Já se passaram sete anos desde que o Rio de Janeiro prometeu ao mundo que plantaria 24 milhões de árvores até a abertura dos Jogos Olímpicos de 2016. É razoável imaginar, portanto, que se não chegamos ao número sonhado, pelo menos alguma coisa deve ter sido feita. Obviamente, a cidade é mais verde hoje do que era em 2009. Certo? Errado. Dados do Instituto Pereira Passos (IPP), órgão ligado à Prefeitura, mostram que a cobertura vegetal do Rio, entre 2009 e 2015 (último ano disponível), caiu. O Mapa do Uso do Solo indica que a nossa “cobertura arbórea e arbustiva” ficou 3,5 km² menor. Por incrível que pareça, perdemos entre 700 mil e 900 mil árvores. Quando se consideram também os mangues e a vegetação rupestre a queda é maior: 6,0 km² ou cerca de 1,5 milhão de árvores.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”solid” template=”01″]Como é possível prometer 24 milhões, anunciar o plantio de 5 a 8 milhões e ver a cobertura vegetal da cidade cair em mais de 1 milhão de árvores? Ou as mudas não foram plantadas, ou o desmatamento no Rio foi muito maior ou as árvores, simplesmente, desapareceram. Se vigas gigantescas somem, por que algumas árvores não podem desaparecer também?
[/g1_quote]Em compensação, ganhamos mais de 10 km² de área construída. Será que foram as favelas, mais uma vez, que cresceram? Não. O Armazém de Dados do IPP revela que a área ocupada por comunidades carentes no Rio também caiu. Pouco, mas caiu. De 46,8 km² para 46,1 km². Estranho. Talvez tenha sido aquela Área de Proteção Ambiental (APA) transformada em Campo de Golfe Olímpico na Barra que causou essa confusão toda.
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Veja o que já enviamosSe a campanha do Rio para sediar os Jogos teve problemas, nenhum deles pode ser creditado ao marketing ou à divulgação do projeto. A criação de um produto atraente e vendável era parte do jogo. A começar pelo slogan: “Jogos Verdes para um Planeta Azul”. Como os fins sempre parecem justificar os meios, a cruzada carioca em direção à vitória Olímpica estava repleta de promessas que variavam entre o duvidoso e o impossível: despoluir 80% da Baía de Guanabara, limpar as lagoas da Barra, construir a linha 4 do Metrô, instalar três BRTs e plantar as tais 24 milhões de árvores.
Esta última bravata aparece na página 98 do Dossiê da Candidatura, com um texto que fala na criação de um “Parque do Carbono”, com 1.360 hectares, que seria localizado no Parque Estadual da Pedra Branca. Ali, o Instituto Estadual de Florestas poria 3 milhões das 24 milhões de árvores que seriam plantadas antes que a Tocha Olímpica fosse acesa.
O “Parque do Carbono” foi lançado oficialmente em fevereiro de 2011. Naquele momento, segundo consta, começariam a ser plantadas 2,6 milhões de mudas. De lá para cá, as versões da Secretaria Estadual de Ambiente (SEA) sobre o plantio de árvores olímpicas variaram de 2,5 mil hectares a 3,2 mil hectares. Uma delas fala também em 5,5 milhões de árvores. Se em um hectare cabem 2.000 ou 2.500 árvores, dependendo da espécie e do espaçamento entre elas, estamos falando de algo entre 5 milhões e 8 milhões.
Como é possível prometer 24 milhões, anunciar o plantio de 5 a 8 milhões e ver a cobertura vegetal da cidade cair em mais de 1 milhão de árvores? Ou as mudas não foram plantadas, ou o desmatamento no Rio foi muito maior ou as árvores, simplesmente, desapareceram. Se vigas gigantescas somem, por que algumas árvores não podem desaparecer também?
Essas perguntas, com poucas variações, foram feitas para alguns órgãos envolvidos com o tema. O Comitê Rio 2016 não respondeu. A Fundação Parques e Jardins (FPJ) disse que a Secretaria Municipal de Meio Ambiente estaria mais aparelhada para falar. O que ela fez, gentilmente. O mesmo aconteceu com a Secretaria Estadual do Ambiente. Nenhuma das duas contestou os dados do IPP e ambas apresentaram suas versões da história.
A Secretaria Municipal mostrou dados diferentes, referentes aos anos de 2010 e 2014, baseados no Programa Sig-Floresta. Nesse período, não teria havido queda, e sim um crescimento de 4,4 km², cerca de 900 mil árvores. Ao mesmo tempo, a nota sustenta que, entre 2009 e 2015, foram plantadas 3,2 milhões de mudas de espécies nativas. Já a Secretaria Estadual fala em 3.097 hectares restaurados desde 2009, com cerca de 5 milhões de mudas plantadas em municípios como Itaboraí, São João da Barra, Rio de Janeiro e Teresópolis. Ela não deixa claro quantas foram destinadas à capital.
Desde o início desta história, o objetivo era compensar as emissões de carbono dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, estimadas em 3,6 milhões de toneladas. Hoje, salvo mudanças de última hora, a tarefa principal está com a The Dow Chemical Company, patrocinadora mundial dos Jogos. Eles fariam a compensação recuperando pastos na Bahia e no Mato Grosso do Sul. Longe dos olhos dos chatos que gostam de checar promessas.
É aí que mora uma parte do problema. Quando uma autoridade promete que daqui a sete anos serão plantadas 24 milhões de árvores, ela conta com dois fatores: o tempo, que talvez faça as pessoas esquecerem; e a impossibilidade de verificar, exatamente, se o número foi entregue. O Mapa do Uso do Solo, do IPP, e mesmo o Sig-Floresta, da Secretaria de Meio Ambiente, neste caso, funcionam como espécie de “bottom line” verde, a última linha de um balanço. Seria mais simples, verificável e honesto, dizer que a cobertura vegetal do Rio cresceria X por cento em tanto tempo, e que o resultado poderia ser acompanhado através da ferramenta Y.
Mas isso já é sonhar demais. No mundo real, enquanto as árvores do show olímpico não aparecem, vamos abrindo as cortinas para as novas atrações: As árvores do Rock in Rio na Amazônia e a Floresta dos Atletas. Esta última, coincidentemente, também promete ser erguida no Parque Estadual da Pedra Branca. Ela nascerá daquelas sementinhas plantadas por 12 mil atletas do mundo todo durante a cerimônia de abertura da Rio 2016. Foram 15 mil sementes. O problema é que o índice de perdas médio num viveiro de mudas é da ordem de 30%. Com isso, a nova floresta já nasceria com 4,5 mil unidades a menos. Se tudo correr bem, sobrariam 10.500 mudas. Mais ou menos 5 hectares ou 5 campos de futebol. É bom, mas não resolve. E o pior: continuaremos plantando marketing, enterrando a transparência e colhendo menos áreas verdes do que tínhamos há dez anos.
Sensacional a reportagem.
Morro de preguiça desse papo de compensação de carbono e plantio de árvores sem um mecanimos forte de controle social, pra mim fica sempre o dito pelo mal ou não feito.
Obrigado, Claudia, concordo plenamente.
Agostinho Vieira esplêndida a sua matéria pela qualidade das informações oferecidas ao público, possibilitando que todos formem opinião sobre os fatos ocorridos. Esta qualidade de jornalismo é o que nos falta. Parabéns pelo seu empreendimento que diariamente me trás satisfação, tanto que pela qualidade das matérias, quando pelo imprescindível compromisso ético que tanto nos falta.
Hylton, obrigado pelo carinho e pela leitura sempre atenta.
Muito boa matéria, parabéns.
Fico feliz de ver quem tem gente de olho nas campanhas e promessas verdes dos nossos mega-eventos!
Infelizmente a compensação ou neutralização de emissões desses eventos (vide Copa do Mundo da FIFA, Olimpíadas e até a Rio+20), na maioria das vezes, fica apenas na promessa, ou quando muito, recicla “créditos de carbono” de projetos antigos e sem adicionalidade (como aterros, projetos de energia, etc.) ao invés de plantar as tão desejadas árvores que a Mata Atlântica tanto precisa.
Apenas um comentário quanto as compensações da empresa DOW: antes fossem plantios de árvores em pastos na Bahia ou Mato Grosso do Sul, pois ainda que fossem em regiões distantes do local do evento (RJ), ao menos estariam sendo plantadas as prometidas árvores. Ao meu ver a ação é ainda menos “verde” ou de fato adicional para cumprir com a mitigação das mudanças climáticas. A maior parte das compensações serão com projetos industriais, boas práticas na construção, melhoria de eficiência energética ou aumento de eficiência na agricultura – ou seja, práticas que a Dow já realiza como parte de sua estratégia pesquisa e desenvolvimento ou quando muito por responsabilidade social e corporativa.
Segue relatório com a descrição das ações da Dow: http://images.client.dow.com/Web/TheDowChemicalCompany/%7B052093f1-a729-4ca8-a5cb-064c42eefe1e%7D_DowRio_CarbonReport_A4_FINAL__loRes.pdf?utm_campaign=201608_Olympics_Global_INF_CarbonHub_RequestCarbonReport_SendReport&utm_medium=email&utm_source=Eloqua
Mariano, obrigado pelos comentários e pela dica.
Agradeço pela publicação, que traz um tema relevante com uma abordagem de fácil compreensão.
O que se prometeu, o que se fez o que diz-se que se fez são três universos distintos na gestão PMDB. De deixar qualquer um Paes-mo.
Abraços.
Plantar é fácil, mas garantir a sobrevivência da nuda ate que ela atinja um porte auto sustentável exige muitos cuidados e leva anos … Promessa é dívida e deveria ser cobrada e penalizada judicialmente.
Sabemos como as árvores sumram, principalmente onde menos existiam. Espalhadas pelos suburbios, com a tomada paulatina de ruas e praças com projetos de legado.
Cada praça ocupada com clinicas da familia e BRT eram árvores que sumiam e que midia ou a sociedade não ligava. Enquanto focavam a área de reserva na Barra, a Prefeitura fazia a festa na zona norte. O Interessante é o resultado da pesquisa em locais como o bairro de Ramos que receberam este “legado”: aumento brutal de crianças de 0 a 4 anos com infecção respiratória aguda internadas.
Quem não se lembra das mudas plantadas ao longo da Av. Brasil no Rio de Janeiro, com larga propaganda da Prefeitura ao longo da via enaltecendo o plantio de, não me lembro ao certo, sei lá quantas mil mudas de árvores! Até ai tudo bem, muito louvável a iniciativa se não fosse por um porém: O plantio foi nas pistas do meio, justamente onde hoje está a obra do BRT Transbrasil. A pergunta que não quer calar é a seguinte: Naquela época já existia o projeto do BRT, porque então plantar mudas que fatalmente seriam arrancadas depois?? Seria mais uma manobra para gastar dinheiro público e embolsar parte dele também??
Nossa, que matéria bem redigida, rica em dados sem ser massante. Este é o tipo de jornalismo que eu gostaria que todos lessem.
Uma observação: fui um daqueles caras que comprou ingressos para todos os dias das Olimpiadas em Ago. Assisti todos os dias a jogos, em todos as sedes dos Jogos. Morei no Parque Olimpico por 20 dias, indo e voltando, chegando cedo de manhã e saindo a noite.
Que vergonha aquele lugar! Fizemos toda uma abertura dos Jogos preconizando o respeito e proteção ao meio ambiente. Alardeamos esse tal replantio de árvores, fizemos aquela propaganda para o mundo todo e ao chegar no centro nervoso dos Jogos…aquele monstrengo de cimento e grades. Um sol infernal em Agosto, um calor miserável punindo todos os frequentadores, que tinham que andar de 3 a 4km dos BRTs até as arenas. Não havia uma arvore, um CAMINHO VERDE sequer para se andar sob a proteção de sombra. Foi decepcionante, para não dizer coisa pior.
Nenhum transporte ecológico como aluguel de bicicletas para se locomover pelo parque, nada. Os rios fétidos cercando o Parque Olimpico e o RioCentro.
Nada disso “a Globo” filmou para os gringos e para o resto do país. Foi realmente uma OlímPIADA para inglês ver.
Excelente e precioso registro para confrontar empulhações futuras! Sabemos que o legado é negativo, roubos, abandonos (Parque Olímpico, Maracanã,….). Triste realidade para um país que precisa anunciar mega eventos para que se faça o que é devido no dia a dia, e pior, com esse vergonhoso legado de destruição de recursos financeiros e ambientais para que a desclassificada classe política apareça e , mantenha o rebanho eleitoral e enriqueça. Itaboraí (Comperj) é um cenário de abandono e destruição ambiental e todo o entorno sofreu as mesmas agressões ambientais com vastíssimas áreas desmatadas cuja ação criminosa avançou sobre manguezais, matas ciliares e redesenhos de rios que serviriam à navegação. O desastre vai até Cachoeiras de Macacu, comprometendo o abastecimento de água de cidades como Itaboraí,São Gonçalo e Niteroi, todas abastecidas pelo sistema Imunana Laranjal. Quem passa frequentemente pela região vê o estrago.