Rádio Murukutu: da periferia de Belém à cobertura da COP28 em Dubai

Comunicador selecionado para participar da Conferência do Clima tem emissora comunitária ribeirinha que transmite programas pela internet, redes sociais e até usando bicicleta

Por João Paulo Guimarães | ODS 11ODS 13 • Publicada em 29 de novembro de 2023 - 08:48 • Atualizada em 10 de dezembro de 2023 - 22:08

Ângelo Tupinambá ministra oficina de podcast e áudio digital para jovens comunicadores às margens do Rio Guamá: da periferia de Belém à cobertura da COP28 em Dubai (Foto: João Paulo Guimarães)

O estúdio fica numa casa de madeira na comunidade ribeirinha Porto da Ceasa, à beira do Rio Guamá, em Belém. Ali, o cientista social e comunicador Ângelo Madson Tupinambá produz os programas da Rádio Murukutu, que chegam das periferias de Belém ao interior da Amazônia paraense pelas ruas e redes, em diferentes linguagens e formatos: pelos alto falantes de uma bicicleta – a Bike Som Maria Lira FM -, pelas rádios escolares, criadas na rede pública de ensino, por outras emissoras comunitárias. E multiplica sua proposta de educomunicação, através dos cursos e oficinas de formação teórica e habilitação técnica para jovens agentes multiplicadores de comunicação popular e comunitária, com ênfase em áudio digital e podcasts.

Muito tem se falado a respeito da participação popular na COP da Amazônia, da importância estratégica das comunidades tradicionais ribeirinhas, indígenas, quilombolas, mas o que a gente viu no Diálogos Amazônicos é que ainda existe muita distância entre intenção e gesto

Ângelo Tupinambá
Comunicador e cientista social

No começo de dezembro, Ângelo Tupinambá estará em Dubai, nos Emirados Árabes, para produzir seus programas diretamente da COP28 – a Conferência do Clima. “Tive a felicidade de ser um dos 10 selecionados e vou fazer o Copcast Belém, que vai abordar os dilemas de Belém do Pará para receber a COP30 em 2025, através da perspectiva da participação popular”, conta o comunicador, de 43 anos. “Como é que ocorre a participação popular? Como é que se dá dentro do espaço da conferência? Vamos levantar esses questionamentos e promover essas discussões”, acrescenta.

Ângelo foi escolhido para o projeto Get Ready for the COP, cooperação internacional desenvolvida pelas ONGs Saúde e Alegria e DW Akademie com o objetivo oferecer a comunicadores e jornalistas da Amazônia a oportunidade de participar da próxima Conferência do Clima. “Muito tem se falado a respeito da participação popular na COP da Amazônia, da importância estratégica das comunidades tradicionais ribeirinhas, indígenas, quilombolas, mas o que a gente viu no Diálogos Amazônicos é que ainda existe muita distância entre intenção e gesto”, destaca o criador da Rádio Murukutu.

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Além da oportunidade de estar em Dubai para cobrir a COP28, o programa ainda garantiu uma bolsa para a Rádio Murukutu produzir uma reportagem sobre a crise climática e seus impactos na região amazônica. “É preciso pensar a qualidade de vida das pessoas como indicador do sucesso ou fracasso das políticas climáticas. Não há justiça climática sem a voz dos povos Amazônidas”, afirma Ângelo.

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Em 2004, Ângelo Madson, que adotou o Tupinambá depois de pesquisar seus ancestrais e se autodeclarar oficialmente indígena em 2020, trabalhava na Rádio Comunitária Resistência FM, onde apresentava o programa “Reversão Radioativa, a Subversão Radiofônica”. Quando a Polícia Federal e a ANATEL fecham a rádio comunitária em 2005, ele decidiu criar uma organização para promoção e defesa da comunicação popular, através de cursos e oficinas para agentes multiplicadores.

Ângelo Tubinambá na casa de madeira que serve de estúdio para a Rádio Murukutu: na COP28, uma oportunidade para amplificar o alcance da comunicação popular e comunitária na Amazônia (Foto: João Paulo Guimarães)
Ângelo Tubinambá na casa de madeira que serve de estúdio para a Rádio Murukutu: na COP28, uma oportunidade para amplificar o alcance da comunicação popular e comunitária na Amazônia (Foto: João Paulo Guimarães)

Em 6 de junho de 2006, surgiu o Instituto Idade Mídia como plataforma de Educomunicação e produtora de áudio digital. “Nossa proposta era a criação de um Centro para Formação e Capacitação de Agentes da Radiodifusão Comunitária, o que iniciamos junto ao CMI (Centro de Mídia Independente, Indymedia) Brasil”, conta o cientista social, formando pelo Universidade Federal do Pará e pai de três filhas.

O desdobramento natural foi a fundação da Rádio Idade Mídia, uma radioweb voltada para comunicação comunitária. Após a Idade Mídia ser chamada para desenvolver trabalho contra a desinformação pela Internews, organização internacional que apoia comunicação popular e comunitária em mais de 170 países, o instituto abriu uma sede no Centro Histórico de Belém. Mas a pandemia fez secar as fontes de receita: rádio e instituto quase fecharam as portas e abandonaram as transmissões. “Mudamos para o território Murukutu, graças a doações de incentivadores e apoiadores de nosso trabalho”, conta Ângelo Tupinambá.

Ângelo Tupinambá na Bike Som Maria Lira FM: transmissão do conteúdo da rádio ribeirinha em várias plataformas (Foto: Arquivo Pessoal)
Ângelo Tupinambá na Bike Som Maria Lira FM: transmissão do conteúdo da rádio ribeirinha em várias plataformas (Foto: Arquivo Pessoal)

Rádio e resistência

Com os recursos levantados através da campanha nas redes sociais, a emissora – agora Rádio Ribeirinha Murukutu – instalou seu estúdio, também sede do instituto, na comunidade Porto do Ceasa, no bairro do Curió Utinga, na periferia de Belém, às margens do Rio Guamá. O comunicador conta que a comunidade está situada num território histórico, arqueológico e ancestral, originalmente ocupado pelos indígenas no Levante Tupinambá de 1617, durante a luta contra a dominação colonial e a destruição das tabas indígenas para fundação de Belém. Foram os indígenas Tupinambá denominaram o lugar de Murukututú.

Essa mudança para o território Murukutu significou mais uma etapa de transformação nos formatos e modo de produção dos conteúdos da rádio, com lançamento de site e canal no Youtube, além de mais oficinas para comunicadores. “Erguemos alicerce neste território para afirmar que somos o espírito guerreiro Tupinambá que ronda o Murukutu, guardiões das matas do Utinga, em batalha da retomada ancestral”, frisa Ângelo. A comunidade onde fica a sede da rádio é vizinha a uma área de preservação ambiental (o Parque Estadual de Utinga) e ao engenho Murucutu, cujas ruínas são tombadas como patrimônio histórico e arqueológico. “Difundimos informações e debates sobre questões ambientais e os direitos dos povos originários”, conta o comunicador.

É uma oportunidade para amplificar o alcance da comunicação popular e comunitária na Amazônia, potencializando lutas populares por justiça climática nos territórios e comunidades tradicionais

Ângelo Tupinambá
Comunicador e cientista social

A Rádio Murukutu e o Instituto Idade Mídia estão desenvolvendo os Laboratórios de Comunicação Popular sobre Mudanças Climáticas, Territórios e Segurança Alimentar, um programa de educação ambiental sobre os impactos das mudanças climáticas e suas consequências nos territórios e comunidades tradicionais – também com apoio da Internews – e conta com a participação de jovens comunicadores. A emisssora também lançou campanha “Vozes do Murukutu – Ribeirinhos por Participação Popular”, que Ângelo Tupinambá define como uma “jornada de mobilização e formação” – são debates promovidos pela rádio para a ajudar na elaboração de Protocolos de Consulta Prévia Livre e Informada, pelas comunidades tradicionais localizadas na Área de Proteção Ambiental Metropolitana (APA) de Belém do Pará.

Recentemente, a Rádio Murukutu ficou entre os 30 selecionados do edital oferecido pela Agência de Impacto Social IARA (Inovação e Aceleração na Região Amazônica)v, oltado para organizações que atuam e contribuem para o avanço da justiça climática nos territórios amazônicos. E desenvolve ainda outros projetos de comunicação comunitária como o curso livre de Língua Geral da Amazônia Nheengatu, o Podcast Escrita Parawara, série de episódios para podcast e streaming sobre o exercício da escrita e oralidades poéticas, com entrevistas de escritores paraenses. e COPCast Belém, que debate temas ambientais com foco na cidade sede da COP30. Serão especiais do COPCast Belém que Ângelo pretende produzir nos Emirados Árabes.

Empossado em outubro, após ser eleito por sua comunidade, como integrante do Fórum Municipal sobre Mudanças Climáticas (FMMC), um órgão consultivo formado por 68 representantes da sociedade civil, de instituições de ensino e pesquisa e de órgãos governamentais, o comunicador pretende levar as vozes dos ribeirinhos e dos povos originários para os debates. O fórum vai promover também reuniões periódicas abertas de mobilização visando a participação popular participará da organização da COP30, marcada para 2025, em Belém.

Na última semana de outubro, o criador da Rádio Murukutu esteve em Alter do Chão, ao lado dos outros nove selecionados pelo projeto Get Ready for COP, para debater a emergência climática e, principalmente, seus impactos na região amazônica: estavam presentes ainda lideranças indígenas e ribeirinhas locais, além de especialistas do clima, jornalismo e comunicação popular.  O encontro fez parte da preparação do grupo para o trabalho durante a COP28, nos Emirados Árabes. “É uma oportunidade para amplificar o alcance da comunicação popular e comunitária na Amazônia, potencializando lutas populares por justiça climática nos territórios e comunidades tradicionais”, afirma o comunicador., frisando que sua emissora ribeirinha é uma trincheira de luta política e um espaço de diálogo democrático que busca reunir articulações, redes e coletivos. “A Rádio Murukutu é resistência e vamos transmitir isso de Dubai”.

João Paulo Guimarães

João Paulo Guimarães, paraense de 43 anos, é foto documentarista e
foto jornalista freelancer para as agências AFP e Pública e para os sites Jornalistas Livres, Metrópoles e Projeto Colabora.

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