ODS 1
Depressão está cada vez mais comum entre os adolescentes, alertam psicólogos
Jovens relatam dificuldades em compartilhar problemas emocionais e profissionais destacam papel de pais e professores no tratamento
Aluno do Instituto Federal da Bahia (Ifba), Paulo Alex, de 19 anos, enfrenta uma realidade marcada pela depressão desde o começo da adolescência. Tinha dificuldade de compartilhar seus problemas com os amigos na escola ou na vizinhança e também com os pais que não entendiam o que ele estava passando. O caso de Paulo – que hoje tem acompanhamento psicológico no Ifba – está longe de ser exceção. A pesquisa ‘Ansiedade e Depressão na Adolescência’, conduzida pela psiquiatra Isabel Brito, especialista em infância e adolescência, revela um cenário alarmante quanto à saúde mental dos jovens.
Leu essa? “Estou exausta e doente. E você também”
Os achados indicam não apenas uma frequência elevada de depressão e ansiedade nessa fase da vida, mas também os impactos devastadores que essas condições exercem nos âmbitos familiar, escolar e social dos adolescentes. De acordo com relatório da Unicef de 2021, estima-se que quase um em cada seis meninas e meninos entre 10 e 19 anos de idade – 16 milhões de crianças e adolescentes – na América Latina viva com algum transtorno mental, parcela mais exposta ao risco de depressão, automutilações e suicídio. Especialistas lembram que a pandemia de covid-19 agravou esse quadro também entre os mais jovens. Pesquisa realizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) indicou que 20% dos adolescentes em todo o mundo sofrem com algum tipo de transtorno psicológico.
A psicóloga clínica Flávia Matos destacou a complexidade da depressão, classificada pelo Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) como um transtorno de humor que exige cuidados específicos. “De nada adianta só a escola fazer e em casa os pais não continuarem, ou somente os pais fazerem e a escola não ajudar. Deve haver a união e um tratamento ideal com psicólogos e, se necessário, psiquiatras”, frisou a psicóloga baiana, que tem pós graduação em Terapia Analítico Comportamental, em entrevista. Ela enfatizou a “natureza multifacetada” da doença, envolvendo dimensões biológicas, psicológicas, genéticas e outros aspectos interligados e salientou que a depressão desencadeia alterações nos neurotransmissores, como serotonina, dopamina e noradrenalina, cruciais na regulação do sono, controle da dor e equilíbrio do humor.
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Veja o que já enviamosPara Flávia Matos, a presença cada vez mais marcante da depressão na vida dos adolescentes pode ser atribuída a uma conjunção de fatores. Esta fase, destaca a psicóloga, é permeada por descobertas cruciais, como a compreensão da sexualidade, além de ser um período em que os jovens enfrentam uma carga excessiva de cobranças relacionadas aos estudos e ao planejamento futuro. “Frequentemente, há uma lacuna no acolhimento e entendimento por parte dos pais, especialmente quando os adolescentes buscam compartilhar suas angústias e são julgados ou desacreditados, resultando em uma sensação de falta de suporte emocional”, ressaltou Matos.
A depressão, embora não possua uma cura definitiva, é passível de tratamento eficaz com acompanhamento psicológico. Especialistas destacam que, para contribuir com o desenvolvimento escolar e emocional dos adolescentes, os pais desempenham um papel crucial. Além de supervisionar os estudos, é recomendado que reservem momentos para diálogos abertos e construtivos, buscando compreender as angústias e desafios enfrentados pelos filhos. “A depressão na adolescência muitas vezes é mal compreendida, encarada como ‘frescura’ ou típica dessa fase do crescimento. Depressão muitas vezes não é levada a sério, e muitos pensam que basta estímulos para sair de casa para superar esse quadro. Não: a doença precisa de tratamento profissional”, destacou o médico Drauzio Varella, em comentário recente em suas redes sociais.
Isolamento e falta de compreensão
O estudante Paulo Alex, do Ifba, contou que foi cobrado a corresponder a um ideal de perfeição e excelência desde cedo, o que muitas vezes exigia dele uma maturidade precoce para lidar com as crises cotidianas de depressão. Residente em Alto de Coutos, subúrbio ferroviário de Salvador, Bahia, ele compartilhou que, devido à intensa pressão em seu colégio, é quase obrigado a manter uma interação positiva com professores e colegas para suportar o peso das expectativas acadêmicas.
Mesmo com acesso a apoio psicológico na instituição, os longos intervalos entre aulas, o estágio e o deslocamento entre os compromissos impedem que ele usufrua plenamente desses serviços de suporte oferecidos pela escola. E falta compreensão em casa. Meus pais não levam a sério meu tratamento e nem nada que eu fale sobre isso”, disse o aluno do Ifba que não cobra o apoio dos pais por acreditar que eles não compreendem a depressão porque a doença nunca foi tema de debate em suas vidas. “Meus pais não conversam abertamente sobre depressão pois não é do feitio deles”, declarou Paulo Alex, que compartilhou ainda seus receios sobre ser alvo de chacota e bullying na escola devido à sua depressão.
Paulo reconhece a importância do acompanhamento psicológico e mantém o compromisso de comparecer às consultas duas vezes por mês, apesar do desafio do longo deslocamento entre sua residência e a clínica. Para o estudante, a compreensão, atenção e afeto dos pais, tanto no âmbito escolar quanto no social, são cruciais para lidar com os problemas enfrentados. E enfatizou a relevância de abordar a depressão e temas sensíveis como o suicídio no ambiente escolar. “Essas conversas ampliam o entendimento sobre a doença, desmistificando conceitos equivocados”, disse Paulo, acrescentando que encontra refúgio no universo dos jogos online.
O aluno da Ifba contou ainda que certos tipos de jogos online que disputa com amigos acabam até sendo violentos demais; por vezes, ressaltou, ele usa o jogo como método para “esvaziar a mente” e até mesmo se controlar. Para o estudante, outros jovens, que não fazem tratamento, podem acabar por usar os jogos como forma negativa levando até mesmo as vinganças em seu dia a dia.
Pais, professores e psicopedagogos
A depressão no ambiente escolar é um desafio crescente. Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde da capital paulista mostrou que a incidência de depressão entre adolescentes cresceu 120% entre 2015 e 2021. “Nós, professores, notamos um aumento no número de estudantes enfrentando crises de ansiedade nesse período”, destacou a também psicóloga e pesquisadora Wanderlene Reis, em entrevista, ao analisar o retorno às aulas presenciais no pós-pandemia.
Doutora em Família na Sociedade Contemporânea e especialista em Psicopedagogia Escolar e Institucional, Wanderlene Reis salientou que,
embora a função primária da escola seja o ensino, não o cuidado emocional, é fundamental a atuação conjunta entre pais e corpo docente para oferecer suporte a alunos que apresentam sintomas de depressão e ansiedade. “Alguns estudantes, mesmo necessitando de ajuda, podem não ter a coragem de pedi-la”, ressaltou a professora e pesquisadora, citando “mudanças comportamentais reveladoras”, como alunos comunicativos que se tornam reclusos e isolados ou bons alunos que começam a faltar às aulas e chegam até mesmo a abandonar os estudos.
A especialista enfatizou ainda a relevância da cooperação entre a escola e o corpo docente para enfrentar o problema da evasão escolar e das faltas, destacando que essa união pode desempenhar um papel crucial na redução desses índices em todo o país. “Infelizmente na escola que eu lecionei não tinha apoio psicológico ou psicopedagógico para os alunos”, lamentou Wanderlene, compartilhando suas experiências em um ambiente educacional carente de recursos para o suporte emocional dos estudantes.
Pais de adolescentes com problemas semelhantes também destacaram o papel da escola. A recepcionista Valdinea Silva, mãe de uma jovem que enfrentou a depressão na adolescência, enfatizou a colaboração com professores e psicólogos para ajudar no desempenho da filha. A jovem conseguiu superar a doença com o apoio familiar e educacional e concluiu a faculdade. Pai de quatro filho, um deles no ensino médio, Davi Tito, 55 anos, pai de quatro filhos, sendo um ainda estudante do ensino médio, é crucial a presença de psicólogos nas escolas, além da participação ativa dos pais para compreender e lidar com situações relacionadas à depressão. “O governo deveria investir no tratamento dos jovens, facilitar o acesso a psicólogos e também incentivar atividades esportivas”, afirmou Davi.
A dificuldade de encontrar um tratamento
Matheus Souza, jovem de 16 anos e morador do bairro de Plataforma, no subúrbio ferroviário de Salvador, também enfrenta crises de ansiedade enquanto cursa o 2° ano do ensino médio no Colégio Estadual Luis Rogério. O adolescente – negro e morador da periferia, contou que teve que relatar à mãe o que vinha sentindo. Ela não havia percebido as sutis mudanças em seu comportamento do filho.
O estudante ainda não faz terapia, mas disse compreender profundamente a importância de dialogar com um psicólogo e acredita que um tratamento seria uma oportunidade para compreender melhor o que vem sentindo e aprender a controlar seus sentimentos e variações de humor. Para Matheus, as escolas deviam em palestras sobre prevenção ao suicídio e depressão ao longo de todo o ano letivo, indo além das ações concentradas no Setembro Amarelo. “Essas iniciativas são medidas preventivas fundamentais para a saúde mental dos estudantes”, disse.
Inserido em um mundo totalmente conectado às redes sociais, Matheus clamou por uma postura mais presente e ativa dos pais na vida educacional de seus filhos. Para o adolescente, a presença e o suporte dos pais são fundamentais, “um porto seguro”, especialmente em momentos de crises e necessidade de apoio emocional.
Apesar de desejar de ter mais proximidade com a mãe durante as crises de ansiedade, Matheus contou que ainda tem receio quanto à compreensão materna. O que ele mais almeja é ter acesso a consultas com psicólogos, que possam atender pessoas de baixa renda. Ele reforçou a importância do suporte psicológico dentro das escolas, ressaltando que a presença de um profissional pode ser um fator determinante no suporte emocional para os estudantes.
Matheus contou que, enquanto não tem atendimento profissional, ir à praia é a forma que tem de manter o seu “espírito em paz”. Ele disse que, por sentir-se livre e bem com o cheiro do mar e a brisa em seu rosto, encontrou a sua válvula de escape para as crises de ansiedade. “A prainha é meu canto de paz”, disse o adolescente.
Depressão é uma doença e tem tratamento
Uma jovem, diagnosticada com depressão ainda na infância, enfatizou a importância do envolvimento constante de sua mãe em seu tratamento durante a adolescência, um período marcado por bullying e até agressões por parte de colegas devido à sua condição e ao uso de medicamentos controlados prescritos por sua psiquiatra. “Às vezes, eu queria desistir de tudo, mas minha mãe e minha professora se uniram e conseguiram me ajudar a seguir em frente, apesar de todo o caos que foi meu ensino médio”, compartilhou a jovem, que preferiu não se identificar.
As especialistas entrevistadas reiteraram a importância da colaboração entre casa e escola para auxiliar os estudantes nessas situações. “De nada adianta somente a escola atuar se em casa os pais não continuarem, ou apenas os pais se engajarem sem a cooperação da escola. Deve haver essa união e um tratamento adequado com psicólogos e, se necessário, psiquiatras”, sublinhou Flávia Matos, lembrando que a depressão é uma doença que pode não ter cura, mas existe tratamento.
As especialistas listaram dicas aos pais para ajudar no cotidiano do adolescente com a depressão.
*A adolescência é um período de descoberta, sendo assim é importante que os pais estejam presente diariamente para compreender e ajudar no auge das suas dificuldades e dúvidas;
*Depressão tem tratamento e ninguém deve se automedicar;
*Evite julgar, ouça o adolescente e se puder o ajude;
*O ajude a encontrar uma rota de fuga encontrando um robe que possa ajuda-lo (como literatura, andar de bicicleta e etc..)
*O ouça atentamente e se puder faça comentários bons;
*Leve-o frequentemente às consultas com psicólogos;
*Esteja presente na vida escolar do seu filho, comunique aos pedagogos sobre o tratamento para que assim ele tenha mais apoio.
Sinais da depressão na adolescência (de acordo com o portal Escola da Inteligência)
# sentimento de culpa;
# desmotivação;
# choro excessivo;
# apatia;
# isolamento da família e amigos;
# autolesão ou comportamento autodestrutivo (uso de drogas, comportamento sexual promíscuo etc.).
# dificuldade de concentração;
# compulsão alimentar ou falta de apetite;
# agressividade ou irritabilidade;
# dores físicas.
O que pode ser feito para ajudar esse adolescente (de acordo com o portal Escola da Inteligência)
# demonstre abertura para ouvir os sentimentos do adolescente;
# informe-se sobre o que é a depressão na adolescência;
# converse com a escola e tente entender o que está acontecendo;
# procure um psiquiatra e/ou um psicoterapeuta de confiança;
# trace uma estratégia de tratamento com esses profissionais;
# acompanhe a rotina diária do adolescente;
# ajude o adolescente a ter uma vida mais saudável (alimentação, dormir nos horários certos, exercitar-se etc.);
# preste atenção aos hábitos, atividades e conteúdos que o adolescente consome, especialmente na internet;
# tenha calma, paciência e empatia, mesmo nos momentos de maior descontrole.
Milena D' Anunciação é Jornalista, tem 25 anos e cursa pós graduação em Jornalismo Investigativo. Como objetivo de crescimento na carreira, opta sempre por estudar e se especializar. Tem um Instagram literário - @podlerpormilena - em que aborda de tudo um pouco, além de falar diariamente sobre grandes autores jornalistas.