A discriminação contra os autistas não vai calar Greta

Youth Climate activist Greta Thunberg speaks during the UN Climate Action Summit on September 23, 2019 at the United Nations Headquarters in New York City. (Photo by TIMOTHY A. CLARY / AFP)

Sueca líder do movimento que levou milhões às ruas pelo clima é alvo de ataques dos chamados ‘capacitistas’

Por Luciana Calaza | ArtigoODS 13 • Publicada em 1 de outubro de 2019 - 10:36 • Atualizada em 2 de outubro de 2019 - 18:54

Youth Climate activist Greta Thunberg speaks during the UN Climate Action Summit on September 23, 2019 at the United Nations Headquarters in New York City. (Photo by TIMOTHY A. CLARY / AFP)
A ativista sueca Greta Thunberg discursa durante a Cúpula do Clima na ONU no dia 23 de setembro (Foto: Timothy A. Clary / AFP)
A ativista sueca Greta Thunberg discursa durante a Cúpula do Clima na ONU no dia 23 de setembro (Foto: Timothy A. Clary / AFP)

“Mas, mãe, a Greta parece bem diferente do Felipe”, disse Rafael, de 8 anos, quando apresentei para ele e para o irmão Felipe, de 13, a ativista sueca de 16 anos que luta por ações para mitigar a crise climática. Rafa disse isso porque expliquei que, assim como Felipe, Greta Thunberg tem autismo. Então, além de achar fundamental eles conhecerem a potência de seu movimento, eu queria mostrar que o autismo tem muitas caras.

No caso de Felipe, a condição é de autismo severo, com graves prejuízos na linguagem e na aprendizagem e comportamentos restritos e repetitivos. Greta, por outro lado, tem o diagnóstico de Síndrome de Asperger (no atual DSM-5, classificada como Transtorno do Espectro Autista de nível leve). Mas ela fala sobre ser “um pouco diferente da norma”, o que, diz ela, pode ser um “superpoder”. O autismo ajuda a explicar seu  “hiperfoco” – uma superconcentração em determinado assunto – na questão das mudanças climáticas.

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Greta emerge como um modelo para os que estão no espectro ao mostrar que ninguém precisa necessariamente se encaixar nos padrões para ter voz

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Embora o transtorno não pareça um superpoder e sim um obstáculo para muitos autistas e suas famílias, Greta emerge como um modelo para os que estão no espectro ao mostrar que ninguém precisa necessariamente se encaixar nos padrões para ter voz. Sua trajetória, das greves solitárias às sextas-feiras para a eclosão do movimento mundial Fridays For Future e seu discurso na Cúpula do Clima nas Nações Unidas, impressiona.

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Mas é claro que, da mesma forma que ela se tornou celebridade entre jovens e ambientalistas, virou alvo de críticas e xingamentos por parte de políticos de direita, céticos do clima e comunicadores. Ninguém é obrigado a gostar da menina só porque tem autismo, o problema é que é aí que o capacitismo aparece. Irmão do machismo, do racismo e da homofobia, o capacitismo é a discriminação contra pessoas com deficiência, seja com insultos ou de forma passiva, com tratamento de inferioridade ou pena. A gente, por aqui, sabe bem o que é isso.

Em textos e vídeos, os haters usam as diferenças de Greta, como seu jeito de falar contundente, para compará-la a um “membro do culto”, na tentativa de deslegitimar sua mensagem. Implicam com as caras que ela faz, ignorando a dificuldade de modular sua expressão facial, característica de muitas pessoas com autismo.

Dizem que ela é manipulada pelos pais e pela “extrema-esquerda anticapitalista” e que deveria ser protegida, como se por ter autismo não fosse capaz de pensar por conta própria. Ou, pior, chamam-na de “doente mental”. Usam todas as possibilidades para inverter o foco, porque estão desesperados para não falar sobre a crise climática e a responsabilidade de governos e sociedade.

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Greta nos lembra não apenas da necessidade urgente de enfrentar as mudanças climáticas, mas também de enfrentar atitudes segregacionistas e intolerantes, que ainda desprezam pessoas pela não conformidade aos “padrões”. Greta encontrou sua voz. Capacitistas não a calarão

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“Por mais de 30 anos a ciência foi clara. Como ousam seguir ignorando os alertas e vir aqui para dizer que estão fazendo o bastante?”, disse Greta, na Cúpula do Clima da ONU, enfiando o dedo na ferida da Humanidade.

Felipe não tem fluência verbal. Mas, sem as meias verdades que imperam no mundo das regras sociais, quando a presença de alguém o incomoda, ele costuma pegar a pessoa pela mão e conduzi-la até a porta. Simples assim. Greta também não conhece meias verdades.

Como tudo começou: Greta com a placa “Greve escolar pelo clima” durante um protesto em novembro no ano passado (Foto Hanna Franzen / TT News Agency / AFP)

Enquanto a pessoa com autismo parece frágil e indefesa, todos defendem a inclusão e o respeito à diversidade. Mas quando fala verdades inconvenientes, vira alvo de campanha difamatória. Felipe colocaria esses hipócritas porta afora.

Para os meus meninos, aproveito para explicar que Greta nos lembra não apenas da necessidade urgente de enfrentar as mudanças climáticas, mas também de enfrentar atitudes segregacionistas e intolerantes, que ainda desprezam pessoas pela não conformidade aos “padrões”. Greta encontrou sua voz. Capacitistas não a calarão. 

Luciana Calaza

Carioca, jornalista com mais de 15 anos de experiência na redação de O Globo, mãe de Felipe e Rafael. Em 2014 começou a pensar de que modo a comunicação pode ajudar a criar um mundo sem barreiras e decidiu colocar sua carreira a serviço da garantia dos direitos humanos, especialmente de crianças e adolescentes com deficiência.

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Um comentário em “A discriminação contra os autistas não vai calar Greta

  1. Samuel Moreira Afonso disse:

    Realmente… Greta Thunberg é uma grande ativista pelo clima, inspirando milhões de jovens a irem pras ruas protestar a favor do clima… Mesmo que milhões de pessoas (muitas delas estudantes) apoiem ela, ainda existem os “haters”, que querem minimizar, segregar e difamar a Greta.
    Nosso planeta está chamando pela nossa ação climática, como por exemplo, reduzir as emissões de CO2. Os autistas tem direitos sim, tais como negros, LGBT, ciganos…

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