Antecipando os protestos previstos para ocorrer no sábado, quando completa um ano do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, moradores do primeiro vilarejo atingido pela lama da Samarco ignoraram a chuva fina e, com enxada na mão, ocuparam simbolicamente a nova Bento Rodrigues. Incomodados com a lentidão do processo de reassentamento definitivo dos atingidos pelo desastre da Samarco, membros da comunidade capinaram a entrada do lote comprado pela empresa da Arcelormittal.
Após análises prévias envolvendo 15 áreas, o processo de escolha afunilou para três terrenos. Foi a própria comunidade que optou por Lavoura, um local onde a plantação de eucalipto predomina na paisagem. A área tem 370 hectares e corta a estrada que liga o povoado de Bento Rodrigues a Mariana, onde estão vivendo, temporariamente, os moradores da primeira vila atingida pela rota do vazamento de lama de rejeitos da Samarco, controlada pela brasileira Vale e a anglo-australiana BHP Billiton.
“A Samarco só não atrasa as obras necessárias para voltar a operar”, critica Manoel Marcos Muniz, que, nascido e criado em Bento Rodrigues, aposentou-se, em 2013, após passar a vida como operador das bombas do mineroduto da Samarco, na região.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamos[g1_quote author_name=”Manoel Marcos Muniz” author_description=”morador de Bento Rodrigues” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]
A Samarco só não atrasa as obras necessárias para voltar a operar
[/g1_quote]Com a escolha do terreno feita, Manoel acreditou que a reconstrução começaria imediatamente. Só que não. A previsão para a aprovação do projeto arquitetônico e urbanístico era em setembro – o cronograma está atrasado, assim como todos os projetos de mitigação da Samarco. A última data informada para entrega das chaves é meados de 2018. À medida que se aproxima o dia 5 de novembro, cresce o sentimento de insatisfação em relação à Samarco e à Fundação Renova, entidade responsável pela condução de um conjunto de ações de reparação e recuperação das áreas afetadas, e que administra uma verba bilionária.
Após acordo firmado em março último pela mineradora, governos federal e de Minas Gerais e Espírito Santo, a Samarco tem de desembolsar R$ 2 bilhões, neste ano, em medidas para fazer frente à tragédia. Mais R$ 1,2 bilhão no próximo ano e outros R$ 1,2 bilhão, em 2018. O desastre da Samarco matou 19 pessoas – 14 delas funcionários da própria empresa – e provocou uma destruição ambiental que se estendeu pelo Rio Doce, passando pelo litoral capixaba e chegando ao oceano Atlântico.
Direitos violados
Manoel, assim como a maioria de seus vizinhos, perdeu tudo com a enxurrada de lama após o rompimento da barragem. Conta, com lágrimas nos olhos, sua perplexidade ao lembrar dos inúmeros treinamentos que foi obrigado a fazer para seguir os procedimentos de segurança impostos internamente pela Samarco: “Eu confiava na empresa”. Com a sensação de estar sendo “apunhalado pelas costas”, Manoel ainda está sendo obrigado a “brigar” pelos seus direitos.
Por ter dupla moradia – ele tem um imóvel em Mariana –, não teve direito a casa alugada pela empresa para morar. Manoel, no entanto, requer o equivalente ao valor de um aluguel, já que a enxurrada de lama levou sua chácara e ainda matou parte dos seus animais. Ele está brigando na Justiça, mas, até agora, depois de três audiências, não ganhou nada, nem mesmo os R$ 20 mil de antecipação de uma futura indenização – dos quais a metade a empresa está pleiteando descontar no futuro. Por enquanto, Manoel está recebendo apenas o auxílio de um salário mínimo mais 20% por dependente e uma cesta básica.
Por estar na parte alta de Bento Rodrigues, a casa em construção de Alexandre Juliano Vieira e da esposa Janaína Cecília não foi levada pela lama, mas o sonho do casal está enterrado sob os destroços do povoado. Eles planejavam investir numa pousada com 12 quartos. “Hoje vivo para a Samarco”, conta Alexandre que, junto com a mulher, passa o dia brigando para garantir seus direitos na Justiça, assim como Manoel.
Por morarem em área rural, costumavam pagar R$ 50,00 pela conta de luz, em Bento Rodrigues. Desde que mudaram-se para Mariana, onde moram em uma das casas alugadas pela Samarco, a conta triplicou. Passou para R$ 150,00. O casal brigou muito para garantir o direito de pagar apenas o valor que desembolsava em Bento Rodrigues. E venceu a luta na Justiça. A diferença do valor da conta terá que ser paga à Cemig pela Samarco. Alexandre e Janaína comemoraram a pequena vitória, que, desde então, foi estendida a todos os atingidos que vivem hoje em Mariana. “A briga agora é por um indenização justa”, diz Alexandre, com voz firme, mas os olhos marejados.
Preconceito
Vivendo como exilados ambientais na vizinha Mariana, os moradores de Bento Rodrigues começam a sentir o peso de serem identificados como “aproveitadores”. Na escola, seus filhos são chamados de “pé de lama”. Às vésperas da tragédia completar um ano, passaram a ser alvo de olhares enviesados e de discriminação por onde passam, seja na farmácia, no supermercado, na pracinha da cidade.
como faço para encontrar as pessoas da tragédia de Bento Rodrigues?