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Sonhar não deveria ser privilégio

Pesquisa aponta que 42% dos jovens entre 15 e 29 anos não estudam nem trabalham; maioria abandonou seus sonhos por falta de acesso, estrutura e suporte

ODS 10ODS 3 • Publicada em 14 de março de 2025 - 09:00 • Atualizada em 14 de março de 2025 - 12:25

Em um cenário onde multiplicam-se pelo Brasil desejos de mudanças individuais calçadas em bets, como se elas fossem a antiga Porta da Esperança, não é muito difícil imaginar qual é um dos principais sonhos dos brasileiros: estabilidade financeira. Mas fica uma pergunta quicando por aí: quais seriam os outros pedidos a serem tidos como sonhos, a partir de realidades tão distintas por todo o país?

Na recente pesquisa ‘Os sonhos do Brasil – Parte I, realizada pelo Movimento Bora Sonhar, um panorama valioso onde mergulha-se nas aspirações ‘’da nossa gente’’. E que nos convida a reflexões que não podem ser ignoradas, especialmente quando atravessadas, estão linhas da raça e da classe social.

Leu essa? Felipe Neto e a saúde mental dos jovens: “Quero estar em cada escola do Brasil”

Ao identificar que temas de saúde mental estavam presentes em 1 dentre cada 4 sonhos e que “ter saúde mental” é um sonho expresso, o relatório lança luz sobre uma fragilidade emocional que permeia todas as camadas da sociedade. No entanto, ao debruçarmos sobre as questões raciais e sociais, somos compelidos a questionar a profundidade com que essas dinâmicas se entrelaçam com o próprio poder do sonhar, à luz dos dados apresentados.

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A pesquisa aponta que 42% dos jovens entre 15 e 29 anos não estudam nem trabalham, e que a maioria não abandonou seus sonhos por escolha, mas por falta de acesso, estrutura e suporte. Está dado: a desigualdade fundamental no acesso às condições básicas para sequer conceber e perseguir sonhos. Em um país marcado por disparidades históricas, é crucial perguntar: como a questão racial se manifesta nessa falta de acesso? Jovens negros e pardos são proporcionalmente mais afetados pela falta de oportunidades educacionais e de emprego, o que inevitavelmente impacta sua capacidade de imaginar com um futuro promissor. Se a infraestrutura no passado e no presente de um ser humano é essencial para sonhar, como essa infraestrutura precária para certos grupos raciais historicamente marginalizados limita o seu horizonte de possibilidades?

Sonhar não deveria ser privilégio: pesquisa aponta que maioria dos jovens abandonou seus sonhos por falta de acesso, estrutura e suporte (Foto: Freepik)
Sonhar não deveria ser privilégio: pesquisa aponta que maioria dos jovens abandonou seus sonhos por falta de acesso, estrutura e suporte (Foto: Freepik)

A centralidade da saúde mental como um “sonho que se repete” também suscita reflexões importantes. No Brasil de 2025, nossa bandeira lidera os rankings globais de ansiedade e estresse, mas não são homogêneas. Indivíduos que enfrentam diariamente o racismo estrutural, a violência policial em suas comunidades e a precariedade de serviços públicos tendem a ter uma carga de sofrimento psíquico significativamente maior. Quando o sonho primordial se torna “não ter ansiedade”, isso não reflete apenas uma fragilidade individual, mas também um sintoma de um ambiente social hostil e desigual

A distinção entre sonhos individuais (43,9%) e sonhos coletivos (20,7%) também merece uma análise, já que a publicação aponta que eles que os coletivos geram mais alegria. Comunidades vulnerabilizadas, frequentemente desprovidas de espaços de encontro e de mecanismos de organização social eficazes, podem ter menos oportunidades de formular e expressar sonhos coletivos. Ainda assim, o senso de comunidade é crucial para impulsionar a conquista de metas coletivas. 

É preciso romper com a ilusão de que “sonhar é de graça” quando as condições materiais e emocionais para isso são negadas a uma parcela significativa da população. A garantia do direito de sonhar para todos passa, inequivocamente, pela construção de uma sociedade mais justa, igualitária e com oportunidades. Para todos. Sonhar não deveria ser um privilégio, mas um direito fundamental de cada cidadão.

Bom sonho esta noite.

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