África, o continente bipolar

Entre altos e baixos, países apostam em tecnologia de ponta para dar salto rumo ao desenvolvimento

Por Trajano de Moraes | Economia VerdeODS 14 • Publicada em 20 de julho de 2016 - 08:00 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 15:42

Crianças numa escola de Nairóbi, no Quênia, usam um modelo de tablet criado por uma empresa local
Crianças numa escola de Nairóbi, no Quênia, usam um modelo de tablet criado por uma empresa local
Crianças numa escola de Nairóbi, no Quênia, usam um modelo de tablet criado por uma empresa local

As perspectivas da África padecem de um comportamento bipolar: ciclos de otimismo e de pessimismo se alternam. Após o período das independências, nos anos 1960, era o continente do futuro. Nos anos seguintes, a produção industrial cresceu. Após os anos 80, caíram os preços dos produtos primários, houve perda de mercados e surgiram concorrentes mais competitivos. Os anos 90 foram conhecidos como a década perdida e deram lugar ao “afropessimismo”.

[g1_quote author_name=”Frédéric Jean Marie Monié” author_description=”Geógrafo da UFRJ” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Tem gente muito otimista, achando que a África vai ser o primeiro continente a experimentar o chamado desenvolvimento 2.0, baseado nas novas tecnologias.

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Um novo ciclo, desta vez de “afro-otimismo”, se iniciou na virada do século, com o brutal aumento da demanda por commodities criada pelo deslanchar das economias da China, principalmente, e da Índia, o que levou ao aumento das cotações dos produtos primários de exportação. Mas a situação já mudou, e hoje muita gente questiona a capacidade de a África se desenvolver.

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Na opinião do professor Frédéric Jean Marie Monié, do curso de pós-graduação do Departamento de Geografia da UFRJ, isso depende de: 1) aproveitar o bônus demográfico dos próximos 20 a 30 anos, quando o continente terá a maior parte da população em idade útil, com número menor de crianças e idosos; 2) ser capaz de criar empregos para absorver os jovens e fortalecer mercados domésticos, e assim  alavancar a economia; 3) conseguir transformar as grandes cidades em motores do desenvolvimento, e não em  ajuntamentos de pobreza.

– Tem gente muito otimista, achando que a África vai ser o primeiro continente a experimentar o chamado desenvolvimento 2.0, baseado nas novas tecnologias – diz Monié.

Já há países tentando. Ruanda, pequena nação de 12 milhões de habitantes, sem costa marítima e localizada na região dos Grandes Lagos da África centro-oriental, aposta em se tornar uma espécie de Cingapura africana. Seu presidente, Paul Kagame (desde 2000 e já habilitado a concorrer a um terceiro mandato em 2017) lançou o ambicioso plano Visão 2020, com ênfase em tecnologia da informação e de comunicações e o objetivo de transformar Ruanda num pólo de TI.

Kagame é polêmico. Para muitos, é o herói da Frente Patriótica Ruandesa (FPR), da etnia tutsi, que conseguiu encerrar o genocídio de tutsis e moderados hutus (a etnia dominante) por extremistas hutus que, de abril a julho de 1994, matou cerca de 800 mil pessoas.

Para a comunidade internacional, é o líder que fez a renda per capita triplicar para US$ 1.592 entre 2000 e 2013, e manteve um crescimento anual da ordem de 8% de 2004 a 2010. Sua política se baseia na liberalização econômica, na privatização das estatais e na redução da corrupção e dos entraves aos negócios. Este ano, o Fórum Econômico Mundial realizou seu evento anual em Kigali, capital ruandesa, reconhecendo o compromisso do governo com o bom ambiente para os negócios.

Ruanda ainda é muito pobre. Está apenas no 163º lugar (o Brasil é o 75º) entre 188 países no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), mas aparece em 65º entre 178 nações no Índice de Liberdade Econômica (ILE) da Heritage Foundation (o Brasil é o 118º).

Ajudado pela descoberta de novas minas de diamante, Botswana teve o terceiro maior crescimento do mundo entre 1966 e 2014

Por outro lado, a atuação de Kagame à frente de milícias tutsis nos anos de genocídio levaram a França a pedir seu julgamento pelo Tribunal Penal Internacional para Ruanda, que deixou de funcionar a 31 de dezembro.  Além disso, há denúncias de que políticos e militares ruandeses, em conluio com autoridades de Uganda, saqueiam recursos naturais do leste do Congo.

Para o professor Frédéric Monié, essa é uma estranha contradição:

– Dinheiro muito sujo para financiar desenvolvimento muito limpo, baseado em alta tecnologia.

O Quênia, país da África Oriental com 45 milhões de habitantes e costa no Oceano Índico (145º no IDH, 122º no ILE), é outro que surpreende. É o recordista mundial em transações financeiras pelo celular. Em outubro de 2015, elas chegaram a US$ 23 bilhões, quase 20% acima do mesmo período do ano anterior.

O país é pobre e muitos não têm condição de abrir conta em bancos. A iniciativa privada adaptou a tecnologia bancária para os celulares comuns, que todos podem ter, permitindo que os usem para pagar contas, fazer compras, realizar depósitos e receber dinheiro. Segundo o professor Frédéric Monié, está bem disseminado no país o uso de aplicativos que facilitam o pastoreio do gado (ajudando a localizar água, por exemplo), a lavoura (com dados sobre o tempo) e o reforço escolar. A capital, Nairóbi (3,4 milhões de habitantes) é um centro comercial regional. A economia do Quênia é a maior da África Oriental e Central. O país exporta chá e café e, mais recentemente, flores frescas para a Europa.

Mas uma das maiores histórias de sucesso na África não tem a ver com alta tecnologia, e sim com estabilidade democrática e recursos naturais. Trata-se de Botsuana, uma nação sem saída para o mar encravada entre África do Sul, Namíbia e Zimbábue, no sul do continente. É um dos países menos povoados do mundo, com pouco mais de 2 milhões de pessoas para uma área do tamanho de Minas Gerais. É o primeiro da África Subsaariana no IDH (106º entre 188) e ocupa lugar de destaque no Índice de Liberdade Econômica (36º entre 178).

O jornal online “The World Post”, parceria entre o “Huffington Post” e o Berggruen Institute, resume sua trajetória recente:

“Desde sua independência, em 1966, Botsuana passou de um dos mais pobres países do continente a um dos mais ricos. De 1966 a 2014, sua economia teve o terceiro maior crescimento mundial – em termos de renda per capita -, atrás apenas de China e Coréia do Sul. A taxa de alfabetização alcançou 85% e a de escolaridade, perto de 90%. É um dos poucos países africanos com uma democracia estável, na qual líderes eleitos cumprem seu mandato e deixam o poder, em vez de recorrer a golpes ou alterações constitucionais para se perpetuar”.

Não há dúvida de que Botsuana teve sorte. Um ano após a independência, algumas das mais ricas minas de diamantes do mundo foram encontradas no país. “Mas, muitos países na África foram abençoados com riquezas comparáveis – Angola, Congo, Serra Leoa”, diz “The World Post”, e seguiram caminhos inteiramente diferentes, e desastrosos.

As autoridades de Botsuana conseguiram negociar com as multinacionais de mineração que atuam no país que uma parcela considerável dos ganhos com a exportação de diamantes seja recolhida aos cofres públicos e permita investimentos em infraestrutura e serviços à população.

Trajano de Moraes

Jornalista com longas passagens por Jornal do Brasil, na década de 1970, e O Globo (1987 a 2014), sempre tratando de temas de Política Internacional e/ou Economia. Estava posto em sossego quando foi irresistivelmente atraído pelos encantos do #Colabora. E resolveu sair da toca.

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Um comentário em “África, o continente bipolar

  1. Hylton Sarcinelli Luz disse:

    Muito bom saber! Gostei da matéria. Ajudou-me a formar um olhar mais otimista para este continente, este mundo onde encontramos tantas semelhanças com a nossa história de colonizados e a um povo a quem tanto devemos.

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