Cara a cara com o doador

Arrecadação de recursos nas ruas engorda caixa de ONGs

Por Liana Melo | Economia VerdeODS 14 • Publicada em 24 de março de 2016 - 08:00 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 15:43

Time do Greenpeace nas ruas de Campinas fazendo captação de recursos
Time do Greenpeace nas ruas de Campinas fazendo captação de recursos
Time do Greenpeace nas ruas de Campinas fazendo captação de recursos

O sorriso é fundamental, assim como uma boa conversa. Ser jovem e simpático são atributos complementares à função. A carga horária de trabalho pode variar de quatro a seis horas diárias. O salário supera o valor do mínimo. A seleção para o cargo é rigorosa: entrevistas, redação, simulação, dinâmica de grupo… Não é um trabalho fácil e ele ocorre nas ruas – uma espécie de escritório a céu aberto dos captadores de recursos. As circunstâncias são adversas: calçadas ocupadas por pedestres apressados e sem tempo. Quando chove, fica ainda mais difícil. Só que com chuva ou sol, a técnica é a mesma: convencer o interlocutor a ser um doador. Afinal, o que está sendo vendido não é um produto ou um serviço, mas uma causa, que pode ser humanitária ou ambiental.

Se na Europa e nos Estados Unidos a arrecadação “face-to-face” já é recorrente, por aqui é uma prática disseminada especialmente pelas grandes ONGs internacionais: Greenpeace, Anistia Internacional, Unicef, Médicos Sem Fronteiras (MSF). Sua origem não é precisa, mas acredita-se que tenha sido uma invenção da ONG ambiental Greenpeace no começo dos anos 90 na Austrália. O aumento da renda média da população brasileira aliada à crise econômica nos Estados Unidos e na Europa levaram entidades de projeção internacional a optarem pela diversificação das fontes de recursos. O aporte financeiro de seus quartéis-generais no exterior vem sendo substituído gradualmente pelo dinheiro captado nas ruas. Se tornar autossustentável é o caminho e, para isso, no lugar de esperar pelas doações, as ONGs decidiram partir para o ataque saindo à cata de doadores.

[g1_quote author_name=”Amanda Fazano” author_description=”coordenadora da Aquisição de Doadores do Greenepeace” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

O jovem precisa aprender a técnica de persuasão e conhecer profundamente a entidade. E, especialmente, estar ganho para a causa. Só assim ele terá condições de reverter a rejeição do seu interlocutor

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No Greenpeace, a captação de recursos no estilo cara a cara – ou diálogo direto como também ficou conhecido por aquichega a 70%. “Estamos amadurecendo nossa cultura da doação e as perspectivas de aumentar ainda mais a participação desse tipo de captação na organização é bastante grande”, conta Amanda Fazano, coordenadora da Aquisição de Doadores da entidade. O maior obstáculo é o custo, que incluí carteira assinada e benefícios, como vales refeição e transporte e seguro de vida. Se a motivação for exclusivamente o salário, não dá certo. “O jovem precisa aprender a técnica de persuasão e conhecer profundamente a entidade. E, especialmente, ser simpático à causa. Só assim ele terá condições de reverter a rejeição do seu interlocutor”.

Profissionalização à vista

O processo de profissionalização dos captadores de recursos está em curso. André Bogsan, depois de anos trabalhando no Greenpeace, trocou o terceiro setor pelo setor privado. Ele é sócio da BySide, uma empresa especializada em recrutar captadores de recursos para as ONGs. Apesar de concordar que o mercado está em expansão, ainda estamos anos luz de distância de países como os Estados Unidos, onde o doador individual pode deduzir sua contribuição no imposto de renda. “É uma forma de estimular a prática da doação”.

A ActionAid está se preparando para entrar na briga, mas só em 2017. Até lá, a entidade vai se estruturar financeiramente. É que o custo da operação é elevado e o retorno a longo prazo. “Chegamos a ter equipe nas ruas, mas recuamos para nos estruturarmos melhor”, admite Kátia Gama, gestora de Captação de Recursos da ActionAid no Brasil.

Conquistar um novo doador na rua é apenas a primeira parte da operação de captação de recursos. A etapa seguinte é mantê-lo contribuindo mensalmente, ainda que o valor do tíquete médio seja baixo – o que importa é aumentar a base de clientes. A fidelidade depende do binômio transparência e comunicação. Caso contrário, o doador pode se sentir traído e debandar.

Defensor de causa

A relação captador-doador vem sendo repaginada. A empresa de recrutamento de captadores, a Escalera – Empresa de Consultoria em RH, desenvolveu para a BySide um novo modelo de captação de recursos, onde o doador passa a ser denominado de defensor de causa. O nome é apenas um detalhe, mas, sem dúvida, é mais adequado à função. Jovens, especialmente universitários, vêm aderindo à causa e saindo às ruas vendendo ideias.

Stephanie, do MSF

A estudante de Direito Stephanie Jaliffa está há dois anos trabalhando como captadora de recursos do Médicos Sem Fronteira (MSF). Ela se aproximou da entidade como doadora. “Fui fisgada por uma campanha na televisão”, lembra ela, quando passou a doar 30 reais por mês. À medida que foi conhecendo o trabalho da instituição foi percebendo que o que ganhava como modelo de prova em uma grife carioca não valia à pena – ainda que monetariamente fosse mais atrativo. Ela queria algo além da remuneração. Preencheu um formulário, passou no processo seletivo e pediu demissão do antigo emprego para ganhar menos. Hoje é líder de um grupo de captadores. É com orgulho que ela ostenta o primeiro broche que ganhou após captar 200 doadores. “Algumas pessoas têm cara de doador”, brinca admitindo que sua intuição já a traiu algumas vezes, o que a fez passar a abordar as pessoas na rua aleatoriamente.

Apesar dos MSF não ter nenhuma atuação no Brasil – o escritório da ONG foi aberto no Rio em 1999 -, a entidade contratou uma pesquisa para saber se, ainda assim, ela seria atrativa para um potencial doador. A resposta foi positiva e, desde 2007, a organização tem operação de captação de recursos no país. O MSF é autossuficiente financeiramente e não depende de recursos externos para sobreviver no Brasil. “Trocamos de lado, deixamos de ser receptores de recursos para sermos doadores de recursos”, comenta Flávia Tenenbaum, diretora de captação de recursos de MSF-Brasil.

A técnica para captar um doador, ou um defensor de causa, é resumir em pouco tempo o trabalho da entidade. Cinco minutos é tempo máximo que um pedestre costuma dispensar aos jovens de coletes das instituições e formulário na mão – algumas ONGs já disponibilizam tablets, como é o caso do Greenpeace. No caso do MSF, a lista é extensa: com 32 reais é possível comprar alimentos terapêuticos para 17 crianças subnutridas em um dia; 48 reais é suficiente para adquirir 16 ampolas de morfina para aliviar a dor; com 53 reais é possível imunizar o mesmo número de crianças com vacina de sarampo; 68 reais são suficientes para comprar 28 sachês de dois litros de soro cada para hidratar crianças subnutridas.

“Minha cabeça mudou desde que passei a trabalhar no MSF”, admite Stephanie, que já pensa em fazer Mestrado em Direito Humanitário. A captadora é o que no jargão do mercado é identificado como aliado estratégico.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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