As perspectivas da África padecem de um comportamento bipolar: ciclos de otimismo e de pessimismo se alternam. Após o período das independências, nos anos 1960, era o continente do futuro. Nos anos seguintes, a produção industrial cresceu. Após os anos 80, caíram os preços dos produtos primários, houve perda de mercados e surgiram concorrentes mais competitivos. Os anos 90 foram conhecidos como a década perdida e deram lugar ao “afropessimismo”.
[g1_quote author_name=”Frédéric Jean Marie Monié” author_description=”Geógrafo da UFRJ” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Tem gente muito otimista, achando que a África vai ser o primeiro continente a experimentar o chamado desenvolvimento 2.0, baseado nas novas tecnologias.
[/g1_quote]Um novo ciclo, desta vez de “afro-otimismo”, se iniciou na virada do século, com o brutal aumento da demanda por commodities criada pelo deslanchar das economias da China, principalmente, e da Índia, o que levou ao aumento das cotações dos produtos primários de exportação. Mas a situação já mudou, e hoje muita gente questiona a capacidade de a África se desenvolver.
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Veja o que já enviamosNa opinião do professor Frédéric Jean Marie Monié, do curso de pós-graduação do Departamento de Geografia da UFRJ, isso depende de: 1) aproveitar o bônus demográfico dos próximos 20 a 30 anos, quando o continente terá a maior parte da população em idade útil, com número menor de crianças e idosos; 2) ser capaz de criar empregos para absorver os jovens e fortalecer mercados domésticos, e assim alavancar a economia; 3) conseguir transformar as grandes cidades em motores do desenvolvimento, e não em ajuntamentos de pobreza.
– Tem gente muito otimista, achando que a África vai ser o primeiro continente a experimentar o chamado desenvolvimento 2.0, baseado nas novas tecnologias – diz Monié.
Já há países tentando. Ruanda, pequena nação de 12 milhões de habitantes, sem costa marítima e localizada na região dos Grandes Lagos da África centro-oriental, aposta em se tornar uma espécie de Cingapura africana. Seu presidente, Paul Kagame (desde 2000 e já habilitado a concorrer a um terceiro mandato em 2017) lançou o ambicioso plano Visão 2020, com ênfase em tecnologia da informação e de comunicações e o objetivo de transformar Ruanda num pólo de TI.
Kagame é polêmico. Para muitos, é o herói da Frente Patriótica Ruandesa (FPR), da etnia tutsi, que conseguiu encerrar o genocídio de tutsis e moderados hutus (a etnia dominante) por extremistas hutus que, de abril a julho de 1994, matou cerca de 800 mil pessoas.
Para a comunidade internacional, é o líder que fez a renda per capita triplicar para US$ 1.592 entre 2000 e 2013, e manteve um crescimento anual da ordem de 8% de 2004 a 2010. Sua política se baseia na liberalização econômica, na privatização das estatais e na redução da corrupção e dos entraves aos negócios. Este ano, o Fórum Econômico Mundial realizou seu evento anual em Kigali, capital ruandesa, reconhecendo o compromisso do governo com o bom ambiente para os negócios.
Ruanda ainda é muito pobre. Está apenas no 163º lugar (o Brasil é o 75º) entre 188 países no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), mas aparece em 65º entre 178 nações no Índice de Liberdade Econômica (ILE) da Heritage Foundation (o Brasil é o 118º).
Por outro lado, a atuação de Kagame à frente de milícias tutsis nos anos de genocídio levaram a França a pedir seu julgamento pelo Tribunal Penal Internacional para Ruanda, que deixou de funcionar a 31 de dezembro. Além disso, há denúncias de que políticos e militares ruandeses, em conluio com autoridades de Uganda, saqueiam recursos naturais do leste do Congo.
Para o professor Frédéric Monié, essa é uma estranha contradição:
– Dinheiro muito sujo para financiar desenvolvimento muito limpo, baseado em alta tecnologia.
O Quênia, país da África Oriental com 45 milhões de habitantes e costa no Oceano Índico (145º no IDH, 122º no ILE), é outro que surpreende. É o recordista mundial em transações financeiras pelo celular. Em outubro de 2015, elas chegaram a US$ 23 bilhões, quase 20% acima do mesmo período do ano anterior.
O país é pobre e muitos não têm condição de abrir conta em bancos. A iniciativa privada adaptou a tecnologia bancária para os celulares comuns, que todos podem ter, permitindo que os usem para pagar contas, fazer compras, realizar depósitos e receber dinheiro. Segundo o professor Frédéric Monié, está bem disseminado no país o uso de aplicativos que facilitam o pastoreio do gado (ajudando a localizar água, por exemplo), a lavoura (com dados sobre o tempo) e o reforço escolar. A capital, Nairóbi (3,4 milhões de habitantes) é um centro comercial regional. A economia do Quênia é a maior da África Oriental e Central. O país exporta chá e café e, mais recentemente, flores frescas para a Europa.
Mas uma das maiores histórias de sucesso na África não tem a ver com alta tecnologia, e sim com estabilidade democrática e recursos naturais. Trata-se de Botsuana, uma nação sem saída para o mar encravada entre África do Sul, Namíbia e Zimbábue, no sul do continente. É um dos países menos povoados do mundo, com pouco mais de 2 milhões de pessoas para uma área do tamanho de Minas Gerais. É o primeiro da África Subsaariana no IDH (106º entre 188) e ocupa lugar de destaque no Índice de Liberdade Econômica (36º entre 178).
O jornal online “The World Post”, parceria entre o “Huffington Post” e o Berggruen Institute, resume sua trajetória recente:
“Desde sua independência, em 1966, Botsuana passou de um dos mais pobres países do continente a um dos mais ricos. De 1966 a 2014, sua economia teve o terceiro maior crescimento mundial – em termos de renda per capita -, atrás apenas de China e Coréia do Sul. A taxa de alfabetização alcançou 85% e a de escolaridade, perto de 90%. É um dos poucos países africanos com uma democracia estável, na qual líderes eleitos cumprem seu mandato e deixam o poder, em vez de recorrer a golpes ou alterações constitucionais para se perpetuar”.
Não há dúvida de que Botsuana teve sorte. Um ano após a independência, algumas das mais ricas minas de diamantes do mundo foram encontradas no país. “Mas, muitos países na África foram abençoados com riquezas comparáveis – Angola, Congo, Serra Leoa”, diz “The World Post”, e seguiram caminhos inteiramente diferentes, e desastrosos.
As autoridades de Botsuana conseguiram negociar com as multinacionais de mineração que atuam no país que uma parcela considerável dos ganhos com a exportação de diamantes seja recolhida aos cofres públicos e permita investimentos em infraestrutura e serviços à população.
Muito bom saber! Gostei da matéria. Ajudou-me a formar um olhar mais otimista para este continente, este mundo onde encontramos tantas semelhanças com a nossa história de colonizados e a um povo a quem tanto devemos.