ODS 1
Dois anos da Lei do Genocídio Indígena: as ameaças e a nossa resistência


Para a Apib, o que está em jogo não são ajustes procedimentais na legislação, mas a efetividade de direitos fundamentais indígenas que não podem ser relativizados em favor de interesses patrimoniais dos não indígenas


Há dois anos, em dezembro de 2023, o Congresso Nacional derrubou os vetos do presidente Lula ao projeto de lei que instituiu a tese do Marco Temporal em Terras Indígenas, resultando na promulgação da Lei nº 14.701/2023. Para nós, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), essa lei representa um grave retrocesso aos direitos garantidos pela Constituição Federal de 1988, ao consolidar entraves à demarcação de nossas terras e intensificar a violência em nossos territórios ancestrais.
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Nós a nomeamos como a Lei do Genocídio Indígena. Sua aprovação ocorreu em confronto direto com o Supremo Tribunal Federal (STF), que, em setembro de 2023, declarou o Marco Temporal inconstitucional. Essa tese cruel condiciona o direito à demarcação à ocupação ou disputa dos territórios em 5 de outubro de 1988, ignorando mais de 500 anos de violência, expulsões forçadas e violações, inclusive durante a ditadura militar.
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Veja o que já enviamosDesde sua vigência, a lei tem provocado entraves graves no processo de demarcação de Terras Indígenas. Em 2024, o Ministério da Justiça e Segurança Pública reconheceu publicamente que a nova legislação impediu a declaração de territórios, etapa essencial do processo demarcatório. Ao mesmo tempo, a violência aumentou. Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em 2024 foram registrados 211 parentes assassinados, além de 154 conflitos territoriais em 19 estados, 922 mortes de crianças de zero a quatro anos e 208 suicídios.
O ataque às demarcações é também um ataque direto ao enfrentamento das mudanças climáticas. Pesquisas científicas comprovam que a proteção de nossas terras é fundamental para a preservação ambiental. Enquanto áreas privadas perderam cerca de 20% da floresta nativa nas últimas décadas, nossos territórios perderam apenas 1%. Nós protegemos mais de 12 bilhões de toneladas de carbono na Amazônia e evitamos que milhões de toneladas sejam lançadas anualmente na atmosfera.
Neste mês, a Lei nº 14.701 voltou ao centro do debate no STF e a PEC 48 no Congresso. No Supremo, já há maioria para reafirmar a decisão de setembro de 2023, que reconheceu os direitos territoriais indígenas como originários e cláusulas pétreas, insuscetíveis de supressão até mesmo por emendas constitucionais. Nesse sentido, o relator Gilmar Mendes reiterou a inconstitucionalidade do marco temporal e reconheceu a omissão inconstitucional do Estado na conclusão das demarcações.
A decisão, porém, não garante as condições necessárias para que a Funai cumpra o novo prazo de dez anos, como recursos orçamentários, pessoal e fortalecimento institucional. Além disso, ao prever que, após esse período, as demarcações sejam substituídas por desapropriações de interesse social, cria-se uma divisão entre povos indígenas: alguns com direitos originários assegurados, outros não. A noção de compensação por terras “equivalentes” desconsidera também que nossos territórios são insubstituíveis – são espaços de memória, cultura, espiritualidade e vida. O que está em jogo, portanto, não são ajustes procedimentais, mas a efetividade de direitos fundamentais indígenas que não podem ser relativizados em favor de interesses patrimoniais dos não indígenas.
Já no Congresso, novamente as casas se mostram inimigas do povo do brasileiro. O Senado aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 48, conhecida por nós como “PEC da Morte”, que busca incorporar a tese do marco temporal à Constituição, conferindo-lhe status “constitucional”. A proposta agora segue para a Câmara dos Deputados.
Por isso, seguimos mobilizados para que as nossas vozes sejam ouvidas e reforçar que os direitos indígenas são cláusulas pétreas. Confiamos que o Supremo irá declarar a inconstitucionalidade da Lei do Genocídio Indígena e garantir a demarcação e proteção imediata de todas as Terras Indígenas no Brasil. Isso é urgente e não pode mais ser adiado!
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Kleber Karipuna
Kleber Karipuna, atualmente coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), é formado em Gestão Ambiental, e mestrando em Direitos Humanos e Cidadania na Universidade de Brasília e em Ciências Políticas no IDP








































