São Gonçalo e Niterói sem água

O nivel do Rio Guapi-Macacú, no local onde é feita a captação da água, muito abaixo dos volumes normais. Foto Custódio Coimbra

Se nada for feito, 2 milhões de pessoas podem ficar sem abastecimento em 2035. Justiça aprova liminar que exige reflorestamento

Por Emanuel Alencar | ODS 6 • Publicada em 14 de novembro de 2017 - 08:11 • Atualizada em 15 de novembro de 2017 - 15:36

O nivel do Rio Guapi-Macacú, no local onde é feita a captação da água, muito abaixo dos volumes normais. Foto Custódio Coimbra
O nivel do Rio Guapi-Macacú, no local onde é feita a captação da água, muito abaixo dos volumes normais. Foto Custódio Coimbra
O nivel do Rio Guapi-Macacú, no local onde é feita a captação da água, muito abaixo dos volumes normais. Foto Custódio Coimbra

O maior loteamento plano da América Latina, o bairro de Jardim Catarina, em São Gonçalo, Região Metropolitana no Rio, tem vivido dias tensos: são constantes os confrontos entre policiais e grupos de traficantes. Esse é, porém, apenas o drama mais evidente de um local que padece com graves problemas de infraestrutura. Um deles é a constante falta d’água. A situação do Jardim Catarina chama a atenção, pois no bairro há uma estação de tratamento de água, operada pela Cedae, a companhia de saneamento do Rio. Mas a escassez é democrática: se espalha por toda São Gonçalo, além de bairros de Niterói, Itaboraí e a Ilha de Paquetá. A crise hídrica da região Leste Fluminense, que já é evidente, tende a se agravar nos próximos anos:  se nada for feito, 2 milhões de pessoas podem ficar sem água em 2035.

O colapso é iminente, mas infelizmente as discussões sobre soluções estão paradas. O racionamento já existe diariamente: várias regiões ficam sem água. Moro em Icaraí, e volta e meia temos que recorrer a caminhões-pipa

Essa é a estimativa de estudo feito pelo especialista em Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos, Paulo Carneiro. Pesquisador do Laboratório de Hidrologia da Coppe, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele destaca que a situação da região já é dramática, pois a vazão do sistema de abastecimento Imunana-Laranjal – atualmente em cerca de 6 metros cúbicos por segundo – já não atende à demanda, de cerca de 8 m3/segundo. O resultado são torneiras secas em diversas localidades.

“O colapso é iminente, mas infelizmente as discussões sobre soluções estão paradas. O racionamento já existe diariamente: várias regiões ficam sem água. Moro em Icaraí, e volta e meia temos que recorrer a caminhões-pipa”, diz Paulo Carneiro.

A região é abastecida por dois rios principais: o Guapiaçu e o Macacu. Ambos nascem na Região Serrana do Rio e se juntam nas imediações da Área de Proteção Ambiental (APA) de Guapimirim, onde a água é captada pela Cedae e distribuída para a região. Acontece que, ao contrário do sistema Guandu, que conta com quatro grandes reservatórios ao longo do Paraíba do Sul e abastece a capital e a Baixada Fluminense, o sistema Imunana-Laranjal não tem essa garantia de oferta regular ao longo do ano. Em períodos de estiagem intensa, não há alternativa.

A construção do Complexo Petroquímico do Rio (Comperj), em Itaboraí, jogou luz na questão – mesmo se a expectativa de boom populacional não for confirmada, haverá mais demanda nos próximos anos. Embora garanta que nunca tenha ocorrido paralisação do sistema por problemas de estiagem, a Cedae admite haver “redução da produção em momentos cuja vazão disponível no rio não atende à demanda atual”. Acrescenta que “normalmente estas reduções ocorrem por períodos curtos”.

A vazão do sistema Imunana-Laranjal – atualmente em cerca de 6 metros cúbicos por segundo – já não atende à demanda, de cerca de 8 m3/segundo. Foto Ministério Público/RJ
A vazão do sistema Imunana-Laranjal – atualmente em cerca de 6 metros cúbicos por segundo – já não atende à demanda, de cerca de 8 m3/segundo. Foto Ministério Público/RJ

Barragem enfrenta resistências

Para enfrentar o problema histórico, o governo do estado aposta na construção de uma megabarragem em Cachoeiras de Macacu. O represamento do Rio Guapiaçu, dizem especialistas, garantiria uma vazão adicional de 5 m3 por segundo, suficiente para equacionar o abastecimento na região por pelo menos uma década. O projeto, porém, segue a banho-maria depois de gerar enorme polêmica com produtores rurais: das terras do Guapiaçu saem 13 toneladas por ano somente de milho-verde e aipim, segundo dados da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Rio (Emater-RJ). Outro complicador é o custo da obra, de cerca de R$ 400 milhões. Em um governo de cofres combalidos, parece impensável que surja esse dinheiro a curto prazo.

As alternativas à barragem parecem ainda mais inexequíveis: trazer água da represa de Juturnaíba, na Região dos Lagos, por causa da distância; ou bombear um afluente do Rio Grande, que desce a Serra da Friburgo, em função do custo estratosférico. Uma terceira opção, interligar o Imunana-Laranjal ao sistema Guandu, também é vista com desconfiança e ceticismo, já que demandaria uma obra muito grande.

Questionado pelo #Colabora, o secretário estadual do Ambiente licenciado e deputado André Corrêa (DEM) disse considerar que a melhor alternativa é mesmo fazer a barragem:

“Acho loucura (as outras opções). Se não há dinheiro nem para a barragem de Guapiaçu, imagine para essas alternativas, mais caras…”

No momento, o governo acelera estudos para viabilizar o represamento do Rio Guapiaçu. Uma possibilidade é diminuir o tamanho da represa, para afetar menos lavouras e famílias. Há projeto-executivo pronto, mas o desfecho é incerto.

Justiça exige reflorestamento

Enquanto a solução não sai do papel, o Ministério Público estadual tenta garantir ações que ajudariam a melhorar a captação do Imunana-Laranjal.  A desembargadora Marcia Ferreira Alvarenga, da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio (TJRJ), deferiu, no final de outubro, liminar pedida em ação civil pública assinada pelos promotores Marcus Leal, José Alexandre Maximino Mota, Sandro Machado e Daniel Marones, em 12 de setembro. Os promotores do Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente (Gaema) alegam “violação das condicionantes ambientais” da licença de operação do sistema e pedem que o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) exija da Cedae um projeto de reflorestamento (plantio e manutenção) do entorno do Canal de Imunana, além da aferição da qualidade das águas captadas. Essas ações são consideradas pelo próprio Inea como importantes para garantir melhorias no abastecimento.

Lixo acumulado no sistema Imunana-Laranjal. Foto Ministério Público/RJ
Lixo acumulado no sistema Imunana-Laranjal. Foto Ministério Público/RJ

Após quatro anos, a licença de operação do sistema (IN024701) venceu em setembro, e ainda não houve manifestação do órgão ambiental (Inea) quanto à prorrogação do prazo.  O custo de reflorestamento do Canal de Imunana, de 700 hectares, tem sido estimado em R$ 56 milhões pelo Inea. Ainda não houve manifestação da Cedae sobre essa questão. Uma audiência foi marcada para o dia 29 de novembro para discutir o assunto.

Especialista em recursos hídricos, a engenheira Rosa Formiga, ex-diretora do Inea, afirma que o reflorestamento do Canal de Imunana ajudaria na qualidade das águas – mais do que na quantidade, associada a ações de longo prazo. Ela reforça a importância de uma solução definitiva: “A falta d’água já existe na região, e é, de certa forma, até naturalizada. Há duas soluções: reservação (com barragem) ou transposição. Defendo a reservação, mas, claro, com negociação com produtores rurais.”

O sistema Imunana-Laranjal, que abastece cerca de 2 milhões de pessoas, foi concluído em 1933, quando teve seu fluxo aumentado com a construção da estação elevatória na área chamada de Laranjal, localizada no município de São Gonçalo. Na década de 1940, uma nova captação de água foi feita no Canal de Imunana. O Canal de Imunana foi construído pelo antigo Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) para drenar as áreas das terras baixas, frequentemente inundadas pela confluência dos rios Macacu e Guapiaçu.

Após a construção do canal, o curso natural do rio Macacu foi desviado, juntando-se ao Rio Guapimirim, que por sua vez, tornou-se afluente da margem direita do Guapiaçu. Em 1954, a água bruta no canal de Imunana foi capturada para abastecer as cidades de Niterói e São Gonçalo. Naquele ano foi construída a Estação de Tratamento de Água de Laranjal (em São Gonçalo), com uma capacidade de tratamento de 0,5 m³/s – seria ampliada várias vezes.  O acesso ao abastecimento de água em São Gonçalo sempre foi extremamente precário.

Em 1974, apenas 15% dos domicílios de São Gonçalo tinham acesso a água canalizada, enquanto em Niterói a média já era de 93%. Atualmente, segundo dados do governo federal, 84,7% da população gonçalense têm acesso formal à rede de água tratada, e Niterói universalizou o acesso. Outro grave problema são as perdas na distribuição, que chegam a 40%.

Emanuel Alencar

Jornalista formado em 2006 pela Universidade Federal Fluminense (UFF), trabalhou nos jornais O Fluminense, O Dia e O Globo, no qual ficou por oito anos cobrindo temas ligados ao meio ambiente. Editor de Conteúdo do Museu do Amanhã. Tem pós-graduação em Gestão Ambiental e cursa mestra em Engenharia Ambiental pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Apaixonado pela profissão, acredita que sempre haverá gente interessada em ouvir boas histórias.

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