Como será o amanhã?

Sem ruptura tecnológica e comportamental, Acordo de Paris pode ser inócuo

Por Suzana Kahn | ODS 13 • Publicada em 13 de setembro de 2016 - 08:00 • Atualizada em 13 de setembro de 2016 - 15:23

Menino brincando no lixo. Foto de Josue Decavele/ Anadolu Agency/ AFP
Menino brincando no lixo. Foto de Josue Decavele/ Anadolu Agency/ AFP
Menino brincando em lixão na Guatemala

Muitas pessoas tentam responder a esta pergunta com base na ciência ou não. Considerando o que nos informa a ciência climática, é também enorme a dificuldade de se prever as futuras consequências de nossas ações no presente. Usando o princípio da precaução estabelecido na Convenção do Clima das Nações Unidas, independentemente do que será o amanhã, teremos que reduzir significativamente nossas emissões de gases de efeito estufa (GEE) até meados do século, pois já estamos nos limites perigosos do aumento de temperatura observado desde a época da Revolução Industrial.  Ficou estabelecido, desde a COP15 de Copenhague em 2009, que o limite superior de aumento de temperatura seria de 20C em 2100 em relação a 1760. É importante ressaltar que já atingimos o aumento de 10C de temperatura, em relação ao período pré-industrial, e nada indica que vamos conseguir desacelerar o nível de emissões de GEE na velocidade necessária para atingirmos a meta de 20C no final do século.

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Os cenários prospectivos de emissões de carbono, usados para os cálculos tanto das concentrações de gases ao longo do século como para avaliar o potencial de redução de emissões nacionais no médio e longo prazo, tendem a projetar um futuro similar ao que se tem no presente.

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Porém, na ocasião da COP21 em 2015 em Paris, foi aprovado o texto que contempla o esforço para não se ultrapassar o limite, não dos 20C, mas o de 1,50C de aumento de temperatura em 2100. Não resta a menor dúvida que é um limite mais seguro, mas com baixíssima probabilidade de se atingir. No entanto, uma das razões para considerar este valor é de que servirá de base para avaliar as perdas e danos dos países mais vulneráveis que apresentam riscos inclusive de desaparecerem devido à elevação do nível do mar.

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Recentemente foi anunciado um novo relatório do Painel Intergovernamental de Mudança Climática (IPCC), a ser divulgado no segundo semestre de 2018, cujos cenários antecipam as consequências que o mundo enfrentará caso não se consiga atingir, até o final deste século, a meta de 1,50C de aumento máximo da temperatura do planeta em relação à época pré-industrial. Portanto, este relatório fornecerá subsídios para a implementação do Acordo de Paris e o aumento do nível de ambição dos compromissos assumidos pelos países signatários. É previsto que o acordo se torne operacional em 2020, tendo a primeira revisão dos compromissos nacionais 5 anos depois.

Futuro igual ao presente

Apesar da modelagem climática estar continuamente se sofisticando, oferecendo um nível cada vez maior de segurança nas projeções, é importante ressaltar que, muitas vezes, se negligencia um maior entendimento dos caminhos que nos levam a um determinado padrão de emissão de GEE, comprometendo os resultados que os modelos entregam. Os cenários prospectivos de emissões de carbono, usados para os cálculos tanto das concentrações de gases ao longo do século como para avaliar o potencial de redução de emissões nacionais no médio e longo prazo, tendem a projetar um futuro similar ao que se tem no presente.

Alguns ajustes de melhorias de eficiências são considerados, assim como introdução e/ou aumento de participação de algumas tecnologias já conhecidas no mercado. Não são levadas em conta as rupturas tecnológicas e diferentes padrões de consumo, o que poderá alterar profundamente a projeção das emissões de carbono. A avaliação de tecnologias e práticas de baixo carbono que possam promover esta ruptura e suas consequências é uma lacuna no conhecimento do tema. Já se avaliou no âmbito do IPCC, a elaboração de um relatório sobre geoengenharia, mas não foi a frente exatamente por falta de um número razoável de estudos e cientistas com tal especialidade que justificasse um relatório de avaliação do conhecimento.

Isto evidencia a importância de se mapear as possíveis áreas onde rupturas tecnológicas ou de comportamento poderão ocorrer alterando os cenários de GEE. Alguns setores certamente têm condições de apresentar mudanças radicais, tais como a indústria (química e cimento), transporte e geração, transmissão, armazenagem e uso de energia elétrica (fósseis, renováveis e nuclear), e ainda o segmento de biocombustíveis. Assim, somamos às incertezas climáticas as incertezas de nossas emissões. Com isso, o amanhã poderá ser muito diferente do que foi modelado.

Suzana Kahn

Engenheira mecânica com doutorado em engenharia de produção. Professora da COPPE/UFRJ, presidente do Comitê Científico do Painel Brasileiro de Mudança Climática e coordenadora do Fundo Verde da UFRJ.

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