A moda que incomoda

Uma das maiores e mais lucrativas, a indústria da moda é a segunda que mais polui no mundo

Por Marlene Oliveira | ODS 12 • Publicada em 25 de setembro de 2018 - 08:23 • Atualizada em 27 de setembro de 2018 - 15:33

Fila de trabalhadoras da indústria têxtil, em Bangladeshi. Foto Mehedi Hasan/NurPhoto
Fila de trabalhadoras da indústria têxtil, em Bangladeshi. Foto Mehedi Hasan/NurPhoto
Fila de trabalhadoras da indústria têxtil, em Bangladeshi. Foto Mehedi Hasan/NurPhoto

Em plena “capital da moda e do luxo”, o festival Lixo Zero reservou boa parte da agenda para apresentar um lado nada fashion da indústria: a de grande vilã do meio ambiente.Um dos pilares da economia francesa, responsável por 2,7% do PIB nacional, a indústria da moda contribui mais do que a indústria aeronáutica ou automobilística. Segundo o Instituto Francês da Moda, o setor fatura 150 bilhões de euros por ano e gera mais de 1 milhão de postos de trabalho.

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Assim como o “slow food” trouxe uma valorização do ato de comer, em antagonismo ao “fast food”, a aposta é que o “slow fashion” (moda lenta), movimento que surgiu na Inglaterra, em 2008, venha  priorizar a qualidade à quantidade. Deixe de lado o consumo desenfreado e substitua por um consumo mais consciente e responsável, valorizando os produtos, produtores, criadores, a diversidade e as culturas locais

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Os números também são impressionantes quando se fala do impacto da indústria: ela é responsável por 10% das emissões globais de CO2, 25% da produção global de pesticidas e é a terceira indústria que mais consome água no mundo.  A alfinetada tem um alvo certo: a indústria “fast fashion“.

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Modelo de negócio baseado numa economia linear e global

A indústria da moda mudou muito nos últimos 20 anos. De duas coleções por ano – primavera/verão e outono/inverno – a indústria se voltou para um modelo chamado “fast fashion“, ou seja, moda rápida: a cada 2 semanas, em média, uma nova coleção chega às prateleiras. O modelo de negócios é baseado numa economia linear – produzir mais, com qualidade inferior para que elas durem menos,  a preços mais baixos para poder vender mais, gerando mais “descarte” e criando no consumidor a falsa “necessidade” de recomeçar o ciclo.

Uma das características da “fast fashion” é a terceirização da produção. Não é por acaso que a maioria das etiquetas de roupas exibe como origem países do Leste Europeu ou asiáticos, onde as leis trabalhistas são mais brandas ou inexistentes – ao contrário das leis nos países consumidores, permitindo, assim, uma economia no custo trabalhista. Ou seja, paga-se menos às custas da exploração do trabalho de outros.

Para garantir a produção em escala, a moda também passou a ser globalizada, o que permite que os mesmos modelos circulem por todos os continentes, sem nenhum regionalismo, o que barateia muito o produto final, diminui o risco de encalhe, mas aumenta, por exemplo, as emissões de CO2. Além disso, com um ciclo de vida tão curto, muitas peças vão parar em aterros e lixões e, adivinhe: o material mais empregado na produção “fast fashion” é o poliéster, que demora em torno de 200 anos para se decompor! A distância entre quem produz e quem consome cria também um anonimato, não despertando a nossa consciência crítica.

Fast fashion se combate com o Slow fashion

Assim como o “slow food” trouxe uma valorização do ato de comer, em antagonismo ao “fast food”, a aposta é que o “slow fashion” (moda lenta), movimento que surgiu na Inglaterra, em 2008, venha  priorizar a qualidade à quantidade. Deixe de lado o consumo desenfreado e substitua por um consumo mais consciente e responsável, valorizando os produtos, produtores, criadores, a diversidade e as culturas locais.

Infelizmente, muitas vezes compramos por impulso, atraídos por preços que julgamos “irrecusáveis” e nem sequer nos perguntarmos porque o preço é tão em conta. Como foi feito? Onde foi produzido? Em que condições?

Uma dica é assistir ao documentário “The True Cost” (O Custo Verdadeiro). Nele, o diretor Andrew Morgan explora o consumo desenfreado, o desperdício na indústria da moda e denuncia a falta de sustentabilidade em toda a cadeia. As recentes notícias de que marcas famosas estariam inutilizando para o uso roupas não vendidas, é um bom exemplo – na verdade, um péssimo exemplo – do quanto algumas empresas estão se lixando para o meio ambiente e a sociedade.

O barato que sai caro

Você já contou quantas peças de roupa você tem? Quantas você realmente precisa? Quantas vezes usou?

Vivemos numa sociedade que prega que quanto mais nós tivermos, mais felizes seremos. Comprar, comprar e comprar para preencher um vazio. “As pessoas não estão mais felizes”, denuncia Majdouline Sbai, socióloga especialista em meio ambiente e autora do livro “Une Mode éthique est-elle possible? (Uma moda ética é possível?). “A roupa deve refletir quem nós somos, é uma forma de expressão. A moda nos promete confiança, mas, na verdade, é o oposto do que acontece. Os modelos são inatingíveis. Você tem que ter o último modelo para se sentir bem”. Uma consequência imediata é o enorme desperdício de roupas. Ela cita que entre 30 a 40% do que compramos não são sequer usados. Além disso, são peças utilizadas menos de cinco vezes, enquanto as peças tradicionais são utilizadas, em média, 50 vezes.

O consumidor é, mais uma vez, quem detém o poder para transformar a indústria. “Podemos criar leis, mas é o consumidor quem vai apoiar ou punir marcas por suas atitudes sociais e ambientais.  A roupa que vestimos é uma comunicação não verbal, é um ato artístico, é patrimônio da civilização. Queremos que Paris continue a capital da moda, mas da moda circular, mais inteligente, que gera mais empregos e que incentiva a inovação”.

Majdouline comenta ainda o duplo papel que as redes sociais podem ter: “se, por um lado, ela facilita o consumo de impulso, por outro, ela abre canais para que os consumidores questionem os fabricantes e exijam maior transparência sobre a cadeia produtiva”.

O que você pode fazer

Através de gestos simples você pode fazer bem para você mesmo, para o seu bolso e para a natureza. Diminuir o desperdício já é um bom começo e vai impactar o início do ciclo da indústria, que é “produzir mais”. Veja algumas dicas compartilhadas por Emilie Court, criadora do blog “Un peu, Bocaux, à la Folie”:

Recusar – Marcas fast fashion, compras impulsivas ( conceda 24 horas para pensar), desinscreva-se de newsletters e anúncios de sites de compras, evite zonas de risco (shoppings e áreas de comércio).

Reduzir – Analise suas reais necessidades e o que tem dentro do seu armário: As roupas estão em bom estado? Eu uso regularmente? Fazem mal à saúde? Elas são versáteis?

Reutilizar – Aproveite festas e comemorações em família para promover um troca-troca. O mesmo entre amigos. Um casaco ou uma bolsa podem ser facilmente compartilhados.

Escolha os materiais – Invista em roupas de qualidade. Elas podem ser mais caras a curto prazo, mas, provavelmente vão durar mais do que peças baratas.

Costurar – é uma competência que se perdeu nas últimas gerações. Um saber que deve ser valorizado.

Valorize as roupas de segunda mão, especialmente para uso de curta duração  – roupas de grávidas e de crianças. Em 2027, esse mercado deverá ser mais importante do que o fast fashion.

Marlene Oliveira

Jornalista e profissional de comunicação, vive em Paris e conhece bem a ebulição do ambiente corporativo. Acredita que a queda do império romano "é pouco" perto das transformações que a sociedade está vivendo mas, otimista até a raiz dos cabelos, acredita que dias melhores virão. Inxalá!

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