Direitos das mulheres: 30 anos da Conferência de Beijing e das cotas femininas na política

Nos espaços de poder, houve avanços no mundo e no Brasil, mas ainda longe da paridade de gênero; em 2025, a participação feminina na Câmara de Deputados ficou em 18% e na média mundial em 27,1%

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 5
Publicada em 28 de julho de 2025 - 08:59  -  Atualizada em 28 de julho de 2025 - 12:40
Tempo de leitura: 13 min

Reunião da bancada feminina na Câmara: avanços nos direitos das mulheres mas ainda longe da paridade em espaços de poder (Foto: Vinicius Loures / Câmara dos Deputados – 21/05/2025)

O ano de 2025 marca importantes datas históricas na luta pelos direitos das mulheres. Completam-se 50 anos da 1ª Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada na Cidade do México em julho de 1975, além dos 30 anos da 4ª Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em Beijing, em setembro de 1995. Também se celebram os 30 anos da adoção da política de cotas para mulheres na política no Brasil.

O ano de 1975 foi um ponto de inflexão na agenda de igualdade de gênero no âmbito das Nações Unidas. Proclamado como o Ano Internacional da Mulher pela Assembleia Geral da ONU, ele simbolizou o início de um esforço coordenado globalmente em prol dos direitos das mulheres. Como parte dessa iniciativa, a ONU celebrou, pela primeira vez, o Dia Internacional da Mulher em 8 de março de 1975.

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Embora o 8 de março já fosse celebrado em diversos países desde o início do século XX — especialmente por movimentos trabalhistas e socialistas na Europa e na América do Norte —, o ano de 1975 marcou o reconhecimento oficial da data pela ONU, conferindo-lhe alcance e legitimidade internacional.

Este primeiro Dia Internacional da Mulher da ONU teve um significado especial por diversos motivos: a) Trouxe a questão dos direitos das mulheres para o centro das atenções da comunidade internacional, dando-lhe uma legitimidade e visibilidade sem precedentes; b) Serviu como um catalisador para discussões, eventos e iniciativas em todo o mundo, focados na igualdade de gênero e no empoderamento das mulheres; c) A celebração do Dia Internacional da Mulher em 1975 também ajudou a lançar a Década das Nações Unidas para a Mulher (1976-1985), sob o lema “Igualdade, Desenvolvimento e Paz”.

Na Década da Mulher, ocorreram três Conferências Internacionais que foram marcos cruciais na história da luta pela igualdade de gênero e pelos direitos das mulheres em escala global. Cada conferência construiu sobre os resultados da anterior, impulsionando o movimento feminista internacional e moldando as políticas das Nações Unidas e dos Estados membros.

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A 1ª Conferência Mundial sobre a Mulher ocorreu na cidade do México, em 1975, e adotou o Plano de Ação Mundial para o Avanço da Mulher, um conjunto de metas e estratégias para serem implementadas pelos governos para melhorar a situação das mulheres nos âmbitos nacional e internacional.

A 2ª Conferência Mundial sobre a Mulher ocorreu em Copenhague, em 1980, ocorreu no meio da Década da Mulher e teve como objetivo avaliar o progresso alcançado na implementação do Plano de Ação Mundial da Cidade do México e identificar áreas que exigiam maior atenção.

A 3ª Conferência Mundial sobre a Mulher ocorreu em Nairobi, em 1985, realizada ao final da Década da Mulher, a conferência de Nairobi teve como objetivo revisar e avaliar as conquistas e os obstáculos da década, além de definir novas estratégias para o futuro.

As três primeira conferências da ONU para as mulheres foram momentos cruciais que ajudaram a colocar os direitos das mulheres firmemente na agenda internacional. Elas mobilizaram governos, organizações internacionais e a sociedade civil, levaram à criação de importantes mecanismos e marcos legais, e pavimentaram o caminho para avanços significativos na busca pela igualdade de gênero.

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Mas foi, sobretudo, a 4ª Conferência Mundial sobre a Mulher, que ocorreu em Beijing, de 4 a 15 de setembro de 1995, que apresentou os maiores avanços. A Conferência de Beijing foi um evento de importância histórica e de profunda relevância para o avanço dos direitos das mulheres em escala global e sua importância reside em diversos fatores essenciais:

Consolidação e Ampliação da Agenda dos Direitos das Mulheres: A conferência de Pequim representou um ponto culminante das discussões e avanços iniciados nas conferências anteriores da ONU sobre as mulheres. Ela não apenas reafirmou os compromissos anteriores, mas também ampliou a agenda, abordando de forma mais abrangente e aprofundada as diversas dimensões da desigualdade de gênero.

Adoção da Plataforma de Ação de Pequim: O principal resultado da conferência foi a adoção da Plataforma de Ação de Beijing, um documento visionário e abrangente que estabeleceu um conjunto de objetivos estratégicos e ações a serem tomadas por governos, organizações internacionais, sociedade civil e outros atores para alcançar a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres.

A Plataforma de Beijing identificou doze áreas críticas de preocupação: 1) Mulheres e pobreza; 2) Educação e capacitação das mulheres; 3) Mulheres e saúde; 4) Violência contra as mulheres; 5) Mulheres e conflitos armados; 6) Mulheres e economia; 7) Mulheres no poder e na tomada de decisões; 8) Mecanismos institucionais para o avanço da mulher; 9) Direitos humanos das mulheres; 10) Mulheres e mídia; 11) Mulheres e meio ambiente e 12) A menina

Para cada uma dessas áreas, a Plataforma delineou ações específicas a serem implementadas, tornando-se um guia fundamental para políticas e programas em nível nacional e internacional. A Conferência de Pequim reafirmou enfaticamente que os direitos das mulheres são parte inalienável, integral e indivisível dos direitos humanos universais. Esse reconhecimento fortaleceu a base legal e moral para a luta contra a discriminação e a violência de gênero.

A Plataforma de Ação colocou uma forte ênfase no empoderamento das mulheres, entendendo-o como um processo que permite às mulheres controlarem suas próprias vidas e influenciar a sociedade em todos os níveis. Esse conceito se tornou central para as políticas de igualdade de gênero em todo o mundo e fortaleceu a ampla participação da sociedade civil.

A Plataforma de Ação também estabeleceu mecanismos para o monitoramento e a avaliação da implementação das ações acordadas. A cada cinco anos, a ONU realiza revisões para avaliar o progresso alcançado e identificar desafios persistentes, mantendo a pressão sobre os governos para cumprirem seus compromissos.

A 4ª Conferência Mundial sobre a Mulher de 1995 foi um marco por sua abrangência, pela força de seus compromissos e por seu legado duradouro na promoção dos direitos das mulheres e da igualdade de gênero em todo o planeta. A Plataforma de Ação de Pequim permanece um guia essencial para a construção de um mundo mais justo e equitativo para todas as pessoas.

Algumas parlamentares brasileiras que participaram da 4ª Conferência das Mulheres, como a deputada federal Marta Suplicy (PT/SP) e a senadora Júnia Marise (PMDB/MG) voltaram para o Brasil com a bandeira do empoderamento feminino e a ideia da aprovação de uma política de cotas para aumentar a presença das mulheres nos espaços institucionais de poder.

A política de cotas femininas no parlamento brasileiro

A 4ª Conferência Mundial das Mulheres em Beijing terminou no dia 15 de setembro de 1995 e no dia 29 de setembro de 1995 o Congresso Nacional aprovou o primeiro texto para tentar reverter a exclusão das mulheres brasileiras da política parlamentar. A Lei 9.100 de 29 de setembro de 1995,  no § 3º do artigo 11º, estabelecia o seguinte:

“Vinte por cento, no mínimo, das vagas de cada partido ou coligação deverão ser preenchidas por candidaturas de mulheres”.

Uma redação apressada ocasionou duas fraquezas da primeira tentativa de política de cotas brasileira. Primeiro, houve questionamento sobre a constitucionalidade da formulação. Segundo, o número candidaturas subiram de 100% para 150% do número de vagas a preencher pelos partidos, significando que houve possibilidade de aumento das candidaturas masculinas. E o pior, o partido era obrigado a reservar os 20% das vagas, mas não era obrigado a preenchê-las. O resulto apresentado nas eleições municipais de 1996  foi pífio.

Dois anos depois houve a aprovação de uma nova redação em uma nova Lei eleitoral. O § 3º do artigo 10º da Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997, ficou assim redigido:

Do número de vagas resultantes das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação deverá reservar o mínimo de trinta por cento e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo”.

A nova redação da política de cota possibilitou contornar os questionamentos da inconstitucionalidade do mecanismo anterior e deu um caráter mais universalista à política de cotas, dando o mesmo tratamento para os dois sexos. A nova ação afirmativa garantiu o respeito ao princípio “todos são iguais perante a lei” e apenas estabeleceu regras de representação, ou seja, um mínimo de 30% e um máximo de 70% para cada sexo.

Porém, assim como na Lei 9100/95, a nova redação não garantiu o preenchimento das candidaturas femininas. Os partidos reservavam o piso dos 30% para as mulheres e respeitavam o teto de 70% para os homens, mas não preenchiam as vagas femininas. Na prática, a exclusão feminina continuou, pois os partidos políticos continuaram com suas práticas excludentes, mantendo a desigualdade de gênero nas disputas eleitorais.

Para forçar os partidos a respeitarem o espírito da Lei de Cotas visando aumentar o número de mulheres candidatas e aumentar a equidade de gênero nas listas de candidaturas, e após ampla pressão dos setores progressistas da sociedade, houve uma nova mudança na legislação. Na Lei 12.034, de 29/09/2009, a nova redação da política de cotas ficou assim redigida:

“Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo”.

A alteração pode parecer pequena, mas a mudança do verbo “reservar” para “preencher” significou uma mudança no sentido de forçar os partidos a aumentar a presença das mulheres nas nominatas eleitorais. O ideal é que fosse garantido a paridade de gênero (50% para cada sexo) nas listas de candidaturas. Mas a mudança na redação da lei representou uma oportunidade, ainda que limitada. A aplicação da Lei 12.034/2009 garantiu o aumento do número de candidaturas femininas nas eleições seguintes, mas o número de mulheres eleitas para as Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e o Congresso Nacional continuou baixo.

A conquista feminina mais recente ocorreu em 2018, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por maioria de votos, que a distribuição de recursos do Fundo Partidário destinado ao financiamento das campanhas eleitorais direcionadas às candidaturas de mulheres deve ser feita na exata proporção das candidaturas de ambos os sexos, respeitado o patamar mínimo de 30% de candidatas mulheres previsto no artigo 10 , parágrafo 3º, da Lei 9.504/1997.

Ou seja, para as eleições de 2020, os partidos foram obrigados a preencher a cota mínima de 30% para as candidaturas de cada sexo e, também, destinar no mínimo 30% dos recursos financeiros. O resultado é inequívoco, pois houve aumento do percentual de candidaturas femininas na eleições municipais de 2020. Houve também aumento da taxa de sucesso nas eleições de 2022, embora o Brasil ainda esteja distante da paridade na representação parlamentar.

O gráfico abaixo, com dados da Inter-Parliamentary Union (IPU), mostra a percentagem de mulheres na Câmara de Deputados no Brasil e no mundo e a diferença entre as duas esferas. Embora as mulheres brasileiras tenham conquistado o direito de voto em 1932, nota-se que a participação política feminina continuou abaixo de 1% até 1975, quando houve o primeiro Dia Internacional da Mulher, promovido pela ONU. Neste ano, a participação feminina era de 10,9% no mundo e 0,3% no Brasil.

Nos últimos 50 anos houve avanços no mundo e no Brasil, mas ainda longe da paridade de gênero neste espaço de poder. Em 2025, a participação feminina na Câmara de Deputados no Brasil ficou em 18% e na média mundial em 27,1%. No ranking global da IPU, sobre participação na Câmara dos Deputados, o Brasil ocupava o 133º lugar no mês de janeiro de 2025.

Ou seja, a diferença estava aumentando entre 1995 e 2015 e caiu ligeiramente em 2025. Mas a lacuna atual é maior do que aquela de 30 anos atrás. No ritmo de avanço das três últimas décadas, o Brasil poderia alcançar a meta de igualar a participação de homens e mulheres na Câmara Federal em 2055.

Gráfico com Percentagem de mulheres no parlamento no Brasil e no mundo
Percentagem de mulheres no parlamento no Brasil e no mundo

No ranking global, o Brasil fica atrás, por exemplo, da Arábia Saudita (com 19,9% de mulheres na Câmara dos Deputados), de Angola (com 39,1%) e Moçambique (com 39,2%). Os países líderes de participação feminina são Ruanda (63,8%), Cuba (55,7%), Nicarágua (55%) e México (50,2%). Há 27 países com taxas de participação feminina acima de 40%. Portanto, vários países estão próximos da paridade e alguns poucos já atingiram a paridade de gênero nos espaços de poder do parlamento.

Como mostrei no artigo “Mulheres maioria da população e do eleitorado e minoria nos espaços de poder”, publicado aqui no # Colabora (Alves, 13/06/2022), muita coisa  mudou nos últimos 100 anos no Brasil: as mulheres obtiveram o direito de voto em 1932; passaram a ser maioria da população a partir da década de 1940; atingiram a maioria do eleitorado a partir de 1998; reduziram as taxas de mortalidade, elevaram a esperança de vida e já vivem, em média, sete anos acima da média masculina; ultrapassaram os homens em todos os níveis educacionais; aumentaram as taxas de participação no mercado de trabalho, diminuíram os diferenciais salariais e são maioria da População Economicamente Ativa (PEA) com mais de 11 anos de estudo; conquistaram duas das três medalhas de ouro do Brasil nas Olimpíadas de Pequim (2008) e Londres (2012), são maioria dos beneficiários da previdência e dos programas de  assistência social, conquistaram a igualdade legal de direitos na Constituição de 1988 e obtiveram diversas vitórias específicas na legislação nacional, além de chegar à presidência do Supremo Tribunal Federal (Ellen Gracie em 2006) e à presidência da República (Dilma Rousseff nas eleições de 2010 e 2014).

Os avanços obtidos pelas mulheres foram inegáveis, e o chamado “teto de vidro” foi rompido em diversos contextos e momentos. As brasileiras venceram inúmeras batalhas ao longo das últimas décadas, mas ainda não conquistaram a vitória definitiva na luta por igualdade de oportunidades em relação aos homens. A comemoração dos 30 anos da 4ª Conferência Mundial sobre a Mulher e da implantação da política de cotas no Brasil será uma ocasião propícia para reafirmar que a construção de uma sociedade livre de desigualdades de gênero é um objetivo essencial e inadiável do século XXI.

Referências:

ALVES, JED. Mulheres maioria da população e do eleitorado e minoria nos espaços de poder, # Colabora, 13/06/2022 https://projetocolabora.com.br/ods5/mulheres-sao-maioria-da-populacao-e-do-eleitorado-mas-seguem-excluidas-do-poder/

ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século XXI (Colaboração de GALIZA, F), ENS, maio de 2022

https://prdapi.ens.edu.br/media/downloads/Livro_Demografia_e_Economia_digital_2.pdf

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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