ODS 1
Paris Photo 2024: imagens ecoam as urgências da Terra e de seus habitantes
Mais influente feira de fotografia do mundo exibe reflexões sobre natureza, crise Climática e emergências ecológicas
A 27ª edição da Paris Photo, a mais influente feira de fotografia do mundo, destacou-se não apenas pela diversidade de estilos e suportes, mas também pela abordagem sensível e urgente de questões relacionadas à natureza, à crise climática e às emergências ecológicas e humanitárias.
Vários trabalhos em exibição no Grand Palais, um dos mais famosos locais de exposições do mundo, apresentaram narrativas que exploram a relação da humanidade com o meio ambiente e a fragilidade dos ecossistemas, levantando discussões que vão além da estética e se conectam diretamente às preocupações globais contemporâneas, explorando as tensões entre o homem e o meio ambiente, transformando a feira, realizada em novembro de 2024, em um espaço de reflexão sobre o papel da fotografia como ferramenta crítica e transformadora.
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A feira contou com a participação de 240 expositores de 34 países, incluindo galerias renomadas, editoras e outros exibidores do setor. Recebendo um público recorde de 80 mil visitantes ao longo de quatro dias, o evento reafirmou sua posição como a maior feira internacional de fotografia.
Além disso, houve vendas expressivas, como uma fotografia de Hiroshi Sugimoto por €500.000 e uma peça de Massimo Vitali por €73.000. Este ano consolidou ainda mais a importância da feira como espaço de inovação e termômetro do mercado de arte voltado para a fotografia.
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Veja o que já enviamosA seguir, cinco fotógrafos(as) que contribuem com as suas pesquisas estéticas e artísticas para o debate em torno das questões ecológicas e humanitárias, cada dia mais urgentes e intrinsicamente ligadas à geopolítica.
Miguel Ángel Tornero e as Grutas de Altamira: Um Diálogo Entre Arte, Natureza e Preservação
O trabalho do espanhol Miguel Ángel Tornero, apresentado na seção Emergentes da Paris Photo 2024, foi uma das propostas mais instigantes da feira. Sua abordagem às icônicas grutas de Altamira, em Cantábria, no norte da Espanha, transcendeu a simples representação arqueológica ou documental, propondo uma reflexão profunda sobre a relação ancestral entre a humanidade e a natureza. Por meio de técnicas fotográficas contemporâneas e processos experimentais inovadores, Tornero resgatou a essência simbólica das pinturas rupestres milenares, reinterpretando-as sob uma perspectiva que dialoga com os desafios ecológicos do presente.
Suas imagens, densas e poéticas, evocam a vulnerabilidade desses espaços naturais, destacando a urgência de sua preservação em um mundo marcado por rápidas transformações ambientais. Ao conectar o passado remoto às questões ambientais atuais, o artista cria um diálogo visual que nos convida a repensar o impacto humano sobre o meio ambiente e a importância de proteger nosso patrimônio natural e cultural. A obra de Tornero, assim, não apenas celebra a beleza e o mistério das grutas, mas também levanta questões fundamentais sobre sustentabilidade, memória coletiva e o papel da arte na conscientização ecológica.
Common Sense, Martin Parr: Consumismo e a Crise Climática
Este ano marca o 25º aniversário da primeira exposição de Common Sense, que captura a banalidade e o excesso do consumismo contemporâneo, revelando como os hábitos de consumo são marcados por ostentação, desperdício e superficialidade. Ao explorar temas como fast food, cigarros e turismo de massa — como na obra “Cigarettes and Florida” —, Parr constrói uma crítica irônica ao comportamento consumista que, embora focada nos anos 1990, continua profundamente relevante.
Ao relacionarmos o consumismo ao debate atual sobre a crise climática, Common Sense serve como um alerta visual sobre as consequências ecológicas do consumo excessivo, desafiando-nos a repensar nossas prioridades e a relação entre sociedade, economia e meio ambiente. A obsessão por produtos descartáveis, a produção em massa e a exploração desenfreada de recursos naturais são elementos centrais para o agravamento da degradação ambiental. O impacto das escolhas individuais e coletivas, ilustrado de forma visual e impactante por Parr, reforça como o consumismo contribui para o aquecimento global, o acúmulo de resíduos e a desigualdade social.
Claudia Andujar: Os Yanomamis e o Clamor por Justiça Climática e Humanitária
Na Paris Photo 2024, o trabalho de Claudia Andujar, apresentado no estande da Galeria Vermelho, destacou-se como uma poderosa fusão de arte e ativismo. Dedicada à causa indígena desde os anos 1970, a fotógrafa brasileira de origem suíça utiliza suas imagens como um grito contra a violência que assola a floresta e seus povos. Suas fotografias em preto e branco capturam a relação simbiótica dos Yanomamis com a Amazônia, denunciando o impacto devastador do desmatamento, da mineração ilegal e da negligência política.
Com lirismo e profundidade, Andujar traça a interdependência entre a crise climática e a crise humanitária, revelando que a destruição ambiental ameaça não apenas os ecossistemas, mas também a cultura e a sobrevivência de povos originários. Sua obra transcende a estética, tornando-se um apelo urgente à responsabilidade coletiva. A presença de seu trabalho na feira reafirma a importância da arte na construção de narrativas de resistência e conscientização global.
Pieter Hugo: A Crise Humanitária
O trabalho do fotógrafo sul-africano Pieter Hugo, exposto na Paris Photo 2024, ofereceu uma visão poderosa e perturbadora sobre a crise humanitária contemporânea, particularmente em seu ensaio Californian Flowers. Essa série mergulha no drama das pessoas em situação de rua nas cidades de São Francisco e Los Angeles, capturando com sensibilidade os desafios enfrentados por indivíduos marginalizados em meio a uma das regiões mais ricas do mundo.
O olhar de Hugo não é apenas documental, mas profundamente humanizador. Ele evita a estigmatização das pessoas retratadas, capturando sua dignidade mesmo em situações de extrema vulnerabilidade. Essa abordagem faz com que Californian Flowers transcenda a simples denúncia, estabelecendo um diálogo entre a crise humanitária e colapso de estruturas sociais.
Além disso, a decisão de apresentar o trabalho na forma de um foto-livro é significativa. As sequências de imagens criam uma narrativa que reflete os altos e baixos das vidas retratadas, evocando tanto a fragilidade quanto a resiliência humana. O uso deste formato como um suporte artístico também sublinha a importância de histórias individuais em meio a estatísticas muitas vezes desumanizadas sobre a pobreza e pessoas vulnerabilizadas, evidenciando o fracasso das políticas públicas em abordar esses desafios mundo afora.
Arte na Escuridão: Ester Vonplon e a Conexão com a Natureza na Pandemia
No túnel abandonado de Acla, Ester Vonplon desenvolveu um trabalho único durante o confinamento de 2020. Ela transformou o espaço em seu ateliê, utilizando a luz mínima disponível para criar fotografias em papel sensível. O processo era lento: revelações duravam semanas, feitas na escuridão e umidade. Esse método reflete não só o isolamento vivido globalmente durante a pandemia, mas também a necessidade de reconexão com a natureza.
Vonplon aborda a crise ecológica ao usar um local natural protegido, alinhando arte e sustentabilidade. Seu trabalho destaca a urgência de preservarmos o planeta e de nos adaptarmos ao tempo natural, em contraste com a velocidade imposta pela modernidade. Assim, a câmara escura gigante de Acla simboliza tanto os desafios da pandemia quanto a fragilidade da relação humana com o meio ambiente, nos chamando a cuidar da saúde coletiva e do equilíbrio ecológico.
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Paulo Marcos de Mendonça Lima é fotógrafo, curador, editor, professor e produtor cultural. Formado em Fotografia pelo Brooks Institute, EUA (1981), e em Jornalismo pela UniverCidade, RJ, foi editor de fotografia dos jornais O Globo, Lance! e O Dia. Publicou sete livros, entre eles Kuruap Quarup, com apresentação de Antônio Callado (2007). Desde 2016, dirige o Ateliê Oriente onde já foram realizaram mais de 500 eventos de fotografia, arte e cultura. Membro do corpo curatorial dos festivais Paraty em Foco e FotoRio desde 2017, atualmente é também vice-presidente da REDE (Rede de Produtores Culturais da Fotografia no Brasil)