Revolução verde no Cerrado

Fazenda em Goiás vira exemplo nacional ao integrar lavoura, pecuária e floresta. A tecnologia de sistemas integrados já está implantada em 11,5 milhões de hectares no país

Por Liana Melo | Conteúdo de marca • Publicada em 5 de janeiro de 2018 - 08:00 • Atualizada em 18 de março de 2020 - 17:40

Gado convive de forma harmoniosa com a floresta de eucalipto. Foto de Simone Marinho

Uma vez por ano, a pequena e pacata Ipameri, no sudoeste de Goiás, vira rota obrigatória de empresários, presidentes de bancos e especialistas em sustentabilidade e meio ambiente. Já recebeu até ministros de estado. O roteiro tem endereço certo: a Fazenda Santa Brígida. À medida que o visitante se aproxima da entrada da propriedade, um paredão verde erguido com eucaliptos e as placas sobre redução do aquecimento global não deixam dúvida e justificam a fama:  esse é um negócio diferente, um exemplo de empreendimento que deve ser seguido.

A fazenda virou cartão-postal da agricultura sustentável no Brasil, após a Embrapa transformá-la em uma das primeiras propriedades de referência tecnológica do sistema de integração no país. Santa Brígida desmente a máxima de que o agronegócio precisa ser, necessariamente, sinônimo de desmatamento.

Ao adotar o sistema Lavoura-Pecuaria-Floresta, Fazenda Santa Brigida promoveu uma revolucao no campo. Foto de Simone Marinho
Se comparada com a pecuária tradicional, tecnologia iLPF usa seis vezes menos terra para explorar gado. Foto de Simone Marinho

Ao incorporar à rotina de trabalho a sigla iLPF (integração Lavoura-Pecuária-Floresta), Santa Brígida passou a produzir praticamente todos os meses do ano, intercalando soja, milho e girassol, reduziu a emissão de gases de efeito estufa e os efeitos da seca na produção, e ainda promoveu a convivência pacífica entre o gado de corte e a floresta de eucalipto. Tudo junto e misturado.

Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.

Veja o que já enviamos

Poder do negócio

Localizacao da fazenda Santa Brigida. Arte de Fernando Alvarus
Localização da fazenda Santa Brígida, em Goiás. Arte de Fernando Alvarus

Apesar do destaque no cenário nacional, a fazenda Santa Brígida não está sozinha. Ela faz parte de um universo de 11,5 milhões de hectares de terras no país onde a tecnologia do sistema integrado já vem sendo adotada. A expectativa da Embrapa é que outros empresários adotem o modelo de negócio, atingindo 19,3 milhões de hectares até 2020. A projeção, segundo Celso Manzatto, responsável técnico da Plataforma ABC da Embrapa, foi baseada em pesquisa feita pela entidade. O estado do Mato Grosso do Sul é onde se encontra o maior número de propriedades com o sistema integrado: 2 milhões de hectares. O ranking conta ainda com Mato Grosso (1,5 milhão de hectares), Rio Grande do Sul (1,4 milhão de hectares), Minas Gerais (1 milhão de hectares) e Santa Catarina (680 mil hectares).

Ainda com base no levantamento, a Embrapa perguntou aos produtores em qual porcentagem de área de sua propriedade adotaria a iLPF no horizonte de 5 e 10 anos. A expansão de 9,4% verificada no período 2010 a 2015 deverá subir para 16,9% e 19,8%, em 2020 e 2025 respectivamente. O estudo revelou que em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, a percentagem de adoção nas propriedades já é de 36%.

O solo melhorou de qualidade, o pasto começou a exibir sinais de recuperação, o gado engordou.
A fazendeira Marize Porto Costa, dona da Fazenda Santa Brígida, virou referência nacional ao misturar lavoura-floresta-pecuária. Foto de Simone Marinho

Ao adotar o modelo iLPF, também conhecido como agrossilvipastoril, Santa Brígida reescreveu sua história. A data do recomeço foi 2006. Com mais cupim do que capim, a fazenda caiu no colo de Marize Porto Costa após a morte do marido, José Carlos Carneiro da Costa. À época, mãe de três adolescentes e morando com a família em Campinas (SP), ela se viu em uma encruzilhada.

A fazenda era o xodó do engenheiro. Logo, vendê-la seria uma traição à memória do marido. Só que a propriedade estava totalmente degradada. “Dava dó ver o gado magro, sem ter o que comer”, lembra Marize, brincando que, no lugar de animais PO (puro de origem, o que significa que o bicho está dentro dos padrões raciais), o gado da fazenda era “puro osso”.

Fazenda Santa Brígida, em Ipameri, Goiás. Sistema Integração Lavoura Pecuária Floresta - ILPF. Não é dentro da propriedade.
Fazenda Santa Brígida, em Ipameri, Goiás. Sistema Integração Lavoura Pecuária Floresta – ILPF. Não é dentro da propriedade.

Perpetuar o sistema pecuário tradicional consumiria vultosos recursos financeiros e toneladas de calcário, fertilizante, sementes… Marize levaria anos para recuperar o investimento. Inconformada com a falta de alternativa, saiu à cata de informação. Bateu à porta da Embrapa Cerrado. Teve sorte. Foi recebida pelos agrônomos, João Kluthcouski, conhecido como João K, e Homero Aidar, já falecido, ambos entusiastas do sistema de integração. A dupla começou a associar arroz com capim há mais de 30 anos e conhecia a fundo dos benefícios da produção consorciada.

A combinação tóxica de baixa produtividade, menos de 2,5 arrobas por hectare/ano, e baixa rentabilidade, prejuízo de R$ 200,00 por hectare, era o cenário ideal para a implantação da nova  tecnologia.  Além do fato de a propriedade ser de médio porte para os padrões de Goiás: 922 hectares. Sem nenhuma experiência no ramo, Marize seguiu à risca o receituário sugerido pela dupla. Raspou a poupança e adicionou doses generosas de ousadia à empreitada, tomando empréstimo a juros de mercado – prática incomum entre os empresários do setor.

Alex Silva, gerente operacional da fazenda, na plantacao de milho.
Alex Silva, gerente operacional da Fazenda Santa Brígida, em meio a plantação de milho. Foto de Simone Marinho

Após a colheita do milho, a área foi semeada com diversas espécies de capim, especialmente braquiária, compondo a pastagem para alimentar o gado.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

Newsletter do #Colabora

A ansiedade climática e a busca por informação te fizeram chegar até aqui? Receba nossa newsletter e siga por dentro de tudo sobre sustentabilidade e direitos humanos. É de graça.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *