ODS 1
Yanomami: quadrilha explora ouro ilegal
Políticos, empresários e funcionários da Funai estão na mira das investigações
Uma distância de 4.756 km em linha reta separa a Avenida Paulista, centro financeiro do país, em São Paulo, da Terra Indígena Yanomami, em Roraima. É de lá que sai boa parte do ouro vendido em muitas das instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central (BC) a operar neste mercado.
O metal nobre, considerado uma reserva de valor desde as civilizações mais antigas, sai ilegalmente da terra indígena e alimenta uma cadeia produtiva que envolve políticos de primeiro escalão e empresários de renome no eixo Rio-São Paulo. É atrás destes peixes grandes que estão a Política Federal, responsável pela Operação Warari Koxi, e o Ministério Público Federal (MPF) de Roraima. As duas instituições estão atuando em conjunto há dois anos.
A pesquisa da Fiocruz feita em parceira com o Instituto Socioaembiental (ISA), que detectou a contaminação de mercúrio como um dos subprodutos do garimpo ilegal, foi decisiva para apertar o cerco à exploração de ouro na terra indígena.
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Veja o que já enviamosO superintendente da PF de Roraima, Anderson Alves Silva – que entrou recentemente no caso -, lembra que as investigações feitas até agora apontam para um cálculo de R$ 1 bilhão, que seria o volume de negócios gerado pela venda do ouro ilegal entre os anos de 2013 e 2014.
O ouro vem sendo negociado na Ouro Minas DTVM, considerada uma das principais distribuidoras de ouro no país. Foi por meio de interceptação telefônica que chegou-se ao nome da empresa. Dois funcionários já foram identificados como fazendo parte da organização criminosa: um deles trabalha na sede da empresa, em São Paulo; e o outro, na filial da DTVM em Rondônia. Eles atuam, segundo apontam as investigações, na condição de compradores e receptadores de ouro proveniente dos garimpos ilegais. Como as investigações continuam, ainda não há denúncia.
O procurador Fábio Brito, do MPF de Roraima, está convencido de que reprimir a atividade apenas em campo, ou seja, no garimpo, não é suficiente. É preciso avançar nas investigações e identificar quem são os políticos e empresários que alimentam a atividade. “Alguém financia os equipamentos, o combustível, os aviões, a alimentação dos garimpeiros”, diz Brito.
Raro e valioso, especialmente em momentos de crise financeira, o ouro extraído do Rio Uraricoera – um dos maiores de Roraima e que corta a terra indígena – é “esquentado” nas cidades vizinhas, que têm alvará para lavra, já que Roraima não tem permissão para explorar ouro. É em Manaus (AM), Itaituba e Santarém (PA), e Porto Velho (RO) onde lingotes têm sua origem fraudada. Antes de chegar ao principal centro financeiro do país, o ouro ilegal ganha nova roupagem, documento e certidão.
Garimpo persistente na Terra Indígena Yanomami
As operações de repressão ao garimpo ilegal na terra dos Yanomami vêm desbaratando um negócio fraudulento e milionário. Em uma das investidas da Operação Warari Koxi, ocorrida em meados de 2015, foram retirados da terra indígena 100 garimpeiros, destruídas 30 balsas e outros 20 acampamentos, além de 15 pistas de pouso clandestinas.
Além de políticos e empresários, o elo da cadeia conta ainda, segundo a PF e o MPF, com o envolvimento de funcionários da Funai (Fundação Nacional do Índio). Dois servidores já foram afastados: um coordenador da Frente de Proteção Yanomami e um servidor público federal. O afastamento foi solicitado pela PF para evitar a “possibilidade de atrapalhar a colheita das provas”. Também foram identificados pequenos comerciantes locais, como donos de joalherias, num total de 26 estabelecimentos, como um dos elos da cadeia produtiva do ouro ilegal.
Corrupção passiva, contrabando e lavagem de dinheiro são alguns dos crimes que os responsáveis pelo garimpo ilegal nos Yanomami terão que responder ao final das investigações.
Maldição que se perpetua
O ouro da terra indígena, no lugar de uma bênção, é uma maldição que persegue a etnia há décadas. No começo dos anos 1990, um episódio violento envolvendo garimpeiros e índios chamou a atenção do mundo. O Massacre de Haximu, como ficou conhecido, levou a morte 16 indígenas assassinados a golpes de facão e tiros. À época, viviam na terra indígena ilegalmente 45 mil garimpeiros. Os responsáveis foram condenados por genocídio.
Oficialmente, o garimpo foi fechado após o Massacre de Haximu, mas, na prática, a extração ilegal nunca foi interrompida. No máximo, ela é suspensa por alguns meses, até que o cerco ao garimpo seja dissipado. Um dos garimpeiros condenados por envolvimento no massacre histórico, Pedro Emiliano Garcia, conhecido como “Pedro Prancheta”, está solto e voltou a atuar na área. Em uma das operações recentes da PF, ele foi detido novamente e constatou-se ser dono de uma das balsas em operação. A interrupção do garimpo ilegal é a única garantia que os Yanomami têm de não serem vítimas, três décadas depois, de um novo massacre.
Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.
Parabéns a Liana Melo pela excelente reportagem! Parabéns ao Colabora pela iniciativa da denúncia.
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