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Justiça climática: livro promove debate sobre desigualdades associadas a desastres
Organizado por pesquisadores brasileiros, obra aborda políticas de combate às mudanças climáticas nas regiões costeiras
Um desastre não termina quando as chuvas ou os deslizamentos param. No caso da Vila Sahy, em São Sebastião, litoral norte de São Paulo, o contexto de vulnerabilidade local foi um dos fatores responsáveis por potencializar os impactos da tragédia que deixou 64 mortos e centenas de desabrigados em fevereiro de 2023. O exemplo integra um dos capítulos do livro “Justiça Climática em Regiões Costeiras no Brasil”, lançado nesta segunda-feira (05/08) por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
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A obra demonstra como as desigualdades sociais fazem com que pessoas pobres e periféricas sofram com mais intensidade os efeitos das mudanças climáticas. Entre relatos de experiências e análises de iniciativas, o livro discute o racismo ambiental e a forma como políticas de adaptação climática excluem grupos periféricos e marginalizados da população.
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Veja o que já enviamosDe acordo com um dos organizadores, Pedro Henrique Campello Torres, o objetivo da publicação está em mostrar como a injustiça climática afeta áreas costeiras do Brasil e contribuir com as discussões da crise climática pelas ciências sociais e humanas. “Temos trabalhado a partir da lente da justiça climática para entender esses impactos e as possibilidades de caminhos alternativos, diferentes do que a gente temos visto”, explica o pesquisador da USP.
Com sete capítulos escritos por 21 autores, o livro conta com análises de planos de prevenção e combate às mudanças climáticas de cidades como Rio de Janeiro, Fortaleza, Santos e Florianópolis. Além do desastre de São Sebastião, outro exemplo mostra a vulnerabilidade das construções de palafitas em locais como a comunidade Brasília Teimosa, de Recife (PE).
“O livro surge de uma tentativa de suprir uma lacuna e mostrar que esses casos de injustiça climática existem e precisam de visibilidade”, relata Pedro Henrique. A obra começou a ser desenvolvida em agosto de 2023, a partir da observação do pós-desastre na Vila Sahy. “A escolha da zona costeira é porque o Brasil tem quase 8 mil quilômetros de linha de costa, com 17 estados e diversas capitais, onde mora grande parte da população do país e com um grau muito alto de vulnerabilidade às ameaças climáticas”, complementa o pesquisador.
Racismo ambiental
Ao comentar sobre os temas abordados em “Justiça Climática em Regiões Costeiras no Brasil”, Pedro Henrique ressalta a atenção necessária ao racismo ambiental. Ele lembra que as vítimas de desastres têm cor, raça e gênero, por isso, planos e documentos de adaptação devem levar em consideração estas características, em conjunto com as particularidades de cada cidade e região.
A lente de justiça climática, explica o pesquisador da USP, ajuda a desnaturalizar os desastres. Isso significa adotar um entendimento que “parte do pressuposto que os riscos são socialmente construídos, ou seja, se alguém está morando numa encosta, ou numa área de palafita, isso tem relação com uma não preparação para os riscos”. Por conta disso, os autores do livro adotam o termo “desastre-crime” ao tratar de eventos extremos.
Questionado sobre as contribuições que a publicação busca trazer, Pedro Henrique cita a participação social e a construção de políticas em diálogo com saberes locais e tradicionais. “Com justiça climática, olhando para as populações periféricas e mais vulneráveis, para a população LGBTQIA+, para pretos e pardos, para as comunidades e populações tradicionais e indígenas”, descreve.
Injustiças climáticas na Vila Sahy
Bióloga e estudante de mestrado em sustentabilidade na USP, Natália Couto conta como uma visita até a Vila Sahy a levou a escrever sobre justiça climática e a falta de planejamento urbano no contexto do desastre de São Sebastião. Na visão dela, a tragédia de fevereiro de 2023 está ligada a uma série de injustiças, ações e inações do poder público local.
No capítulo sobre a Vila Sahy, Natália conta detalhes dos relatos ouvidos dos moradores. “Algo que eu senti, que meus colegas também sentiram, foi muito abandono e falta de comunicação”, conta a pesquisadora, que assina o texto junto com Tainá Bimbati, Yuki Tako, Carlos Nunes e Stéfano Silveira.
Segundo Natália, a intenção é voltar até a Vila Sahy com o livro e discutir com a comunidade. “A questão é que a gente vê hoje, não só em São Sebastião e não só em Vilas Costeiras, mas em cidades no geral, é a falta de um projeto de adaptação”, acrescenta a bióloga e mestranda. Os relatos do livro reforçam as denúncias e a luta constante do Comitê União dos Atingidos da Vila Sahy. Nas redes sociais e em diferentes espaços públicos, lideranças comunitárias comentam sobre o descaso e a políticas públicas para os moradores afetados pelas chuvas e deslizamentos em 2023.
Entre as mobilizações que se relacionam com a busca por justiça climática na Vila Sahy, o coletivo realizou, no último Dia Mundial do Meio Ambiente, a revitalização e replantio de árvores no Mangue do Colhereiro, próximo ao porto de São Sebastião. “Os mangues são ecossistemas importantíssimos para a manutenção da vida, para a contenção da crise climática, pois fazem a contenção das águas do mar que avançam na costa”, diz trecho da publicação do Comitê.
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Jornalista formado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Gaúcho de Caibaté, no interior do Rio Grande do Sul. Mestrando em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Escreve sobre temas ligados a questões socioambientais, educação e acessibilidade.