ODS 1
COP16 da Biodiversidade: o pagamento da conta pela existência da vida fica para depois
Protagonismo de povos indígenas e afrodescendentes é um dos avanços do evento, mas financiamento aquém das metas pode minar acordo até 2030
(Cali, Colômbia) – O cenário futuro do Marco Global de Biodiversidade Kunming-Montreal (GBF, na sigla em inglês) é de grandes incertezas, a julgar pela evidente falta de compromisso com a garantia de cumprimento da Meta 19 de financiamento para a conservação e o uso sustentável da biodiversidade, até o fechamento da 16ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica – COP16, no sábado (2), com um dia de atraso. Faltando praticamente apenas cinco anos para o alcance de 23 Metas de enfrentamento de um processo de perda de espécies histórica, essa conferência que reuniu desde o dia 21 de outubro, mais de 20 mil participantes, dos quais, mais de 13 mil inscritos oficialmente, em Cali, na Colômbia, terminou de forma confusa por falta de quórum para as decisões finais. O impasse levou à suspensão do evento pela ministra de Meio Ambiente da Colômbia, Susana Muhamad. A conta fica pendurada para 2026, na Armênia, país que sediará a COP17.
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Para Michel Santos, gerente de Políticas Públicas do WWF-Brasil, “a falta de quórum pode representar um atraso significativo na implementação das metas globais de biodiversidade, incluindo aquelas que são especialmente relevantes para países megadiversos, como o Brasil”. Em balanço da organização ambientalista, ele destacou que “a falta de consenso suficiente para dar continuidade à COP16 reforça a necessidade de maior comprometimento e alinhamento entre os países e a urgência de estruturas mais sólidas de governança ambiental”. Além disso, analisou que, “como consequência dessa suspensão, espera-se uma nova rodada (COP16.2) o mais breve possível para que os diálogos entre as partes sobre itens fundamentais na agenda sejam concluídos e o relatório final seja aprovado”.
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Veja o que já enviamosExpectativas de reforço de caixa não se concretizaram na COP16. “Temos aqui mais de 3 mil empresas. Mas não percebemos uma mobilização para contribuição do setor”, afirmou uma fonte do Ministério de Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), na véspera do encerramento da Conferência. A tensão histórica entre países mais ricos e mais pobres segue criando obstáculos às agendas da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) nas suas três décadas de existência.
Esse jogo de forças tem limitado avanços mais concretos para conter a perda de biodiversidade global que segue em ritmo acelerado. São alertas de riscos envolvendo ameaças às bases da vida na Terra, relatórios mais recentes como o Planeta Vivo do WWF e a Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), que monitora globalmente as espécies ameaçadas de extinção.
Para que se tenha uma ideia do desequilíbrio de contas para custear ações em prol da proteção da biodiversidade, pela Meta 19 deverão ser destinados 200 bilhões de dólares ao Fundo do Marco Global de Biodiversidade, gerido pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês) até 2030, entre recursos públicos e privados internacionais. Além disso, os países desenvolvidos devem assegurar às nações em desenvolvimento, 20 bilhões de dólares por ano, até 2025, e 30 bilhões de dólares, anuais, até o fim desta década. Mas pelas informações divulgadas no decorrer da COP16, o balanço era de menos de 500 milhões de dólares.
A garantia de recursos financeiros para os países em desenvolvimento é crucial para o alcance de metas ousadas do GBF, até 2030, dentre as quais, que 30% dos ecossistemas marinhos e terrestres globais sejam resguardados por áreas protegidas, desafios relacionados à Meta 3, batizada de 30×30. O financiamento também será fundamental ao cumprimento da Meta 2, de restauração de pelo menos 30% de áreas degradadas no planeta, dentre outras envolvidas nessa complexa agenda.
Para o cumprimento da meta de restauração, o Brasil anunciou, com destaque na COP16, o relançamento Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), como reportado pelo #Colabora, que prevê a regeneração de 12 milhões de hectares de áreas degradadas no país, até 2030. A implementação da versão anterior, de 2017, sofreu impactos negativos diante do processo de desmonte de políticas públicas socioambientais durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, entre 2019 e 2022. Essa iniciativa também está atrelada aos compromissos brasileiros com o Acordo de Paris, da Convenção do Clima. Em Cali, inclusive, se fortaleceu a discussão sobre a integração de agendas de clima e biodiversidade, uma tendência que precisa ganhar força nos processos de tomada de decisão política diante do agravamento dessas principais crises planetárias.
A participação brasileira na COP16 foi considerada um sucesso. Pelo Espaço Brasil, ponto de encontro oficial do país durante o evento em Cali, passaram mais de mil pessoas, representantes de 30 países, em nove dias de programação intensa. As informações foram divulgadas por Carlos Eduardo Marinelli, chefe de gabinete da Secretaria Nacional de Biodiversidade, Florestas e Direitos Animais, durante painel de financiamento direto para povos indígenas e populações locais, promovido pelo Greenpeace Brasil no dia 31 de outubro.
Fundo Florestas Tropicais: conquista de países megadiversos
Uma negociação que começou na COP28 do Clima, em Dubai, em 2023, para lançamento oficial na COP-30, em Belém, em 2025, avançou em Cali. Na última semana da COP-16, foi confirmado o apoio de cinco países ao Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês): Alemanha, Colômbia, Emirados Árabes Unidos, Malásia e Noruega. Na prática, essa iniciativa garantirá recursos para manter florestas tropicais de pé, outra reivindicação antiga de países megadiversos como o Brasil no âmbito da CDB.
“O fundo TFFF oferece incentivos financeiros inovadores em grande escala para que os países em desenvolvimento conservem suas florestas tropicais úmidas, pagando anualmente um valor fixo por hectare de floresta conservada ou restaurada”, afirmou a ministra Marina Silva, em evento no dia 28 com representações de países apoiadores desse fundo.
“O que países que têm natureza querem é um fluxo de recursos suficientes, previsíveis e constantes para as instituições públicas, para que possamos fortalecer a governança sobre os ecossistemas. A partir daí, os ecossistemas podem criar valor para o setores econômicos, como, por exemplo, turismo baseado na natureza e agricultura”, observou a ministra de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Colômbia, Susana Muhamad.
“O objetivo é que os pagamentos sejam realizados a partir de recursos financeiros voluntariamente aplicados em um fundo de investimento, que será criado e mantido no âmbito da iniciativa. Recursos de países, fundos soberanos, pensões e outros investidores que realizam aplicações conservadoras, com boas garantias e rendimento reduzido, são arrecadados e investidos em operações mais rentáveis, garantidas pelo TFFF”, informa o MMA no comunicado sobre as negociações desse fundo em Cali.
Protagonismo indígena e de afrodescendentes
No evento chamado de “COP do Povo” pelo presidente da Colômbia, Gustavo Petro, apesar das limitações e percalços, alguns avanços conseguiram refletir a capacidade de mobilização da sociedade civil, incluindo o protagonismo de povos indígenas e afrodescendentes, cujas vozes terão mais peso no jogo de forças diplomáticas sobre os desdobramentos de acordos da CDB como o GBF. Como parte dessa articulação em rede, foi criado o G9 dos povos indígenas da Amazônia no final da primeira semana de atividades da COP16. Esse coletivo de representações de nove países amazônicos quer unir esforços em diálogo e ações integradas para fazer valer a importância de suas contribuições na conservação da biodiversidade e no equilíbrio climático. Reivindicando a co-presidência da COP30 do Clima que será realizada em Belém, em 2025, suas lideranças lançaram o manifesto “A resposta somos nós”.
Pela força dessa articulação foi aprovada no âmbito da COP16, a criação de um órgão subsidiário permanente no âmbito da CDB, com a garantia de participação de povos indígenas, além de ter sido reconhecido o papel das populações afrodescendentes nos esforços de conservação e uso sustentável da biodiversidade. A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, destacou em postagens nas suas mídias sociais que esse avanço representa um esforço de luta dos coletivos indígenas e também uma vitória da delegação diplomática brasileira a quem também agradeceu pelas contribuições.
Essas decisões vão de encontro às diretrizes do Artigo 8J da CDB, que se referem à repartição de benefícios envolvendo o uso de conhecimentos de povos indígenas e populações locais sobre a biodiversidade. Ainda que detalhamentos sejam necessários para a COP17, foi criado o Fundo de Cali, ao qual serão destinados recursos financeiros, uma demanda histórica dessas três décadas, celebrada pelos movimentos sociais. É voluntária a adesão de empresas que se utilizam da biodiversidade para os seus negócios a esse fundo, o que deixa dúvidas sobre avanços futuros. Ainda assim, as repercussões foram positivas a essa conquista.
“A Conferência das Partes (COP) 16 reconheceu na noite desta sexta-feira (1º) o papel dos afrodescendentes na conservação da diversidade. A vitória decorre de um pleito do Brasil e da Colômbia, que além de terem sido ativos nas negociações, apresentaram, durante o evento, o programa Quilombos das Américas, focado na preservação ambiental por povos tradicionais. É a primeira vez que povos afrodescendentes são citados no documento da organização”, destaca o Ministério da Igualdade Social (MIR) em divulgação.
Ainda segundo informado pela pasta, “a comitiva do governo federal contou com representantes do Ministério das Relações Exteriores, Planejamento e Orçamento e do Meio Ambiente e Mudança do Clima, além do Ministério da Igualdade Racial, responsável pela articulação no tema”.
De acordo com o MIR, o Programa Quilombos das Américas, “anunciado pela ministra Anielle Franco em parceria com o governo da Colômbia, prevê investimento, somente pelo lado brasileiro, de mais de US$120 mil até 2028”. Essa iniciativa que conta com parceria do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) está estruturada em cinco eixos: Direitos Territoriais, Conservação da Biodiversidade, Identidades e Ancestralidades Afrodescendentes, além de Sistemas Agrícolas Tradicionais (SAT’s) e de Políticas de Cuidado e Estratégias contra Violências. “Para executar os eixos 2 e 4 do programa, o MIR irá, juntamente com a Colômbia, implementar, ainda em 2024, o projeto Cultivando Esperança, que fortalecerá a geração de renda e promoverá a conservação ambiental”, informa o MIR.
“A aprovação do Plano de Trabalho do Artigo 8J, que finalmente reconhece o direitos dos Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais através da criação de um órgão dentro do Secretariado da Convenção da Biodiversidade, especificamente para cuidar deste assunto, também reconhecendo o protagonismo das populações afrodescendentes na conservação da biodiversidade, são conquistas de extrema relevância para a agenda”, afirma, Karen Oliveira, diretora de Políticas Públicas e Relações Governamentais da The Nature Conservancy Brasil, em balanço divulgado pela organização ambientalista. “Vale também destacar os avanços nas discussões sobre o Sequenciamento Genético Digital (DSI, na sigla em inglês), com a criação do Fundo de Cali e o reconhecimento da sinergia entre as agendas de Clima e Biodiversidade, entre os resultados alcançados”, acrescenta a ambientalista.
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Elizabeth Oliveira
Jornalista apaixonada por temas socioambientais. Fez doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (PPED), vinculado ao Instituto de Economia da UFRJ, e mestrado em Ecologia Social pelo Programa EICOS, do Instituto de Psicologia da UFRJ. Foi repórter do Jornal do Commercio do Rio de Janeiro e colabora com veículos especializados, além de atuar como consultora e pesquisadora.