ODS 1
As oportunidades de um Brasil mais idoso e mais feminino
Escolaridade maior das mulheres e investimentos em saúde, educação e infraestrutura podem ajudar a construir uma nação mais próspera
O Brasil está ficando mais idoso e mais feminino. Estas duas tendências estão profundamente interconectadas, pois existe um processo de feminização do envelhecimento populacional, já que os homens predominam no grupos etários mais jovens e as mulheres possuem um peso proporcionalmente maior nas idades mais avançadas. A proporção de mulheres tende a aumentar na sociedade com as conquistas de uma maior longevidade da população.
O IBGE divulgou os dados da população brasileira, por sexo e idade, coletados pelo censo demográfico 2022, para todos os municípios do país. O censo demográfico é a única pesquisa planejada para visitar todos os domicílios de um país e para traçar um panorama detalhado das características sociodemográficas e espaciais de todo o território nacional. Estes dados são fundamentais para a formulação das políticas públicas e para as decisões de investimento da iniciativa privada.
Leu essa? O Brasil terá quase 70 milhões de idosos em 2050
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamos
Os dados do universo populacional, em suas múltiplas escalas, são essenciais para o cálculo de todos os indicadores sociais, pois sem um denominador bem definido é impossível calcular corretamente as taxas de escolarização, emprego, desemprego, aposentadoria, vacina etc. O censo demográfico anterior ocorreu em 2010 e o censo previsto para 2020 foi adiado por conta da pandemia da covid-19 e da falta de comprometimento e de recursos disponibilizados pelo Governo Federal, gestão 2019-2022. A defasagem estatística prejudica o planejamento das atividades do dia a dia nas mais diversas áreas.
A tabela abaixo mostra a população brasileira por grandes grupos etários. A população total era de 93,1 milhões de habitantes em 1970 e passou para 203,08 milhões em 2022, aumentando 2,2 vezes no período. A população jovem, de 0 a 14 anos, passou de 39,1 milhões em 1970 para 40,1 milhões em 2022, ficando praticamente do mesmo tamanho. A população em idade ativa, de 15 a 64 anos, era de 50,9 milhões e passou para 140,8 milhões, um aumento de 2,8 vezes entre 1970 e 2022.
A população idosa, de 65 anos e mais de idade, era de 2,95 milhões de pessoas em 1970 e passou para 22,2 milhões de pessoas em 2022, um salto de 7,5 vezes em 52 anos. Os idosos de idade mais avançada, aqueles de 80 anos e mais, eram 451 mil indivíduos e passou para 4,6 milhões de indivíduos, decuplicando entre 1970 e 2022.
Portanto, o Brasil está passando por um rápido processo de envelhecimento e, ao mesmo tempo, há um envelhecimento do envelhecimento, com o grupo de idosos mais do topo da pirâmide etária avançando de maneira mais veloz. O número de brasileiros com 100 anos e mais de idade chegou a 37,8 mil no censo 2022.
O envelhecimento populacional e o 1º bônus demográfico no Brasil
O envelhecimento populacional é um processo que transcorre ao longo de muitas décadas. Ele começa de forma simultânea ao início da transição da fecundidade. No Brasil, a taxa de fecundidade total (TFT) estava acima de 6 filhos por mulher até os anos de 1960 e começou a cair no início da década de 1970. Quando a média de filhos por mulher diminui, automaticamente, inicia-se uma redução da base da pirâmide populacional, seguido de um alargamento dos grupos adultos da estrutura etária.
O gráfico abaixo mostra a percentagem da população brasileira a partir de 3 grupos: jovens (0-14 anos), adultos (15-64 anos) e idosos (65 anos e mais de idade), com base nos dados dos censos demográficos do IBGE. Nota-se que o percentual de jovens diminuiu aproximadamente pela metade, passando de 42% em 1970 para 19,8% em 2022. O grupo considerado em idade produtiva (15-64 anos) aumentou de 54,7% para 69,3% no período e o grupo de idosos (65 anos e +) passou de 3,2% em 1970 para 10,9% em 2022.
A transição demográfica é uma conquista civilizatória. Com a redução das taxas de mortalidade e o aumento da sobrevivência dos filhos, os casais puderam dedicar menos tempo às tarefas reprodutivas e trocaram o investimento na quantidade de crianças, para o investimento na qualidade de vida dos filhos. Uma juventude com maiores níveis de escolaridade e saúde é essencial para o futuro do país.
Na configuração demográfica antiga, as mulheres não tinham autonomia e nem grandes perspectivas profissionais, pois além da alta mortalidade materna, tinham baixa extensão do tempo de sobrevivência e passavam a maior parte da vida dedicadas à maternidade, ao cuidado dos filhos e ao trabalho doméstico familiar. A transição da fecundidade contribuiu para o empoderamento feminino.
O fato é que nenhuma nação do mundo avançou, em termos econômicos e sociais, com a prevalência de altas taxas de mortalidade e elevadas taxas de fecundidade. Todo país que experimentou a melhoria dos indicadores sociais e a conquista da prosperidade do desenvolvimento humano passou, necessariamente, pela redução do percentual do número de crianças e adolescentes.
Da mesma forma, nenhuma nação do mundo conseguiu prosperar, eliminando a pobreza e a fome, sem o aumento da proporção de pessoas em idade ativa. Um país de sucesso é aquele que investiu em educação e saúde por múltiplas gerações sucessivas e ofereceu pleno emprego e trabalho decente para todas as pessoas em idade ativa, pois o trabalho produtivo é a base da riqueza das nações.
Mas a mudança da estrutura etária tem 3 grandes fases. Na primeira fase, diminui a proporção da população jovem, aumenta a proporção da população em idade ativa e se mantém mais ou menos estável a população idosa. Na segunda fase, a população em idade ativa continua aumentando juntamente com a população idosa. Na terceira fase, os grupos jovens e adultos diminuem, enquanto cresce o número e a proporção da população idosa.
As duas primeiras fases descritas acima constituem o período do chamado 1º bônus demográfico. Todo país rico (com alto Índice de Desenvolvimento Humano – IDH) passou pela mudança da estrutura etária e aproveitou a sua janela de oportunidade demográfica. Perder o bônus é perder uma oportunidade única na histórica e significa ficar preso na armadilha do subdesenvolvimento e da renda média.
O gráfico abaixo apresenta a razão de dependência demográfica (RD) para jovens, idosos e total. Nota-se que o Brasil tinha uma elevada razão de dependência em 1970, fundamentalmente devido à alta RD dos jovens. Entre 1970 e 2010, a RD dos jovens diminuiu e a RD dos idosos ficou praticamente constante. Entre 2010 e 2022, a RD dos jovens continuou caindo, enquanto a RD de idosos passou a aumentar mais rapidamente.
Os últimos 50 anos têm sido o período dourado do 1º bônus demográfico e 2022 parece ser o auge das condições demográficas favoráveis no Brasil. Tudo indica que a janela de oportunidade vai começar a se fechar daqui para a frente, pois a RD dos idosos irá aumentar rapidamente nas próximas décadas.
A razão de dependência demográfica é um indicador que mede a relação entre a população dependente e a população economicamente ativa. Ela é frequentemente usada para analisar a carga de sustentar pessoas que não estão trabalhando e, portanto, dependem daqueles que estão economicamente ativos. A população dependente geralmente inclui crianças e idosos, que não estão envolvidos no mercado de trabalho e precisam ser apoiados financeiramente por aqueles que estão trabalhando.
O IBGE ainda não atualizou as suas projeções populacionais, mas tudo indica que o Brasil terá cerca de 15 anos para aproveitar os últimos momentos do 1º bônus demográfico. Portanto, o tempo é curto para o país aproveitar as condições favoráveis e para dar um salto nas condições de vida da população. Enriquecimento e envelhecimento são dois fenômenos gêmeos e ocorrem de maneira sincrônica. Todavia, a regra internacional é enriquecer antes de envelhecer plenamente.
O superávit de mulheres e o bônus demográfico feminino
Além de ficar mais idoso, o Brasil está ficando mais feminino e isto pode ser um trunfo para alavancar o desenvolvimento nacional.
O Brasil teve maioria de homens na população durante a maior parte de sua história. O gráfico abaixo mostra que havia 317,3 mil homens a mais que mulheres no primeiro censo realizado em 1872. Este superávit permaneceu nas décadas seguintes e era de 252 mil homens em 1920. Em 1930 não houve censo. Em 1940 houve virtualmente um empate. Mas partir de 1950 o superávit feminino aumentou e ultrapassou 6 milhões de pessoas em 2022.
As razões para a feminização da população brasileira são múltiplas, mas é possível dar uma explicação simples constatando que as taxas de mortalidade das mulheres são bem menores do que as taxas de mortalidade masculinas. Aliás, este fenômeno não é exclusivo do Brasil, pois acontece em todos os países do mundo. O que difere é o padrão e o nível das taxas de mortalidade.
A razão de sexo ao nascer é um fenômeno universalmente favorável aos homens. Isto é, em todos os países nascem mais homens do que mulheres. Por conta disto, os homens são maioria nos grupos etários mais jovens. Mas as mulheres passam a ser maioria cada vez mais significativa com o avanço dos grupos de idade, pois o sexo feminino possui expectativa de vida superior à dos homens.
O gráfico abaixo mostra os grupos etários com superávit de homens e com superávit de mulheres para o mundo, os EUA e o Brasil, no ano de 2022. Nota-se que os homens são maioria até aproximadamente o meio da distribuição e as mulheres são maioria na parte superior.
Mas na média mundial os homens são maioria até o grupo etário 45-49 anos e as mulheres passam a ser maioria a partir do grupo 50-54 anos. Nos primeiros grupos etários, no mundo, o superávit masculino está em torno de 3%, enquanto no grupo etário 75-79 anos o superávit feminino é de 12%.
Nos EUA os homens são maioria até o grupo etário 40-44 anos e as mulheres passam a ser maioria a partir do grupo 45-49 anos. Nos primeiros grupos etários dos EUA, o superávit masculino está em torno de 2%, enquanto no grupo etário 75-79 anos o superávit feminino é de 10%.
No Brasil os homens são maioria até o grupo etário 20-24 anos e as mulheres passam a ser maioria a partir do grupo 25-29 anos. Nos primeiros grupos etários brasileiros, o superávit masculino está em torno de 2%, enquanto no grupo etário 75-79 anos o superávit feminino é de 14%. Portanto, quanto mais idoso for o Brasil, mais feminina será a população do país.
Por conseguinte, o Brasil é bem mais feminino do que a média mundial e mais feminino do que a situação dos EUA. Em 2022, a razão de sexo da população mundial foi de 101, ou seja, havia 101 homens para cada 100 mulheres. Nos EUA a razão de sexo foi de 98, com 98 homens para cada 100 mulheres. No Brasil a razão de sexo foi de 94,2, sendo 94,2 homens para cada 100 mulheres.
Indubitavelmente, as mulheres brasileiras são e continuarão sendo maioria da população e, também, serão parte fundamental de qualquer solução para os problemas nacionais. Além do mais, as mulheres possuem maiores níveis de escolaridade do que os homens, pois são maioria em todos os níveis de ensino, inclusive no mestrado e doutorado.
O sexo feminino obteve inúmeras vitórias nos últimos 100 anos, especialmente depois da conquista do direito ao voto em 1932. As mulheres reverteram as desigualdades de gênero na saúde e na educação e conseguiram reduzir as desigualdades no mercado de trabalho. O grande aumento da quantidade de trabalhadores no Brasil se deveu à crescente inserção feminina no mercado de trabalho. Por isto se diz que o bônus demográfico no Brasil é feminino.
Porém, devido à recessão econômica de 2016 e 2017, da pandemia da covid-19, da segregação ocupacional e da discriminação salarial, a taxa de atividade feminina no mercado de trabalho está estagnada no último decênio e permanece abaixo das taxas masculinas. O Brasil não terá futuro próspero se continuar desperdiçando todo o vasto potencial produtivo da força de trabalho feminina.
O Brasil vai enriquecer antes de envelhecer plenamente?
O Brasil era uma nação rural, pobre e jovem na maior parte dos primeiros 150 anos da Independência (1822-1972). Mas o país foi mudando ao longo do tempo e nos últimos 50 anos passou a ser majoritariamente urbano, de renda média e menos rejuvenescido.
A estrutura etária brasileira começou a mudar no início da década de 1970 e, desde então, tanto a renda per capita, quanto a proporção de idosos aumentou. O desenvolvimento e o envelhecimento são fenômenos sincrônicos da modernidade. Mas a experiência internacional mostra que os países que alcançaram a prosperidade tiveram a riqueza e o bem-estar crescendo mais rápido do que o ritmo da mudança da estrutura etária. No Brasil, os dois vetores estão desenrolando em ritmo disjuntivo, pois o aumento da renda per capita tem seguido uma velocidade inferior ao avanço do envelhecimento populacional.
Isto acende o sinal de alerta, pois o Brasil pode envelhecer antes de enriquecer e ficar eternamente preso na armadilha da renda média. Os países ricos possuem renda per capita, em poder de paridade de compra, acima de US$ 30 mil e um IDH de no mínimo 0,850. O Brasil está no meio do caminho, pois ainda é um país de renda média (US$ 15 mil) e tem um IDH de 0,754.
O Brasil precisa dobrar a renda per capita e galgar melhores posições no ranking do IDH. Mas, o 1º bônus demográfico brasileiro termina na próxima década. Sem dúvida, os desafios serão maiores, embora não seja o fim da linha. O país ainda pode contar com o 2º bônus demográfico (bônus da produtividade), uma vez que a redução do volume de trabalhadores pode ser compensada por trabalhadores mais produtivos se houver investimentos adequados na saúde, educação, infraestrutura, comunicação, ciência e tecnologia etc.
Por fim, o Brasil pode contar com o 3º bônus demográfico (bônus da longevidade). O aumento do volume e da proporção de idosos pode ter efeitos benéficos para a economia se o país contar com o envelhecimento saudável e ativo, uma vez que o grande contingente de pessoas da terceira idade deve ser encarado como um ativo e não com um passivo.
São muitas as possíveis soluções para as adversidades brasileiras. Existem desafios e oportunidades no fato de o Brasil estar ficando mais idoso e mais feminino. Mas ao invés de condenar a inexorável dinâmica demográfica brasileira, o mais correto é entender e assumir que os idosos e as mulheres, ao invés de obstáculos, são partes essenciais das soluções para se construir uma nação próspera, com justiça social e ambiental e com uma sociedade alicerçada nos princípios da liberdade e da felicidade.
José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.