Quem vai pagar a conta das guimbas de cigarro?

Prejuízo causado pela indústria do fumo na área da saúde e do meio ambiente é incalculável. Espanha decide cobrar das empresas

Por Agostinho Vieira | ArtigoODS 14ODS 3ODS 6 • Publicada em 18 de janeiro de 2023 - 13:05 • Atualizada em 30 de janeiro de 2024 - 14:42

No centro de Roma, uma gaivota segura uma bituca de cigarro no seu bico. Foto Tiziana Fabi/AFP

Todo cidadão tem o direito inalienável de cometer suicídio, lenta e gradualmente, fumando um maço de cigarros por dia. Este artigo da Constituição ou da Declaração Universal dos Direitos Humanos, obviamente, não existe. Acabou de ser criado por mim. Não existe, mas é como se existisse, pois é assim que funciona há muito tempo. O problema, porém, não é apenas a morte lenta e gradual dos fumantes, mas o impacto que eles causam para as outras pessoas, os não fumantes, a saúde pública de um modo geral e para o meio ambiente. Sem contar todos os traumas pessoais e familiares envolvidos. E pior: ninguém se sente muito responsável por isso.

Leu essa? Catadores enfrentam preconceito, miséria e insegurança

Um estudo realizado pela pesquisadora da Fiocruz Márcia Pinto, com base em valores de 2011, intitulado “Carga das Doenças Tabaco Relacionadas para o Brasil”, estimou em R$ 21 bilhões por ano o custo do tabagismo nacional para o sistema de saúde. A pesquisa analisou um total de 2.442.038 casos de doenças e, destes, 34% foram atribuíveis ao tabagismo. Estes números atualizados chegam a R$ 40 bilhões ou 8,04% de todo gasto em saúde. Já os custos indiretos, como produtividade perdida, incapacidade e morte prematura giram em torno de R$ 17 bilhões. Ou seja, uma perda anual de R$ 57 bilhões. Para quem gosta de comparações, o déficit previsto no Orçamento da União, em 2023, é de R$ 231,55 bilhões. Se todos parassem de fumar, hoje, o buraco nas contas públicas seria reduzido em cerca de 25%. Ah, mas tem os impostos que a indústria do fumo paga, e que não são poucos. Certo? Verdade, mas o dinheiro que entra nos cofres públicos não chega nem perto de cobrir os prejuízos: R$ 13 bilhões, ou 23% do que é gasto.

Em Berlim, uma lixeira é transformada em urna. Os votos são as guimbas de cigarro. E a pergunta? "Você sabia que uma bituca descartada polui até 60 litros de água?" Foto Kira Hofmann/DPA via AFP
Em Berlim, uma lixeira é transformada em urna. Os votos são as guimbas de cigarro. E a pergunta? “Você sabia que uma bituca descartada polui até 60 litros de água?” Foto Kira Hofmann/DPA via AFP

Se a conta não fecha na saúde, ela é incalculável na área ambiental. Imagens de pássaros ou tartarugas com uma bituca na boca são mais comuns do que se imagina. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o número estimado de fumantes no mundo é de 1,6 bilhão. Essa montanha de gente, maior do que a população da China, joga fora, em média, 7,7 guimbas de cigarro por dia. Ou seja, 12,3 bilhões de bitucas descartadas diariamente. De acordo com um relatório da NBC News, a guimba de cigarro polui mais o oceano do que as sacolas e os canudos plásticos.  Alguém vai dizer: “Mas eu não jogo guimba de cigarro praia. Na verdade, eu nem vou à praia”. Não precisa. Um dos esportes mais praticados pelos fumantes é o “lançamento de bituca à distância”. E essas pontas de cigarro frequentemente vistas nos bueiros perto dos bares ou na entrada das estações de Metrô têm endereço certo: o oceano.

Segundo a ONG Ocean Conservancy, que atua na limpeza de praias há 32 anos, foram encontradas neste período mais de 60 milhões guimbas no litoral. Isso equivale a um terço de todo o lixo recolhido nas praias de todo o mundo. O filtro dos cigarros é feito de acetado de celulose, um material plástico que pode levar mais de dez anos para se recompor. Quando se desintegram, formam microplásticos que são facilmente consumidos pelos animais que vivem no mar. Pesquisadores encontraram esse tipo de detrito em 70% das aves marinhas e em 30% das tartarugas. Uma tragédia anunciada.

Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.

Veja o que já enviamos

Mas afinal, quem vai pagar essa conta? A pergunta de alguns bilhões de dólares vem sendo feita há anos no mundo todo. Agora, o governo da Espanha resolveu seguir por um caminho novo e decidiu mandar o boleto para os fabricantes de cigarro. Ainda não está claro como a medida será posta em prática, mas o fato é que a indústria tabagista passará a ser financeiramente responsabilizada pela coleta das guimbas encontradas nas praias e ruas, assim como pelo devido transporte até as estações de tratamento de resíduos. O governo da Catalunha estima que tenha um custo entre 12 e 21 Euros por habitante, por ano, pela limpeza de restos de cigarros feitos em estradas e áreas costeiras.

Não é a primeira vez que o governo espanhol tenta organizar a bagunça e limpar a sujeira dos fumantes. Há alguns anos o ato de fumar cigarro já é proibido em todas as praias públicas de Barcelona e em outras 500 praias espanholas que já foram declaradas “livres do fumo”. Há quem diga que essas multas, cobranças e custos adicionais das empresas de tabaco serão simplesmente repassados para os consumidores, aumentando o preço do maço de cigarros. É provável. Quem sabe isso não se transforma em um ótimo incentivo para que eles abandonem o hábito? Se isso não for suficiente, tem um dado final que pode ajudar: segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), o tabagismo passivo causa 54 mil mortes por ano em crianças de 0 a 4 anos.

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

Newsletter do #Colabora

A ansiedade climática e a busca por informação te fizeram chegar até aqui? Receba nossa newsletter e siga por dentro de tudo sobre sustentabilidade e direitos humanos. É de graça.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *