As jovens abandonam Hillary

Geração do milênio prefere Bernie Sanders e irrita feministas históricas

Por Helena Celestino | Artigo • Publicada em 12 de fevereiro de 2016 - 08:00 • Atualizada em 14 de fevereiro de 2016 - 11:27

Hillary Clinton faz uma selfie com eleitoras durante campanha em New Hampshire
Hillary Clinton faz uma selfie com eleitoras durante campanha em New Hampshire
Hillary Clinton faz uma selfie com eleitoras durante campanha em New Hampshire

As mulheres da geração do milênio estão furiosas: “Quem disse que o voto para presidente tem a ver com útero?”, perguntam. “ Isto é a doença infantil do feminismo” reclamam, adaptando um clássico do comunismo aos tempos de hoje. Enquanto caíamos no carnaval, duas gerações de mulheres entravam em conflito diante de uma perguntinha básica: tinham elas obrigação de apoiar Hillary Clinton, a primeira entre nós com reais possibilidades de ser presidente dos Estados Unidos? As feministas históricas acham que sim, as jovens dizem não.

[g1_quote author_description=”Jovem eleitora de 23 anos” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Vergonha acharem que votaríamos só por uma questão de gênero.

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“Tem um lugar no inferno para as mulheres que não ajudam as mulheres”, provocou Madeleine Allbright, a primeira Secretária de Estado dos Estados Unidos, poderosíssima na época de Bill Clinton presidente. Gloria Steinem, um ícone do feminismo, ainda tão bonita aos 81 quanto a atriz Susan Sarandon aos 69, foi ainda mais desastrada: as meninas apoiam Bernie Sanders para presidente porque só vão fazer política quando estiverem mais velhas, agora querem encontrar os rapazes e eles estão fazendo campanha para o senador, o candidato-revelação desta eleição.

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É uma livre tradução das palavras de Gloria Steinem, mas o tom delas foi tão ofensivo como soa em português. E provocou, claro, a fúria das mulheres nas redes sociais, obrigando as duas a pedirem desculpas. Hillary, que rira e aplaudira quando Albright prometeu a danação eterna às “trairas”, também teve de se distanciar da opinião das companheiras de viagem. “Vergonha acharem que votaríamos só por uma questão de gênero”, disse uma jovem de 23 anos, descrevendo-se como feminista.

[g1_quote author_name=”Madeleine Allbright” author_description=”ex- Secretária de Estado dos Estados Unidos” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Tem um lugar no inferno para as mulheres que não ajudam as mulheres.

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As mulheres progressistas racharam. As pioneiras da década de 60 contavam com o entusiasmo das jovens para impulsionar a campanha de Hillary pela nomeação do Partido Democrata à Presidência e ficaram mexidas com o apoio da nova geração ao senhorzinho de 76 anos, atrevido e energético senador socialista de Vermont, que vem conquistando de corações e mentes de multidões nos Estados Unidos.

Os resultados da primária de New Hampshire, terça-feira, expõe uma dolorosa rejeição à Hillary e explicam o nervosismo das veteranas: foram as mulheres, especialmente as mais jovens, que deram a Bernie uma vitória por 21 pontos, ao contrário de 2008 quando foram elas que ajudaram a derrotar o então jovem Barack Obama nesse mesmo estado. Esta semana, a maioria das mulheres (55%) e dos jovens preferiu Sanders, Hillary só recebeu 16% dos votos de jovens de menos de 29 anos e 32% dos adultos entre 30 e 44. Entre as mulheres com menos de 30, 82% votaram Bernie, talvez com a ajuda desastrada de Madeleine Albright e Gloria Steinem.

Hillary tem um problema: credibilidade. Ex-primeira-dama, ex-senadora, ex-adversária de Obama na disputa pela nomeação democrata em 2008 e ex-secretária de Estado até 2013, ela mudou de estilo e reformatou ideias tantas vezes que acabou tornando-se uma incógnita para a maioria dos americanos. Tá bom que ninguém é a mesma ao longo de 25 anos, mas ela foi uma metamorfose ambulante durante esse longo período sob os holofotes do mundo.  “É a pessoa mais opaca que encontrei na vida”, disse seu ex-colega de Senado Charles Schumer.

Quem é a Hillary 2016? No seu perfil do twitter, ela é “mulher, mãe, avó, advogada, defensora de mulheres e crianças, autora, aficionada por terninhos, dona de um cachorro, determinada”. Nesta campanha para ocupar o cargo mais poderoso do planeta, ela promete ajudar a estilhaçar o teto de vidro que limita o acesso das mulheres aos postos top da carreira, seja no comando de empresas, na escola da esquina ou no mundo das artes. A trilha sonora nos seus comícios frequentemente fala do “empoderamento” das mulheres e ela frequentemente discute o seu papel de avó.

É uma volta ao tempo em que iniciou sua carreira solo, ainda primeira-dama, magrinha e jovem, com cabelos longos, louros e cacheados nas pontas. Usava um terninho cor de rosa, saia justa e saltos altos, quando subiu ao palco da conferência internacional das mulheres em Pequim – a maior da ONU –  e levou os chineses à loucura ao ousar tocar num tema proibidíssimo pelo regime nos idos de 1985. “Por muito tempo a história das mulheres foi uma história de silêncio, é tempo de romper este silêncio”, anunciou, enumerando uma longa lista de abusos aos direitos da mulher.  Só para lembrar, enquanto vigorou a política do filho único, muitas famílias chinesas matavam os bebês do sexo feminino. As palavras de Hillary criaram um inusitado incidente diplomático porque, pela primeira e talvez única vez na história, uma primeira-dama teve um discurso censurado.

A agenda de gênero não entrou na campanha da candidata à presidente em 2008, em que o lado “macho” da senadora combinava mais com sua ambição de não destoar do figurino do establishment de Washington. Foi um erro, claro, todos vimos aquele desconhecido político de Illinois emocionar e empolgar os EUA com sua convicção de que nós podíamos e queríamos mudar tanto o país quanto a política de Washington.

De novo, a bilionária campanha de Hillary não está dando certo. Os eleitores ainda não mostram entusiasmo com a possibilidade de ela virar a primeira Madam President. Foi dada à filha Chelsea a tarefa de conectá-la com a geração do milênio, aquela que no passado preferiu Obama e agora está entusiasmada com Bernie Sanders. O senador nem é tão bom orador quanto Obama, mas tem uma mensagem poderosa. “Para mim, riqueza e desigualdade são a questão moral dos nossos tempos, é a grande questão política e econômica atual”, diz.

Até aí, nada: o FMI e o Banco Mundial já disseram isso, mas ele emenda na denúncia do poder dos bilionários doadores de campanha sobre a agenda política dos EUA. “Já deu, esta grande nação e seu governo pertencem a todos e não a um punhado de bilionários, seus super PACs (Comitês de Ação Política) e lobistas”, diz Bernie.

É um dardo que atinge o coração da campanha de Hillary, irrigada pelo dinheiro de Wall Street e de Silicon Valley, das velhas e novas fortunas. Este é o ano em que o eleitor mais desconfia dos políticos tradicionais e abre seu coração para os outsiders. “Sinta Bernie” é o mantra dos jovens e é tema do melhor jazz tocado nos clubes nova iorquinos, ou seja, Bernie virou cool.

“Hillary não nos faz sonhar”, diz uma estudante, aluna da ex-diretora do New York Times, Jill Abranson, agora professora de Harvard.

O mesmo sentimento tem Dana Edell, diretora executiva do Spark Movimento, um grupo de advogados pela justiça de gênero.

“Ter uma mulher presidente seria importante e passaria uma imagem poderosa para inspirar mulheres e homens jovens, mas talvez ela não seja a mulher certa para este papel”.

A campanha ainda está no começo. Todas as pesquisas indicam Hillary como a mais provável vitoriosa nessa eleição: ela é preparada e detalha cada uma de suas propostas mas falta comprometimento com as angústias dos cidadãos comuns, ainda vivendo os efeitos da crise econômica de 2008 e confrontado com o enriquecimento quase “escandaloso” do andar de cima. É disso que Bernie trata. Mas bacana em toda esta história é ver que as jovens não acham nada de extraordinário uma mulher virar presidente dos EUA e isso tem a ver com a luta das veteranas feministas.

Helena Celestino

Jornalismo é um vício assumido, é difícil me imaginar longe da notícia. Acostumei a viver com o dedo na tomada: aprendi isto trabalhando, viajando pelo mundo e sendo por muitos anos editora executiva do Globo.

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