote author_name=”Luiz Mota” author_image=”Pedreiro” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Tenho esperança em Deus que a Venezuela se recupere
[/g1_quote]Ela disse que, desde a chegada a Boa Vista há dois meses, estão acampados na praça. Debaixo de uma árvore, a barraca, um colchão velho, um fogão de uma boca, uma botija, algumas panelas, um ciscador e uma enxada – ferramentas de trabalho do marido – são os únicos pertences da nova casa da família. Os filhos já estão estudando em uma escola municipal. “Mesmo morando na praça é melhor do que na Venezuela. Lá, não temos trabalho”, finaliza.
Mais adiante, outra Jessica olha desconsolada em direção ao busto de Simón Bolívar, sentada sobre a mala. Por ironia do destino, o símbolo do libertador da Venezuela virou o refúgio dos que fogem do governo de Nicolás Maduro.
A jovem de 23 anos tem dois filhos – de quatro e um ano -, mas veio sozinha para o Brasil na esperança de conseguir um emprego e mandar dinheiro para a mãe, que ficou com os netos. Ela saiu há 13 dias de sua cidade, El Tigre, pegando carona até chegar à capital do extremo norte do Brasil. “Estou preocupada, sem dinheiro. Meus filhos choram com fome”, relata entristecida. “Mas ainda é melhor ficar aqui”, conclui.
Eram 8h25 e, novamente, centenas de venezuelanos se apinham numa fila. Acabaram de chegar os integrantes do Lions Club para distribuir café, leite, 1.200 pães com manteiga e suco. Era a primeira vez que o grupo fazia essa ação na praça.
Luiz Mota, 33 anos, garantiu um litro de leite e pães para os dois filhos – de três e seis anos de idades. Ele carregava as crianças numa bicicleta, emprestada de um primo. Vindo de Ciudad Bolívar, pegando carona de caminhão até chegar ao seu destino, o venezuelano, que era pedreiro em seu país, disse que procura qualquer ocupação. “A culpa é do Maduro”, diz sobre o drama econômico e social que vive a Venezuela. “Tenho esperança em Deus que o país se recupere”.
A esperança é a palavra mais pronunciada pelos imigrantes. Yelisbeth Azocar, 23 anos, é outra jovem que deixou os filhos e veio sozinha tentar a sorte em terras brasileiras. Grávida de dois meses, ela cursou até o quinto ano do ensino fundamental e era vendedora ambulante na cidade de Anaco. Ela também dorme em cima de papelões que juntou pela praça. Sua companheira de dormida, Merbin Rodriguez, 37 anos, deixou os cinco filhos com o pai e veio se aventurar em Boa Vista. “Espero conseguir trabalho para levar comida”, diz, enquanto come pedaços de cascas de pão. “Perdi o café porque fui tomar banho e escovar os dentes”. Como há poucos banheiros públicos, os imigrantes precisam acordar bem cedo para garantir o banho e chegar a tempo do café da manhã, que nunca tem hora certa para ser servido.
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Formada em jornalismo pela Universidade Federal de Roraima (UFRR), pós-graduada em assessoria de imprensa e novas tecnologias pelo Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão (IBPEX ), já ganhou mais de 10 prêmios de jornalismo impresso.