Gay Games: o Brasil nos jogos da inclusão

A trans Carolinna Lissarassa treina para jogar vôlei de praia na competição em Paris, que reunirá a maior delegação brasileira da história

Por Claudio Nogueira | ODS 5 • Publicada em 24 de janeiro de 2018 - 09:27 • Atualizada em 25 de janeiro de 2018 - 18:17

Largada de prova de atletismo nos jogos de Chicago-2006 (Foto Nick Laham/Getty Images/AFP)
Largada de prova de atletismo nos jogos de Chicago-2006 (Foto Nick Laham/Getty Images/AFP)
Largada de prova de atletismo nos jogos de Chicago-2006 (Foto Nick Laham/Getty Images/AFP)

Primeira transexual a competir na Superliga, principal campeonato de vôlei do Brasil, Tiffany Abreu se transformou em pauta para discussões exaltadas no mundo esportivo e também nas redes sociais. Mas, para além da polêmica, a jogadora da equipe Vôlei Bauru é também um exemplo e uma inspiração para outros atletas trans que sonham com uma carreira no esporte. É o caso da jogadora de vôlei de praia Carolinna Lissarassa, que se prepara para representar o país na 10ª edição dos Gay Games, de 4 a 11 de agosto, em Paris, com a participação de 15 mil atletas de 70 países em 500 provas de pelo menos 36 esportes.

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Tiffany é supermerecedora, porque, independentemente de ser transexual, apresenta um vôlei de qualidade. Ela está aí para mudar a cabeça de muita gente

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“Tiffany é supermerecedora, porque, independentemente de ser transexual, apresenta um vôlei de qualidade. Se está dentro da taxa normal de hormônio feminino, tem direito de jogar. Somente quem não conhece o assunto tem preconceito. Ela está aí para mudar a cabeça de muita gente”, argumenta Carolinna, rebatendo as críticas de quem acha que Tiffany leva vantagem sobre as outras jogadoras por ser trans.

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Juliana e Carolinna: a campeã fez dupla com a jogadora amadora em novembro passado (Reprodução Instagram)

Preconceito não é novidade na vida dessas atletas. Carolinna conta que, desde criança, já se reconhecia, apesar do seu corpo masculino.

“Eu já usava vestidinhos, sapatos de salto. No colégio, havia fantasias femininas para a brincadeira, e eram as que eu usava. O pessoal da escola chamou minha mãe para conversar, e meus pais mostraram certa relutância no início”, lembra a atleta, de 27 anos.

Da infância, ela traz também o amor pelo vôlei, que sempre correu em paralelo ao seu processo de transição de gênero.

“Comecei no vôlei no colégio, com meus 11, 12 anos. Jogava em times de heterossexuais, sempre na ponta. Aos 18 anos, primeiro me assumi homossexual e, aos 22,  comecei a fazer a transição. Nos últimos três anos, já uma mulher trans, passei a jogar em competições femininas”, explica, acrescentando que para fazê-lo, teve de passar por exames que comprovaram as taxas hormonais femininas.

Hoje, como há poucas oportunidades para atletas trans, a gaúcha precisa conciliar o esporte com o trabalho de cabeleireira em Chapecó  (SC). Mas isso não a desanima ou a faz pensar em desistir. Em novembro, ela fez dupla com Juliana, oito vezes campeã mundial e medalhista bronze nos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012. A partida foi na 1ª Copa Juliana, em Porto Alegre, voltada para promover a diversidade.

“Costumava aplaudir a Juliana da arquibancada e, depois, me vi jogando um torneio ao lado dela”, diz Carolinna, que vem disputando torneios de vôlei de praia na Região Sul do país.  

Juliana, na época, também comemorou a parceria com Carolinna em seu perfil no Instagram: “Começou com um convite de um grande amigo. Passados muitos anos e inúmeros campeonatos e experiências, Brasil e mundo a fora, a gente “acha “, que já viveu e viu tudo na vida certo ??? Supererrado, a vida é mágica, pq todos os dias temos a chance de aprender, meu grande mestre, meu pai, me ensinou a RESPEITAR TUDO E A TODOS, pois bem, minha parceira desse campeonato chama-se Carol Lissarassa , ela é uma trans, que já ralou e rala muito na vida, estou aprendendo muito com ela, independentemente de cor, credo, raça, religião, opção sexual, todos merecem ser felizes e serem respeitados. O esporte sempre será um caminho de inclusão. Por esse motivo, seja bem vinda Carol e todos os que amam o esporte. O mundo precisa de mais amor e compreensão, sejamos felizes.”

Carolinna, agora, espera poder jogar ao lado de Juliana nos Gay Games, que são abertos não só a atletas LGBT+. O evento de Paris será o mais inclusivo possível, com a participação de também heterossexuais e pessoas com deficiência de qualquer orientação sexual,  sob a supervisão do Comitê Olímpico e da Federação de Esportes Paralímpicos franceses. O estádio Jean Bouin será o palco da abertura, a 4 de agosto. O encerramento, no dia 11 seguinte, acontecerá Hôtel de Ville, a prefeitura da capital francesa.

Gay Games: todos estão convidados

O Comitê Desportivo LGBT do Brasil, em parceria com uma empresa privada, a Espírito Brasil, trabalha para levar a maior equipe possível para Paris. Fundado em 2008, o comitê tem representações em 15 estados. O Brasil toma parte dessa competição desde a edição de 1996, em Amsterdam, mas os atletas iam por iniciativa própria. Os Gay Games foram iniciados há 32 anos e são abertos a qualquer pessoa que se inscrever. São uma celebração à inclusão, bem diferente dos Jogos Olímpicos, que são fechados a atletas de altíssimo nível, que participam de seletivas para chegar às provas. Além das modalidades esportivas mais comuns, outras, como ‘pink flamingo’, com competições aquáticas em que os atletas participam fantasiados. 

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Queremos levar 100 atletas, porque o Brasil jamais passou dos 30 representantes

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“Com o nosso comitê, a primeira participação foi em Cleveland-2014. Queremos levar 100 atletas, porque o Brasil jamais passou dos 30 representantes”, diz o presidente do comitê, Érico dos Santos, que pretende convidar também brasileiros residentes na Europa.

Uma das esperanças do comitê é poder contar com três times de atletas da primeira edição  da Champions Ligay, campeonato de futebol gay do Brasil, disputado em novembro, no Rio. Além dos campeões, os mineiros do Bharbixas (MG), participaram  BeesCats (RJ), Unicórnios (SP), FuteBoys (SP), CapiVaras (PR), Bravos de Brasília, Alligators (RJ) e Sereios (SC).  

Caso integre a delegação verde e amarela em Paris, Carol diz que será a realização do sonho de uma vida inteira, uma vitória sobre todos os obstáculos que dificultam o acesso da comunidade LGBT+  à universidade ou aos bons postos no mercado de trabalho e também uma superação do permanente risco de ser vítima da violência:  

“Se eu conseguir ir aos Gay Games, estarei  representando muita gente da minha gente, acima de tudo as transexuais que vivem à margem da sociedade, os meus amigos, os meus incentivadores, a própria Ju. Sei que o mundo dá muitas voltas, e quero dar todas as voltas que o mundo me proporcionar.”

Claudio Nogueira

É jornalista, tendo iniciado carreira em 1986 no Globo, onde trabalhou até o começo de 2016. Desde março do mesmo ano, é produtor de reportagens do Sportv. Cobriu, entre outros eventos, quatro Olimpíadas, a Copa do Mundo-2014 e cinco Jogos Pan-Americanos. Como escritor, publicou, entre outras obras: “Futebol Brasil Memória”; “Dez Toques sobre Jornalismo”; “Vamos todos cantar de coração - os 100 anos do Futebol do Vascão”; e ”Esporte Paralímpico - Tornar possível o Impossível”

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