Se mexer, se expressar e, de quebra, aprender. Enquanto estudantes dão as caras e soltam o verbo por melhorias no ensino público brasileiro, uma plataforma colaborativa dá uma mãozinha para essa garotada. Criado em agosto do ano passado, o site “Quero na Escola” faz uma ponte entre voluntários e alunos. Os jovens cadastram pedidos de oficinas e palestras, que ficam em aberto para quem quiser contribuir. A iniciativa tem dado certo: mais de 500 alunos já participaram de cerca de 15 encontros sobre assuntos que vão além do currículo tradicional. Direitos humanos, empreendedorismo, meditação, fotografia, contação de história e mágica são alguns dos temas abordados. No início de maio, foi a vez do Colégio Estadual Missionário Mário Way, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, encher o auditório para ouvir o coletivo “Não me Kahlo” falar sobre Feminismo e Representatividade LGBT.
Em alguns momentos, a discussão esquentou. Com a ajuda da diretora do colégio, foi possível conduzir um debate produtivo. “Depois, um professor da escola contou que os alunos que se levantaram contra as manifestações preconceituosas que surgiram ali, dificilmente fazem o mesmo em sala de aula. Saber que criamos um ambiente seguro, que permitisse que esses alunos, que tantas vezes lidam com comportamentos machistas e homofóbicos calados, reclamassem sua voz, foi extremamente gratificante”, avalia Bruna de Lara, estudante de jornalismo, e membro do “Não me Kahlo”.
O pedido partiu de Moisés Gomes, que, aos 18 anos, é engajado no tema e viu no site uma oportunidade de se aprofundar e mudar algumas ideias preconceituosas dos colegas. Ao final, ele mesmo acabou abandonando alguns estereótipos e prejulgamentos.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamos“Por mais que as pessoas tenham a mente aberta, pensei que haveria alguma resistência. Me surpreendi. Foi incrível. Vi que eu tinha preconceito em relação à forma como alguns alunos encarariam esse debate. Vi ali que é possível, sim, lidar com as diferenças, ver o que está certo e errado, e discutir. Foi bom até mesmo para a escola se dar conta de que não é um lugar só de alunos, mas de cidadãos”, conta o estudante, simpático e empolgado, em um bate-papo que deixaria a repórter aqui falando com ele por horas. Seu próximo pedido? “Quero um novo encontro para debater o racismo”.
[g1_quote author_name=”Wagner Santos” author_description=”coordenador do Cenpec” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Cada vez mais é preciso reconhecer que o desenvolvimento dos jovens passa pela diversidade e complexidade de suas demandas – e também por seus potenciais. A garantia do direito à educação passa necessariamente pelo fortalecimento e empoderamento da sociedade civil na cobrança por políticas públicas efetivas. Quanto mais pessoas participarem do debate educacional, mais qualificada será a discussão
[/g1_quote]O “Quero na Escola” surgiu da vontade da jornalista Cinthia Rodrigues de aproximar escolas e sociedade, e, hoje, é formado por uma pequena equipe, além de voluntários e seguidores das redes sociais – que completam a rede de colaboração. Com experiência na cobertura de educação por dez anos e inconformada em ver alguns indicadores se repetirem, Cinthia participou de um laboratório de inovação (Social Good Brasil Lab) em busca de soluções. Depois de longas entrevistas com educadores e alunos, chegou à construção do site, que já causa a admiração da coordenadora pedagógica Verônica Nascimento, da escola estadual Anecondes Alves Ferreira, em Diadema:
“Após um debate em sala sobre a maioridade penal, um aluno percebeu que a fala de alguns colegas estava em desacordo com os direitos humanos e solicitou uma palestra no site. A iniciativa foi bem aceita desde o início. Desta forma, mesmo sem recursos, podemos trazer gigantes para a escola. A escola pública é rica na diversidade, porém pobre no sentido de recursos tecnológicos e estruturais. Temos que usar bastante a criatividade para atender parte das necessidades dos alunos”.
Arte e esporte são temas bastante solicitados no site, mas Cinthia destaca que vê-lo servir também para assuntos sociais é uma feliz surpresa. Apesar das dificuldades comuns em projetos colaborativos, como parcerias e financiamentos, a jornalista celebra o retorno da iniciativa, que já levou os encontros para os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Mato Grosso. “Me emociono quando vejo uma das meninas protagonistas de pedido contra machismo falar algo com propriedade nas redes sociais. Ou quando um colégio se mobiliza depois do pedido de um colega com necessidades especiais. Ou ainda quando vejo os voluntários falarem da escola com carinho e atenção”.
Existe um cuidado para que a atividade não interfira na grade curricular, nem no trabalho dos professores. “O objetivo é somar e jamais substituir. Ao levar voluntários, ajudamos fazendo com que as pessoas conheçam a realidade da escola e passem a falar dela com alguma propriedade, e também fazendo com que o aluno, depois de se sentir atendido, se interesse por seus estudos e tenha uma relação melhor, inclusive com os professores”, explica Cinthia.
Para Wagner Santos, coordenador do Núcleo de Juventude do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), essa é uma importante forma de escuta dos interesses dos alunos, da apropriação da escola como um espaço público e da articulação com outros atores da sociedade civil e da comunidade escolar: “Cada vez mais é preciso reconhecer que o desenvolvimento dos jovens passa pela diversidade e complexidade de suas demandas – e também por seus potenciais. A garantia do direito à educação passa necessariamente pelo fortalecimento e empoderamento da sociedade civil na cobrança por políticas públicas efetivas. Quanto mais pessoas participarem do debate educacional, mais qualificada será a discussão”.