Depressão está cada vez mais comum entre os adolescentes, alertam psicólogos

Jovens relatam dificuldades em compartilhar problemas emocionais e profissionais destacam papel de pais e professores no tratamento

Por Milena D'Anunciação | ODS 3 • Publicada em 6 de março de 2024 - 07:52 • Atualizada em 1 de agosto de 2024 - 16:47

Psicólogos alertam: depressão está cada vez mais comum entre os adolescentes (Ilustração: Milena D’Anunciação)

Aluno do Instituto Federal da Bahia (Ifba), Paulo Alex, de 19 anos, enfrenta uma realidade marcada pela depressão desde o começo da adolescência. Tinha dificuldade de compartilhar seus problemas com os amigos na escola ou na vizinhança e também com os pais que não entendiam o que ele estava passando. O caso de Paulo – que hoje tem acompanhamento psicológico no Ifba – está longe de ser exceção. A pesquisa ‘Ansiedade e Depressão na Adolescência’, conduzida pela psiquiatra Isabel Brito, especialista em infância e adolescência, revela um cenário alarmante quanto à saúde mental dos jovens.

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Os achados indicam não apenas uma frequência elevada de depressão e ansiedade nessa fase da vida, mas também os impactos devastadores que essas condições exercem nos âmbitos familiar, escolar e social dos adolescentes. De acordo com relatório da Unicef de 2021, estima-se que quase um em cada seis meninas e meninos entre 10 e 19 anos de idade – 16 milhões de crianças e adolescentes – na América Latina viva com algum transtorno mental, parcela mais exposta ao risco de depressão, automutilações e suicídio.  Especialistas lembram que a pandemia de covid-19 agravou esse quadro também entre os mais jovens. Pesquisa realizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) indicou que 20% dos adolescentes em todo o mundo sofrem com algum tipo de transtorno psicológico.

A psicóloga clínica Flávia Matos destacou a complexidade da depressão, classificada pelo Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) como um transtorno de humor que exige cuidados específicos. “De nada adianta só a escola fazer e em casa os pais não continuarem, ou somente os pais fazerem e a escola não ajudar. Deve haver a união e um tratamento ideal com psicólogos e, se necessário, psiquiatras”, frisou a psicóloga baiana, que tem pós graduação em Terapia Analítico Comportamental, em entrevista. Ela enfatizou a “natureza multifacetada” da doença, envolvendo dimensões biológicas, psicológicas, genéticas e outros aspectos interligados e salientou que a depressão desencadeia alterações nos neurotransmissores, como serotonina, dopamina e noradrenalina, cruciais na regulação do sono, controle da dor e equilíbrio do humor.

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Para Flávia Matos, a presença cada vez mais marcante da depressão na vida dos adolescentes pode ser atribuída a uma conjunção de fatores. Esta fase, destaca a psicóloga, é permeada por descobertas cruciais, como a compreensão da sexualidade, além de ser um período em que os jovens enfrentam uma carga excessiva de cobranças relacionadas aos estudos e ao planejamento futuro. “Frequentemente, há uma lacuna no acolhimento e entendimento por parte dos pais, especialmente quando os adolescentes buscam compartilhar suas angústias e são julgados ou desacreditados, resultando em uma sensação de falta de suporte emocional”, ressaltou Matos.

A depressão, embora não possua uma cura definitiva, é passível de tratamento eficaz com acompanhamento psicológico. Especialistas destacam que, para contribuir com o desenvolvimento escolar e emocional dos adolescentes, os pais desempenham um papel crucial. Além de supervisionar os estudos, é recomendado que reservem momentos para diálogos abertos e construtivos, buscando compreender as angústias e desafios enfrentados pelos filhos. “A depressão na adolescência muitas vezes é mal compreendida, encarada como ‘frescura’ ou típica dessa fase do crescimento. Depressão muitas vezes não é levada a sério, e muitos pensam que basta estímulos para sair de casa para superar esse quadro. Não: a doença precisa de tratamento profissional”, destacou o médico Drauzio Varella, em comentário recente em suas redes sociais.

O estudante Paulo Alex em Salvador: medo de sofrer bullying por diagnóstico de depressão (Foto: Arquivo Pessoal)
O estudante Paulo Alex em Salvador: medo de sofrer bullying por diagnóstico de depressão (Foto: Arquivo Pessoal)

Isolamento e falta de compreensão

O estudante Paulo Alex, do Ifba, contou que foi cobrado a corresponder a um ideal de perfeição e excelência desde cedo, o que muitas vezes exigia dele uma maturidade precoce para lidar com as crises cotidianas de depressão. Residente em Alto de Coutos, subúrbio ferroviário de Salvador, Bahia, ele compartilhou que, devido à intensa pressão em seu colégio, é quase obrigado a manter uma interação positiva com professores e colegas para suportar o peso das expectativas acadêmicas.

Mesmo com acesso a apoio psicológico na instituição, os longos intervalos entre aulas, o estágio e o deslocamento entre os compromissos impedem que ele usufrua plenamente desses serviços de suporte oferecidos pela escola. E falta compreensão em casa. Meus pais não levam a sério meu tratamento e nem nada que eu fale sobre isso”, disse o aluno do Ifba que não cobra o apoio dos pais por acreditar que eles não compreendem a depressão porque a doença nunca foi tema de debate em suas vidas. “Meus pais não conversam abertamente sobre depressão pois não é do feitio deles”, declarou Paulo Alex, que compartilhou ainda seus receios sobre ser alvo de chacota e bullying na escola devido à sua depressão.

Paulo reconhece a importância do acompanhamento psicológico e mantém o compromisso de comparecer às consultas duas vezes por mês, apesar do desafio do longo deslocamento entre sua residência e a clínica. Para o estudante, a compreensão, atenção e afeto dos pais, tanto no âmbito escolar quanto no social, são cruciais para lidar com os problemas enfrentados. E enfatizou a relevância de abordar a depressão e temas sensíveis como o suicídio no ambiente escolar. “Essas conversas ampliam o entendimento sobre a doença, desmistificando conceitos equivocados”, disse Paulo, acrescentando que encontra refúgio no universo dos jogos online.

O aluno da Ifba contou ainda que certos tipos de jogos online que disputa com amigos acabam até sendo violentos demais; por vezes, ressaltou, ele usa o jogo como método para “esvaziar a mente” e até mesmo se controlar. Para o estudante, outros jovens, que não fazem tratamento, podem acabar por usar os jogos como forma negativa levando até mesmo as vinganças em seu dia a dia.

Psicólogos (ou psiquiatras) precisam da participação de pais e professores no tratamento de jovens com depressão (Ilustração de Milena D'Anunciação, com base nos depoimentos de entrevistados)
Psicólogos (ou psiquiatras) precisam da participação de pais e professores no tratamento de jovens com depressão (Ilustração de Milena D’Anunciação, com base nos depoimentos de entrevistados)

Pais, professores e psicopedagogos

A depressão no ambiente escolar é um desafio crescente. Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde da capital paulista mostrou que a incidência de depressão entre adolescentes cresceu 120% entre 2015 e 2021. “Nós, professores, notamos um aumento no número de estudantes enfrentando crises de ansiedade nesse período”, destacou a também psicóloga e pesquisadora Wanderlene Reis, em entrevista, ao analisar o retorno às aulas presenciais no pós-pandemia.

Doutora em Família na Sociedade Contemporânea e especialista em Psicopedagogia Escolar e Institucional, Wanderlene Reis salientou que,
embora a função primária da escola seja o ensino, não o cuidado emocional, é fundamental a atuação conjunta entre pais e corpo docente para oferecer suporte a alunos que apresentam sintomas de depressão e ansiedade. “Alguns estudantes, mesmo necessitando de ajuda, podem não ter a coragem de pedi-la”, ressaltou a professora e pesquisadora, citando “mudanças comportamentais reveladoras”, como alunos comunicativos que se tornam reclusos e isolados ou bons alunos que começam a faltar às aulas e chegam até mesmo a abandonar os estudos.

A especialista enfatizou ainda a relevância da cooperação entre a escola e o corpo docente para enfrentar o problema da evasão escolar e das faltas, destacando que essa união pode desempenhar um papel crucial na redução desses índices em todo o país. “Infelizmente na escola que eu lecionei não tinha apoio psicológico ou psicopedagógico para os alunos”, lamentou Wanderlene, compartilhando suas experiências em um ambiente educacional carente de recursos para o suporte emocional dos estudantes.

Pais de adolescentes com problemas semelhantes também destacaram o papel da escola. A recepcionista Valdinea Silva, mãe de uma jovem que enfrentou a depressão na adolescência, enfatizou a colaboração com professores e psicólogos para ajudar no desempenho da filha. A jovem conseguiu superar a doença com o apoio familiar e educacional e concluiu a faculdade. Pai de quatro filho, um deles no ensino médio, Davi Tito, 55 anos, pai de quatro filhos, sendo um ainda estudante do ensino médio, é crucial a presença de psicólogos nas escolas, além da participação ativa dos pais para compreender e lidar com situações relacionadas à depressão. “O governo deveria investir no tratamento dos jovens, facilitar o acesso a psicólogos e também incentivar atividades esportivas”, afirmou Davi.

Depressão é uma doença e tem tratamento: muitos adolescentes queixam-se de falta de compreensão dos pais (Ilustração de Milena D'Anunciação, a partir de depoimentos dos entrevistados)
Depressão é uma doença e tem tratamento: muitos adolescentes queixam-se de falta de compreensão dos pais (Ilustração de Milena D’Anunciação, a partir de depoimentos dos entrevistados)

A dificuldade de encontrar um tratamento

Matheus Souza, jovem de 16 anos e morador do bairro de Plataforma, no subúrbio ferroviário de Salvador, também enfrenta crises de ansiedade enquanto cursa o 2° ano do ensino médio no Colégio Estadual Luis Rogério. O adolescente – negro e morador da periferia, contou que teve que relatar à mãe o que vinha sentindo. Ela não havia percebido as sutis mudanças em seu comportamento do filho.

O estudante ainda não faz terapia,  mas disse compreender profundamente a importância de dialogar com um psicólogo e acredita que um tratamento seria uma oportunidade para compreender melhor o que vem sentindo e aprender a controlar seus sentimentos e variações de humor.  Para Matheus, as escolas deviam em palestras sobre prevenção ao suicídio e depressão ao longo de todo o ano letivo, indo além das ações concentradas no Setembro Amarelo. “Essas iniciativas são medidas preventivas fundamentais para a saúde mental dos estudantes”, disse.

Inserido em um mundo totalmente conectado às redes sociais, Matheus clamou  por uma postura mais presente e ativa dos pais na vida educacional de seus filhos. Para o adolescente, a presença e o suporte dos pais são fundamentais, “um porto seguro”, especialmente em momentos de crises e necessidade de apoio emocional.

Apesar de desejar de ter mais proximidade com a mãe durante as crises de ansiedade, Matheus contou que ainda tem receio quanto à compreensão materna. O que ele mais almeja é ter acesso a consultas com psicólogos, que possam atender pessoas de baixa renda. Ele reforçou a importância do suporte psicológico dentro das escolas, ressaltando que a presença de um profissional pode ser um fator determinante no suporte emocional para os estudantes.

Matheus contou que, enquanto não tem atendimento profissional, ir à praia é a forma que tem de manter o seu “espírito em paz”.  Ele disse que, por sentir-se livre e bem com o cheiro do mar e a brisa em seu rosto, encontrou a sua válvula de escape para as crises de ansiedade. “A prainha é meu canto de paz”, disse o adolescente.

Ouvir sem julgar pode ajudar jovens com depressão (Ilustração de Milena D'Anunciação, com base nos depoimentos de entrevistados)
Ouvir sem julgar pode ajudar jovens com depressão (Ilustração de Milena D’Anunciação, com base nos depoimentos de entrevistados)

Depressão é uma doença e tem tratamento

Uma jovem, diagnosticada com depressão ainda na infância, enfatizou a importância do envolvimento constante de sua mãe em seu tratamento durante a adolescência, um período marcado por bullying e até agressões por parte de colegas devido à sua condição e ao uso de medicamentos controlados prescritos por sua psiquiatra. “Às vezes, eu queria desistir de tudo, mas minha mãe e minha professora se uniram e conseguiram me ajudar a seguir em frente, apesar de todo o caos que foi meu ensino médio”, compartilhou a jovem, que preferiu não se identificar.

As especialistas entrevistadas reiteraram a importância da colaboração entre casa e escola para auxiliar os estudantes nessas situações. “De nada adianta somente a escola atuar se em casa os pais não continuarem, ou apenas os pais se engajarem sem a cooperação da escola. Deve haver essa união e um tratamento adequado com psicólogos e, se necessário, psiquiatras”, sublinhou Flávia Matos, lembrando que a depressão é uma doença que pode não ter cura, mas existe tratamento.

As especialistas listaram dicas aos pais para ajudar no cotidiano do adolescente com a depressão.

*A adolescência é um período de descoberta, sendo assim é importante que os pais estejam presente diariamente para compreender e ajudar no auge das suas dificuldades e dúvidas;
*Depressão tem tratamento e ninguém deve se automedicar;
*Evite julgar, ouça o adolescente e se puder o ajude;
*O ajude a encontrar uma rota de fuga encontrando um robe que possa ajuda-lo (como literatura, andar de bicicleta e etc..)
*O ouça atentamente e se puder faça comentários bons;
*Leve-o frequentemente às consultas com psicólogos;
*Esteja presente na vida escolar do seu filho, comunique aos pedagogos sobre o tratamento para que assim ele tenha mais apoio.

Sinais da depressão na adolescência (de acordo com o portal Escola da Inteligência)

# sentimento de culpa;
# desmotivação;
# choro excessivo;
# apatia;
# isolamento da família e amigos;
# autolesão ou comportamento autodestrutivo (uso de drogas, comportamento sexual promíscuo etc.).
# dificuldade de concentração;
# compulsão alimentar ou falta de apetite;
# agressividade ou irritabilidade;
# dores físicas.

O que pode ser feito para ajudar esse adolescente (de acordo com o portal Escola da Inteligência)

# demonstre abertura para ouvir os sentimentos do adolescente;
# informe-se sobre o que é a depressão na adolescência;
# converse com a escola e tente entender o que está acontecendo;
# procure um psiquiatra e/ou um psicoterapeuta de confiança;
# trace uma estratégia de tratamento com esses profissionais;
# acompanhe a rotina diária do adolescente;
# ajude o adolescente a ter uma vida mais saudável (alimentação, dormir nos horários certos, exercitar-se etc.);
# preste atenção aos hábitos, atividades e conteúdos que o adolescente consome, especialmente na internet;
# tenha calma, paciência e empatia, mesmo nos momentos de maior descontrole.

 

Milena D'Anunciação

Milena D' Anunciação é Jornalista, tem 25 anos e cursa pós graduação em Jornalismo Investigativo. Como objetivo de crescimento na carreira, opta sempre por estudar e se especializar. Tem um Instagram literário - @podlerpormilena - em que aborda de tudo um pouco, além de falar diariamente sobre grandes autores jornalistas.

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