ODS 1
MPF e defensorias investigam impacto socioambiental de usinas eólicas e solares
Apuração conjunta começou após denúncias de danos ao meio ambiente, à saúde da população e ao patrimônio histórico e arquitetônico
A partir de denúncias encaminhadas ao Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU) e Defensoria Pública da Paraíba (DPE/PB), procuradores e defensores deflagraram uma investigação conjunta sobre o impacto socioambiental de usinas eólicas e solares construídas em áreas de comunidades tradicionais, assentamentos da reforma agrária e territórios quilombolas no estado. “Embora se diga que essas energias renováveis são limpas, elas geram um impacto ambiental e, especialmente, socioeconômico, desproporcional na localidade onde são implantadas”, afirma o defensor público federal Edson Andrade, em comunicado conjunto divulgado pelos órgãos.
Leu essa? Marcha de mulheres alerta para impactos de projetos de energia renovável
De acordo com a Defensoria Pública da União, a partir de envio de ofícios e coletas de informações com as populações atingidas, foram identificados, pelo menos, seis eixos de problemas causados pelas usinas de energias renováveis: abusividades contratuais, especialmente a ausência de transparência e de acesso à informação pelas populações atingidas; danos ambientais expressivos e burla à fiscalização ambiental adequada; danos à saúde das populações; dano ao patrimônio histórico e arquitetônico; poucos impactos sociais positivos; e muitos impactos sociais negativos. O defensor Edson Andrade sustenta que já está constatado um fracionamento nesses parques de energia renovável para fugir da fiscalização ambiental tradicional que se faz por meio do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto Ambiental (Rima).
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamosDe relatório do Tribunal de Contas do Estado sobre auditoria em políticas públicas de combate à desertificação no Semiárido, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) registra, na Paraíba, 67 geradores de energia eólica e 68 geradores de energia solar que participam da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). O relatório também aponta que 38 municípios declararam a existência de empreendimentos de energia eólica e/ou fotovoltaica em seus territórios. Dados do portal do governo da Paraíba informam que o estado tem cerca de 160 parques instalados e em processo de implantação em vários municípios.
O procurador José Godoy destaca que a produção de energia renovável não pode significar impacto excessivo para agricultores familiares, quilombolas e comunidades tradicionais do Semiárido nordestino, gerando uma situação em que estes ficam com os impactos negativos e o restante da sociedade fica com as benesses e positividades desses empreendimentos. “A política pública de energia renovável precisa precificar e ressarcir as comunidades do potencial energético, seja vento ou luz solar, processado a partir das pequenas propriedades rurais, porque é injusto que os contratos levem em consideração apenas o uso do espaço territorial. O sol que tanto castigou o sertanejo precisa também beneficiá-lo agora que adquiriu valor para o mercado”, afirma o representante do MPF.
As denúncias investigadas pelo MPF, a DPU e a DPPE sobre os impactos negativos relatados decorrentes da instalação de usinas eólicas e solares na Paraíba estão desmatamento de vegetação nativa em extensas áreas para a fixação de pás giratórias ou de células fotovoltaicas, causando graves prejuízos à biodiversidade; rachaduras em paredes de casas e de cisternas causadas por explosões e pelo transporte por caminhões das gigantescas estruturas das usinas eólicas; comunidades rurais afetadas pela fuga de famílias para a zona urbana por conta da instalação das usinas; danos à saúde mental decorrentes do barulho das torres das usinas eólicas; risco de dano a sítios arqueológicos; silêncio imposto a camponeses que arrendam suas terras por meio de cláusulas de sigilo nos contratos.
A defensora pública estadual Fernanda Peres aponta que um dos grandes prejuízos causados pelas usinas de energias renováveis é seu impacto nos descendentes dos agricultores familiares, das comunidades tradicionais e dos quilombolas, que tem no trabalho uma tradição que passa de geração a geração. “Com a instalação das torres, os filhos não terão mais como desenvolver as atividades exercidas há anos pelos pais e avós, o que provocará inevitável êxodo e desemprego dessas pessoas no futuro, porque perderão o meio tradicional de trabalho”, alerta. “Temos que nos atentar que é uma região sensível e não houve nenhum estudo acerca dos impactos ambientais. Por ser uma região de vegetação mais sensível, há risco, inclusive, de desertificação, como já ocorreu em outros locais”, acrescenta a defensora.
De acordo com o MPF, estão sendo analisadas ações judiciais e outras medidas em relação a possíveis prejuízos previdenciários aos agricultores, danos decorrentes da retirada da vegetação nativa, danos nos sítios arqueológicos tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), além de sugestões para o aprimoramento da legislação para garantir “licenciamento ambiental real e concreto” e “para mitigar o impacto negativo ambiental econômico e social causado às comunidades rurais”. Procuradores e defensores também devem convocar audiência pública para esclarecer a opinião pública sobre os aspectos negativos dessas alternativas energéticas.
Falta de informação e transparência
Na semana passada, integrantes dos três órgãos se reuniram, na sede do MPF em João Pessoa, com representantes do Centro de Ação Cultural (Centrac), que atua com agricultores familiares; da Coordenação Estadual das Comunidades Negras e Quilombolas da Paraíba (Cecneq-PB), da Associação de Apoio aos Assentamentos e Comunidades Afrodescendentes da Paraíba (Aacade-PB), e da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Eles reclamaram da forma individual como cada pequeno proprietário é abordado pelos representantes das usinas eólicas e solares, a fim de ser convencido a vender ou arrendar a propriedade rural onde será construída a estrutura de uma usina eólica ou solar: os contratos de arrendamento das terras, de acordo com as entidades, são firmados e mantidos sob sigilo, impossibilitando a verificação das cláusulas e valores.
Na ocasião, o advogado Claudionor Vital Pereira, representante do Centrac, criticou o que chamou de fenômeno da ‘territorialização das energias’: como os contratos são feitos por longos períodos (20 anos ou mais) e são renováveis automaticamente, na sua visão, os arrendamentos acabam se tornando, na realidade, uma forma de apropriação das propriedades rurais pelas empresas. “Quando falo em territorialização das energias me refiro às transformações nas formas de apropriação dos territórios e seus recursos naturais, quando as empresas de geração de energia, ao ocuparem as terras onde serão instalados os empreendimentos, passam a exercer o controle sobre a gestão e o uso destes territórios e a se apropriar privadamente dos seus recursos energéticos (eólicos e solares), causando transformações nos modos de uso e ocupação da terra”, argumentou Vital.
No mesmo encontro a Coordenação Estadual das Comunidades Negras e Quilombolas da Paraíba informou que está produzindo diagnóstico social sobre o impacto das usinas eólicas e solares instaladas nos territórios ou nas proximidades de territórios quilombolas no estado. De acordo com vice-presidente da Ceqneq/PB, Josiel Alves, o levantamento, iniciado em fevereiro, já aponta seis comunidades que serão atingidas pela construção em breve dessas usinas. Outras quatro estão sendo impactadas pelas estruturas já implantadas em seus territórios. Numa dessas comunidades, o parque eólico passa a 400 metros de distância das casas das famílias, registra o diagnóstico em produção pela Ceqneq. De acordo com líder quilombola, as empresas só informam as vantagens que as pessoas vão ter, como o valor que vão receber pelo arrendamento da terra e os benefícios a serem promovidos pela empresa na comunidade como a construção de galpões e a realização de oficinas de formação. “O impacto que a empresa informa para a comunidade é que as pessoas não podem transitar nas proximidades do local em que vai ser instalado o parque”, relatou Alves.
Na mesma semana em que procuradores e defensores se reuniram com as entidades, foi inaugurado na Paraíba o primeiro complexo associado de geração de energia eólica e solar no Brasil. O complexo eólico solar está localizado no município de Santa Luzia, no Sertão paraibano e se espalha por uma extensão de 8,7 mil hectares nos municípios de Santa Luzia, Areia de Baraúnas, São José de Sabugi e São Mamede. Constituído por 15 parques, o complexo abriga 136 aerogeradores com capacidade total instalada de 471 MW. O investimento para a sua construção foi de R$ 3 bilhões.
Relacionadas
Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade