Constrangimento amazônico

A Floresta Amazônica, que já teve mais de 20% da sua área destruída totalmente, é vítima constante de desmatamentos, garimpos ilegais, mineração predatória e queimadas criminosas. Foto Custódio Coimbra

Governo Temer ainda fala em reduzir áreas de proteção ambiental e estuda terceirizar monitoramento por satélite na região

Por Liana Melo | FlorestasODS 14 • Publicada em 20 de junho de 2017 - 09:44 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 15:51

A Floresta Amazônica, que já teve mais de 20% da sua área destruída totalmente, é vítima constante de desmatamentos, garimpos ilegais, mineração predatória e queimadas criminosas. Foto Custódio Coimbra
Taxa de desmatamento na Amazônia cresceu 16% entre 2014 e 2015. No ano passado, o resultado ficou 29% acima de 2015. (Foto de Custódio Coimbra)

O presidente Michel Temer embarcou ontem para um viagem oficial à Rússia e à Noruega com uma mala carregada de constrangimentos ambientais. Especialmente em relação à Amazônia. Acuado pela serra elétrica do impeachment, Temer tem cedido a todas as pressões da bancada ruralista para flexibilizar o licenciamento ambiental e reduzir as áreas de proteção.  Na semana passada, a vergonha veio em forma de carta, escrita pelo ministro do Meio Ambiente da Noruega, Vidar Helgesen. No texto, ele manifesta ao ministro Sarney Filho dúvidas sobre a continuidade e a utilidade do Fundo Amazônia diante da alta nas taxas de desmatamento e da série de propostas em discussão no governo e no Congresso para enfraquecer a proteção ambiental no Brasil.  O Fundo Amazônia é gerido pelo BNDES e bancado pelos governos da Noruega e da Alemanha.

Segundo informações oficiais, desde 2008, só a Noruega já doou o equivalente a R$ 2,8 bilhões para o Fundo, criado naquele ano pelo governo Lula. É a maior quantia já aplicada por um país desenvolvido em redução de emissões por desmatamento (o chamado REDD+). Em sua carta, o ministro norueguês lembra que, pelas regras do fundo, fixadas pelo próprio Brasil, as verbas de contribuições internacionais só podem ser acessadas pelo país mediante demonstração de resultado – ou seja, caso a taxa de desmatamento caia. “Mesmo um aumento modesto [na devastação] levaria esse número a zero.”

Apesar dos desmentidos formais do governo, a pressão para flexibilizar o licenciamento ambiental continua de vento em popa. No dia 23 de maio, o governo aprovou, apesar da obstrução da oposição, duas medidas provisórias (MPs) que reduzem o tamanho das unidades de conservação (UCs) da Amazônia. As MPs 756 e 758, que cortariam 600 mil hectares de áreas protegidas na Amazônia e na Mata Atlântica, acabaram sendo vetadas por Temer na segunda-feira, dia 19.  No entanto, espera-se que o governo envie ao Congresso um projeto de lei propondo corte semelhante na área protegida da Floresta Nacional do Jamanxim, a mais afetada pelas medidas, que perderia 486 mil hectares.

Um outro retrocesso ambiental  planejado pelo governo é a terceirização do trabalho de observação da Amazônia por satélite, que é feito, há 29 anos, pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O desmatamento na região é monitorado através de dois programas: o Prodes (Programa de Monitoramento do Desmatamento da Amazônia por Satélite) e o Deter, que fornece, semanalmente, alertas de desmatamento ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

De forma unilateral, o anúncio do Ministério do Meio Ambiente (MMA) surpreendeu o próprio Inpe em abril último. Previsto para ocorrer no começo de maio, o pregão eletrônico para contratar serviços de monitoramento ambiental por imagens de satélite ainda não saiu do papel. Desde estão, só cresce a controvérsia em torno da medida e a mobilização para inviabilizá-la. A comunidade científica expressou seu desconforto assinando uma petição em sinal de protesto – 6.200 pesquisadores foram signatários do documento. O Ministério Público Federal (MPF) do Pará também chiou, solicitando explicações ao MMA. O assunto foi parar ainda nas páginas da revista Science.

Um dos argumentos da oposição é que a decisão do MMA é inoportuna, especialmente num momento de crise econômica, quando o discurso oficial prega redução de gastos. O edital prevê uma montanha de dinheiro: R$ 78,5 milhões, o que corresponde a 18% do orçamento anual do ministério, que, no começo do ano, sofreu um corte de 51% na sua verba. Também apontam outras incongruências: 41% do trabalho referem-se à criação de dados que já são produzidos pelo Inpe, o que poderá gerar inconsistências internas dentro do próprio governo, tirando o foco das ações do combate ao desmatamento. E, por fim, o prazo de oito dias úteis apresentado originalmente para o envio de propostas foi considerado insuficiente inclusive por duas das empresas concorrentes: Funcate e HexGis.

Procurado, o ministério respondeu, sucintamente, que, como o pregão foi suspenso, “não há o que se falar em propostas”. Quanto ao novo leilão, nada informou.

Falta de transparência

Em comunicado oficial, o ministério justificou a intenção de terceirizar o monitoramento do desmatamento da Amazônia desqualificando a pressão da oposição. Alegou, em nota, que “é falsa a informação de que o MMA teria a intenção de substituir o monitoramento do desmatamento, que vem sendo realizado com excelência técnica e científica pelo Inpe nas últimas três décadas”. Alega também que não pretende dispensar os serviços do Inpe, mas sim complementá-lo – se era essa a intenção do governo, em nenhum momento ficou claro nem para a comunidade científica, nem para o MPF, e nem para o próprio Inpe.

A explicação não convenceu. O próprio Inpe, questionado pelo procurador Ricardo Negrini, do Ministério Público Federal do Pará, respondeu afirmando que “há de fato superposição com trabalhos executados pelo Inpe, que já faz mapeamento de polígono de desmatamento em áreas de remanescentes florestais”.

O edital do MMA foi divulgado em 20 de abril, no dia seguinte à exoneração da diretora do Departamento de Florestas e de Combate ao Desmatamento da pasta, Thelma Krug – uma das criadoras do Prodes. Mesmo considerando que o ministério tem todo o direito de fazer um edital, ela está convencido de que “o que falta hoje não é monitoramento, é combate ao desmatamento”. Dados do Inpe apontam para um recrudescimento das taxas de desmatamento, que, em 2016, ficou 29% acima do ano anterior.

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O que falta hoje não é monitoramento, é combate ao desmatamento

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Monitorar o desmatamento não é uma questão matemática. O cálculo é apenas parte do trabalho – o mais importante é a correlação de dados, o que requer um trabalho de inteligência. Ou seja, mais importante do que o dado bruto é a sua interpretação, o que é feito com excelência pelo corpo técnico do Inpe. Há um consenso entre a comunidade científica de que a escassez de recursos financeiros é o principal responsável pelo aumento da taxa desmatamento que vem sendo verificada há dois anos. “É um desperdício de dinheiro público, em momento de crise financeira como a atual, alocar R$ 78,5 milhões para contratar um serviço que já é feito pelo Inpe”, critica o climatologista Carlos Nobre, membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

Há uma desconfiança de que as empresas interessadas em participar do pregão eletrônico sejam da área de tecnologia da informação (TI), o que, se confirmado, seria um tiro no pé. A própria Nasa divulga gratuitamente dados de satélite, assim como ONGs, como é o caso do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), que também monitora o desmatamento na Amazônia Legal.

Segundo informações oficiais, desde 2008 a Noruega já doou o equivalente a R$ 2,8 bilhões para o Fundo Amazônia, criado naquele ano pelo governo Lula. É a maior quantia já aplicada por um país desenvolvido em redução de emissões por desmatamento (o chamado REDD+).

Em sua carta, o ministro norueguês lembra que, pelas regras do fundo, fixadas pelo próprio Brasil, as verbas de contribuições internacionais só podem ser acessadas pelo país mediante demonstração de resultado – ou seja, caso a taxa de desmatamento caia. “Mesmo um aumento modesto [na devastação] levaria esse número a zero.” É ou não é constrangedor?

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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