ODS 1
Filme inspirado em livro de xamã yanomami no Festival de Cannes
Estreia mundial de A Queda do Céu, baseada na obra de Davi Kopenawa, será na Quinzena dos Cineastas, mostra paralela ao mais famoso evento do cinema
Baseado na obra do xamã yanomami Davi Kopenawa, presidente da Hutukara Associação Yanomami e principal liderança indígena da região, o longa-metragem brasileiro A Queda do Céu, dirigido por Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha, terá sua estreia mundial na Quinzaine des Cineàstes (Quinzena de Cineastas), prestigiosa mostra paralela ao Festival de Cannes, para destacar novos diretores independentes e contemporâneos, organizada pela La Société des Réalisateurs de Films (La SRF).
O documentário acompanha a festa Reahu, ritual funerário e uma das mais importantes cerimônias dos Yanomami, que reúne centenas de parentes dos falecidos com a finalidade de apagar todos os rastros daquele que se foi e assim colocá-lo em esquecimento. De acordo com os diretores, o filme foi construído a partir de três eixos fundamentais (Convite, Diagnóstico e Alerta) do livro A queda do céu – palavras de um xamã yanomami, escrito em parceria por Davi Kopenawa e pelo antropólogo francês Bruce Albert, amigos há 40 anos.
“Será uma belíssima oportunidade e uma dupla celebração: de ver e ouvir explodir na tela o sonho e a luta do povo Yanomami e da força poética e geopolítica do xamã, filósofo e líder Davi Kopenawa”, afirma Eryk Rocha – filho do premiado cineasta Glauber Rocha, diretor dos clássicos Deus e o Diabo na Terra do Sol e o Deus da Maldade contra o Santo Guerreiro – em comunicado sobre a participação do filme em Cannes. “E, ainda, poderemos acompanhar a trajetória de um cinema que acreditamos e que está fora dos modismos e das convenções. De um cinema sem fórmulas, que navega no desconhecido, que transita entre a materialidade e o espírito e cuja linguagem surge da nossa relação com os Yanomamis e a comunidade de Watorikɨ, e que nasce, também, do nosso encontro com artistas Yanomamis que participaram criativamente da realização deste filme”, acrescenta o cineasta que, em 2016, recebeu o L’Œil d’or (Olho de Ouro) de melhor documentário no Festival de Cannes por ‘Cinema Novo’.
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Veja o que já enviamosA cosmologia do povo Yanomami, o mundo dos espíritos Xapiri, o trabalho dos xamãs para segurar o céu e curar o mundo das doenças produzidas pelos não-indígenas, o garimpo ilegal, o cerco promovido pelo povo da mercadoria e a vingança da Terra, presentes no filme escolhido para a mostra paralela em Cannes, também inspirou, em 2024, o enredo Hutukara, do Salgueiro, tradicional escola de samba do Rio de Janeiro. Na semana passada, Davi Kopenawa se encontrou com o Papa Francisco no Vaticano quando pediu o apoio da Igreja Católica para a causa Yanomami no Brasil, em especial o combate ao garimpo ilegal, à invasão de terras e à proteção dos povos indígenas.
O testemunho de Davi Kopenawa conduz o documentário, produzido pela Aruac Filmes, com participação da Hutukara Associação Yanomami e Stemal Entertainment com Rai Cinema e produção associada de Les Films d’ici, .“A Queda do Céu é a expressão cinematográfica do arrebatamento que tivemos ao ler o livro. Mas principalmente da nossa relação e do que foi vivido em carne, osso e espírito ao longo dos últimos sete anos ao lado de Davi, a comunidade Watorikɨ e os Yanomami. É um filme onde a câmera não olha só para os Yanomami, mas para nós não indígenas também”, afirma Gabriela Carneiro da Cunha, que estreia como diretora.
O livro A Queda do Céu foi publicado em 2010, primeiro na França; cinco anos depois, teve sua primeira edição no no Brasil. Suas mais de 700 páginas têm como base mais de 43 horas de gravações de falas de Davi Kopenawa. O livro explica que, segundo a mitologia yanomami, Omama (o criador) criou a floresta (Hutukara) no começo dos tempos, quando havia apenas os yarori (seres ancestrais) e uma floresta frágil. Para criar outra mais sólida, Omama derrubou o céu e ergueu a nova terra, onde também pôs as árvores, as montanhas, os rios e os animais. “Os Yanomami não existem à toa. Não caíram do céu. Foi Omama que os criou para viver na floresta”, escreve Kopenawa no livro em parceria com Bruce Albert.
A Quinzena dos Cineastas – ou Quinzena dos Realizadores, como também é conhecida, está em sua 56ª edição e, neste Festival de Cannes 2024, exibirá 21 longas-metragens e oito curtas. A mostra francesa acontece entre os dias 14 e 25 de maio.
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Texto produzido pelos jornalistas da redação do #Colabora, um portal de notícias independente que aposta numa visão de sustentabilidade muito além do meio ambiente.