ODS 1
Banana ou morango?
Como aproveitar um eletrodoméstico para aprender uma lição
São sete da manhã e já enfrento uma típica tragédia classe média: a geladeira pifada. Todos correm pela casa desesperados, como galinhas sem cabeça, tentando salvar a carne do almoço, a salada do jantar. No meio da confusão consigo falar com a assistência técnica: eles vêm por volta de meio dia. Um milagre. Estarei salvo da danação?
Martín segue para a escola preocupado com o refrigerador. “E o meu Danoninho?”. Ao menos o menino é focado.
Chega o técnico, dá uma olhada rápida, faz algumas perguntas e entrega o veredito:
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Veja o que já enviamos– Queimou a placa eletrônica. Tem que trocar.
Quanto custa o conserto?
– R$ 560.
!!!!!!!!!!!!!!!
Pago os 30 reais da visita e dispenso o rapaz.
Perdeu o trabalho quando disse “placa eletrônica”. Se ele tivesse dito módulo X, circuito Y ou qualquer gíria do mundo geek, ok. Mas placa eletrônica é algo que se fala para a avó centenária explicando como funciona um computador. Sou meio otário mas não gosto que esfreguem isso na minha cara. Comigo não, no pasarán!
A primeira providência depois da bravata é procurar ajuda no oráculo. Digito no Youtube: geladeira + placa eletrônica + troca. Tenho 2260 resultados.
Acerto no primeiro: num vídeo tão tosco que chega a ser comovente, um camponês explica a mágica: voce afasta a geladeira e embaixo, do lado do compressor, tem uma caixa branca, presa com dois parafusos. É só tirar, desplugar dois fios e abrir. Dentro está a placa, encaixada. Basta trocar, encaixar de novo, aparafusar e pronto. No fim do vídeo ouve-se uma vaquinha mugindo ao fundo. O capiau não é otário.
Só falta conseguir a tal placa. Ligo, de novo, para a assistência técnica: tem a placa eletrônica? Tem. Quanto custa? R$ 180
Tá ficando bonito.
Ligo então para outra assistência, não autorizada.
Tem a placa? Tem. Quanto custa? R$ 140.
Vou por mais.
O terceiro, velho conhecido de Copacabana.
Tem a placa? Tem, mas não é a original. Quanto custa? R$ 80.
Temos um vencedor.
Compro a peça e me lanço ao trabalho: empurro a geladeira, desaparafuso a caixa, abro, tiro os plugues, troco a placa e fecho tudo de novo. Cinco minutos. É impressionante a quantidade de dinheiro que a gente economiza deixando a preguiça de lado. Poupei R$ 450. Saboreio uma rara vitória sobre o sistema.
Melhor ainda do que economizar R$ 450 é poder dar uma lição de vida para o filho. Passo o resto do dia ensaiando meu discurso na sua volta da escola. A força de vontade, a economia, a nefasta cultura do descartável, a busca de soluções, entra tudo no meu arrazoado.
Martín chega e começo o show. Enquanto falo, ele abre a geladeira, pensativo. Meu discurso está fazendo efeito. Provavelmente lembrará dele durante toda vida, será o motor da sua engenhosidade, a força moral necessária para uma vida de sucesso. Sei que apesar de estar olhando para o refrigerador sua mente está ocupada com meus ensinamentos… Sinto que a plena paternidade é para poucos previlegiados. Como eu.
Finalmente ele fecha a porta e expõe sua profunda reflexão sobre minha aula:
– Papai, voce prefere Danoninho de banana ou morango?
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Leo Aversa fotografa profissionalmente desde 1988, tendo ganho alguns prêmios e perdido vários outros. É formado em jornalismo pela ECO/UFRJ mas não faz ideia de onde guardou o diploma. Sua especialidade em fotografia é o retrato, onde pode exercer seu particular talento como domador de leões e encantador de serpentes, mas também gosta de fotografar viagens, especialmente lugares exóticos e perigosos como Somália, Coreia do Norte e Beto Carrero World. É tricolor, hipocondríaco e pai do Martín.
Muito boa! Gostei da passagem do pânico à indignação salvadora, o caminho da mobilização. Não sei se que vale incluir uma frase sobre esta capítulo nesta experiência educativa do Martin.