O debate histórico sobre população e desenvolvimento econômico

População mundial foi multiplicada por nove nos últimos 250 anos, mas desigualdade, renda e ameaças ao meio ambiente cresceram muito mais

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 10 • Publicada em 19 de setembro de 2022 - 09:39 • Atualizada em 29 de novembro de 2023 - 10:05

O debate sobre população e desenvolvimento é um produto da modernidade. Antes da Revolução Industrial e Energética, a população e a economia global cresciam em ritmo muito lento e a renda per capita mantinha uma tendência de estagnação secular (ou um crescimento muitíssimo pequeno). Tudo mudou a partir do último quartel do século XVIII, quando se inicia o consumo massivo dos combustíveis fósseis e se incrementam as atividades industriais, que passaram a ser o centro dinâmico da economia.

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O gráfico abaixo mostra que a população mundial era de 860 milhões de habitantes em 1772 e deve alcançar 8 bilhões em 15 de novembro de 2022, um crescimento de 9,3 vezes em 250 anos. Mas o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu muito mais e foi multiplicado por 136 vezes no período. Portanto, a renda per capita global, a despeito das desigualdades, cresceu 15 vezes em 250 anos. Essa escalada extraordinária supera todo o crescimento nos 200 mil anos anteriores, desde o surgimento do Homo Sapiens. O impacto humano sobre o meio ambiente não tem correspondência no passado histórico.  E a maior parte dessa elevação ocorreu após o fim da Segunda Guerra Mundial. Nas últimas 7 décadas, a humanidade usou 1,5 vez mais energia do que nos 12 mil anos anteriores.

O debate sobre população e desenvolvimento no século XVIII e XIX

O autor mais influente da discussão sobre população e desenvolvimento foi o filósofo e economista escocês Adam Smith (1723-1790), que, em 1776, publicou o livro “A Riqueza das Nações”, mostrando que a chave da prosperidade das nações estava no desenvolvimento das forças produtivas, decorrentes da divisão social do trabalho. Ele tinha uma perfeita noção da importância da relação custo/benefício dos filhos e da sinergia entre a melhoria das condições econômicas e o crescimento populacional. Smith escreveu: “Os salários generosos pagos aos trabalhadores estimulam o casamento. As crianças durante os tenros anos da infância são bem alimentadas e adequadamente cuidadas, de sorte que, ao chegarem à idade adulta, o valor de seu trabalho supera em muito a despesa de sua manutenção” (…) “O marco mais decisivo da prosperidade de qualquer país é o aumento no número de seus habitantes” (1983, v.2, p.56).

Desta forma, percebe-se que Adam Smith tinha uma visão otimista da relação entre população e desenvolvimento, pelo menos até o fim inevitável do crescimento econômico, que deveria ocorrer em função do surgimento do Estado Estacionário. Ou seja, o crescimento demográfico e econômico de longo prazo tinha limitações intransponíveis e a estabilização da economia e da população estava no horizonte da economia clássica inglesa.

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Dois autores defensores dos princípios da Revolução Francesa e que apresentaram uma visão demográfica mais articulada, foram o Marquês de Condorcet (1743-1794) e William Godwin (1756-1836). Ambos eram herdeiros dos ideais libertários dos pensadores iluministas e da visão positiva entre população e desenvolvimento. Ambos, de maneira intuitiva, anteciparam o fenômeno da transição demográfica. Assim como Smith, eles viam uma relação inversa entre bem-estar e mortalidade, mas ao contrário do economista escocês, não consideravam que a natalidade aumentaria de maneira automática com o aumento da renda (Alves, 2002).

Condorcet e Godwin acreditavam que a humanidade iria vencer as altas taxas de mortalidade e, ao invés de uma explosão populacional, viam a possibilidade da autolimitação do número de filhos. Condorcet, por exemplo, escreveu da seguinte maneira sobre a queda da fecundidade: “… os homens saberão então que, se eles têm obrigações para com seres que não existem ainda, elas não consistem em dar-lhes a existência, mas a felicidade; elas têm por objeto o bem-estar geral da espécie humana ou da sociedade na qual eles vivem, da família à qual estão ligados, e não a pueril ideia de sobrecarregar a terra com seres inúteis e infelizes”. Segundo Amartya Sen, Condorcet inquiriu sobre a possibilidade de uma “explosão populacional”, mas acreditou na possibilidade da redução da fecundidade e na autodeterminação reprodutiva e não se deixando levar por visões escatológicas (Alves, 2002).

Contrapondo-se às visões otimistas dos três autores acima, o sacerdote da Igreja Anglicana, Thomas Malthus (1766-1834), publicou o polêmico Ensaio sobre População, em 1798, cujo título completo é: “Ensaio sobre o princípio de população e seus efeitos sobre o aperfeiçoamento futuro da sociedade, com observações sobre as especulações de Mr. Godwin, Mr. Condorcet e outros autores”. O princípio de população malthusiano dizia que a população tendia a crescer em progressão geométrica e a economia tendia a crescer em progressão aritmética. Assim, Malthus afirmava que o crescimento desenfreado da população impediria o bem-estar geral das pessoas, sendo a principal causa da pobreza, da miséria e da fome.

Ao revés do que pensava Condorcet e Godwin sobre a “perfectibilidade humana”, Malthus considera o ser humano inativo, apático e avesso ao trabalho. Por tudo isso, ele argumentava que somente um salário de subsistência poderia manter o equilíbrio entre a “população prolífera e a terra avara”, tendo sido contra a “lei dos pobres” na Inglaterra, contra a redução da jornada de trabalho e achava que qualquer aumento de salário além do nível de subsistência incentivaria o ócio e o desperdício e seria gasto pela população trabalhadora em “bebedeira e esbanjamento”.

O modelo malthusiano, deliberadamente, superestimava o poder de crescimento da população e subestimava a capacidade de crescimento dos meios de subsistência, utilizando a “lei de população” para justificar o salário de subsistência, em defesa da renda da terra, dos privilégios dos produtores agrícolas, do Clero e da Monarquia, além de justificar a inevitabilidade da pobreza. Malthus considerava que somente o salário de subsistência seria capaz de garantir o equilíbrio homeostático entre a população e o fundo de manutenção do trabalho. Ele tratava a fecundidade como uma variável independente sujeita apenas às limitações naturais da infertilidade. Ele defendia a ideia de que são os pobres os próprios responsáveis pela pobreza, justificando a ideologia de que a miséria, a fome e as guerras eram frutos inexoráveis do alto crescimento demográfico. Desta forma, Malthus argumentava que somente altas taxas de mortalidade (que ele chamava de freio positivo) poderiam controlar o crescimento populacional. No modelo malthusiano não havia a possibilidade de progresso do desenvolvimento econômico com aumento do bem-estar.

Mas ao contrário do pastor alarmista da Igreja Anglicana, Karl Marx (1818-1883) argumentava que a sociedade capitalista é capaz de produzir meios de subsistência em progressão bem superior ao crescimento demográfico. Para Marx, o “excesso” de população não é fruto de leis naturais como afirmava Malthus, mas sim um subproduto da lógica do capital, que, continuamente, gera uma mudança qualitativa de sua composição orgânica, com o permanente acréscimo de sua parte constante (meios de produção) às custas da parte variável (força de trabalho). Este processo produz uma “superpopulação relativa”, ou um “exército industrial de reserva”, que regula a oferta e a demanda de trabalhadores e o valor dos salários. O exército de reserva também proporcionaria a manutenção de um estoque humano à disposição da expansão do capital.

Desta forma, Marx rebateu o modelo malthusiano ao demonstrar que o valor dos salários depende da produtividade do trabalho e da repartição dos seus frutos. Marx não via a população como um obstáculo ao progresso civilizatório. Ao contrário, considerava que a população sofria as consequências da exploração capitalista, a qual permitia a apropriação privada dos frutos do trabalho coletivo. Para Marx, as questões demográficas e sociais seriam equacionadas não por meio de uma crise populacional, mas pela mudança nas relações de produção, ou seja, pela expropriação dos expropriadores. Contudo, Marx não chegou a elaborar um arcabouço teórico consistente sobre a dinâmica demográfica propriamente dita. Sua afirmação de que “todo modo histórico de produção tem suas leis próprias de população válidas dentro de limites históricos” contribui pouco para que sejam desvendadas as dinâmicas demográficas ao longo do tempo e não toca na questão dos limites do crescimento econômico.

Dentre os autores clássicos, o primeiro economista a lidar com profundidade sobre os limites do crescimento foi John Stuart Mill (1806-1873). Ele escreveu em meados do século XIX, quando a população mundial era de 1,4 bilhão de habitantes. Ou seja, mesmo escrevendo em uma época de baixo impacto da economia sobre o meio ambiente, Stuart Mill já falava em “condição estacionária”, tendo consciência dos limites ao crescimento e que o Estado Estacionário seria uma questão de tempo. A concepção ideal de sociedade para Stuart Mill envolvia uma melhor distribuição da renda e da propriedade e mais tempo para o lazer. Ele fez uma defesa do meio ambiente e da biodiversidade da seguinte forma:

“Por outro lado, não se sente muita satisfação em contemplar um mundo em que não sobrasse mais espaço para a atividade espontânea da Natureza;  um mundo em que se cultivasse cada rood (1/4 de acre) de terra capaz de produzir alimentos para os seres humanos, um mundo em que toda área agreste e florida, ou pastagem natural, fosse arada, um mundo em que todos os quadrúpedes ou aves não domesticados para o uso humano fossem exterminados como rivais do homem em busca de alimento, um mundo em que cada cerca-viva ou árvore supérflua fossem arrancadas, e raramente sobrasse um lugar onde pudesse crescer um arbusto ou uma flor selvagem, sem serem exterminados como erva daninha, em nome de uma agricultura aprimorada. Se a Terra tiver que perder a grande parte das comodidades que deve a coisas que o aumento ilimitado da riqueza e da população extirpariam dela, simplesmente para possibilitar à terra sustentar uma população maior, mas não uma população melhor ou mais feliz, espero sinceramente, por amor à posteridade, que a população se contente com permanecer estacionária, muito antes que a necessidade a obrigue a isso” (1983, p. 254).

Portanto, numa linguagem atual, poderíamos dizer que Stuart Mill defendeu uma relação harmoniosa entre economia, população e meio ambiente, maior liberdade e autonomia das pessoas, além de combater a visão utilitarista na qual o ser humano tem o direito de ocupar todos os espaços do Planeta. Ele foi o primeiro grande economista a ver de maneira positiva o fim do crescimento demográfico e econômico.

A transição demográfica e o desenvolvimento econômico

A transição demográfica é o fenômeno de mudança de comportamento de massa mais importante da história e acontece de maneira sincrônica com o desenvolvimento econômico. A transição de altas para baixas de mortalidade e natalidade acontece no longo prazo em um padrão que acontece, em ritmos diferentes, em todos os países do mundo. Primeiro caem as taxas de mortalidade, em função do aumento da renda, da educação, do maior acesso aos alimentos e dos avanços nas áreas médicas e de higiene (saneamento básico). Com a redução das taxas de mortalidade, especialmente da mortalidade infantil, aumenta a sobrevivência dos filhos e o número ideal de filhos passa a ser alcançado com uma fecundidade menor. Além disto, as exigências da sociedade urbano-industrial tendem a aumentar o custo e a diminuir os benefícios dos filhos. Assim, depois de um certo tempo do começo da transição da mortalidade, inicia-se a transição da fecundidade. As mesmas forças do desenvolvimento que derrubam as taxas de mortalidade também derrubam as taxas de fecundidade.

Em 1958, foi lançado o livro “População e desenvolvimento econômico”, de Coale e Hoover, visando a discutir a experiência dos países de baixa renda, exemplificados pelo caso da Índia e do México. Para os autores, a experiência da transição demográfica seria diferente nos países do Terceiro Mundo, pois a queda da mortalidade teria se dado de forma exógena sem grandes transformações da estrutura econômica interna nos países subdesenvolvidos o que dificultaria a queda da fecundidade e poderia deixar estes países presos na armadilha da pobreza.

Mas em 1979, o demógrafo Ansley Coale refez a análise e passou a ver o desenvolvimento como uma condição suficiente, mas não necessária à transição da fecundidade. Nesse sentido, ele rompe com o simplismo das análises neomalthusianas e reconhece que a redução da fecundidade pode ocorrer em diversos contextos socioeconômicos. Ele generaliza três condições que devem estar presentes em qualquer processo de transição: 1) o controle da fecundidade deve ser uma decisão consciente e racional; 2) os casais devem perceber benefícios e vantagens na regulação da fecundidade; 3) deve haver disponibilidade efetiva de métodos contraceptivos modernos (Alves, 2002).

Complementando esta racionalidade, o demógrafo australiano John Caldwell mostrou que só existem dois regimes de fecundidade (com exceção do período de transição): um regime em que prevalecem altas taxas de fecundidade e os pais ganham com um grande número de filhos e outro em que prevalecem baixas taxas de fecundidade e o custo dos filhos é maior que seus benefícios. Em ambas as situações o comportamento dos indivíduos é economicamente racional. No regime de alta fecundidade o fluxo intergeracional de riquezas (moeda, bens, serviços, proteção contra riscos etc.) vai dos filhos para os pais, ou das novas para as velhas gerações. No regime de baixa fecundidade o fluxo intergeracional se inverte, indo dos pais para os filhos, ou das velhas para as novas gerações. Ou seja, com o aumento do custo e a redução dos benefícios dos filhos a transição da fecundidade tende a se generalizar em todo o mundo (Alves, 2006).

De fato, as taxas de fecundidade estão caindo em todos os cantos do mundo, mesmo que em ritmos diferenciados, como mostra o gráfico abaixo. Os países de renda alta, com 1,25 bilhão de habitantes em 2022, tinham uma fecundidade de 3 filhos por mulher em 1950, chegaram abaixo do nível de reposição (2,1 filhos por mulher) em 1976 e vão ficar todo o século XXI com TFT de cerca de 1,7 filho por mulher. Os países de renda média alta, com 2,53 bilhões de habitantes em 2022, tinham mais de 5 filhos por mulher entre 1950 e 1970, chegaram ao nível de reposição em 1993 e a 1,7 filho por mulher em 2022, devendo se manter neste patamar no restante do atual século.

Os países de renda média baixa, com 3,43 bilhões de habitantes em 2022, tinham mais de 6 filhos por mulher entre 1950 e 1970, devem chegar ao nível de reposição em 2057 e a 1,8 filho por mulher no final do século. Já os países de renda baixa, com 738 milhões de habitantes em 2022, tinham mais de 6 filhos por mulher durante todo o século XX, chegaram a 4,5 filhos por mulher em 2022 e devem alcançar o nível de reposição em 2088, ficando com 1,99 filho por mulher em 2100. Mas a queda da fecundidade não significa uma crise demográfica, pois a população global no final do atual século ficará em torno de 10 bilhões de habitantes.

Os estudos demográficos mostram que os países de renda alta ou renda média alta conseguiram avançar com o desenvolvimento humano na medida que avançaram na transição demográfica e aproveitaram a janela de oportunidade gerada pela mudança da estrutura etária. Estes dois grupos de países, com quase metade da população global, progrediram em termos de bem-estar de seus habitantes na medida que atingiram níveis baixos de fecundidade. Os outros dois grupos de renda mais baixa poderão ter ganhos econômicos e sociais se aprofundar a transição demográfica, para tanto necessitam avançar na garantia dos direitos sexuais e reprodutivos e capitalizar os benefícios do 1º bônus demográfico.

População e desenvolvimento sustentável

A grande aceleração das atividades antrópicas gerou uma nova Era geológica – o Antropoceno – isto é, uma Era de exploração e dominação humana sobre a natureza e que se tornou uma ameaça à habitabilidade do Planeta. Não faltaram alertas feitos, no passado, por autores como Alexander von Humboldt (1769-1859), John Stuart Mill (1806-1873), Henry Thoreau (1817-1862), Rachel Carson (1907-1964) e vários outros. O alto crescimento demoeconômico dos últimos 250 anos fez a humanidade ultrapassar a capacidade de carga da Terra e acelerou o ritmo da crise climática e ambiental. Isto gerou o reconhecimento da necessidade de incluir a sustentabilidade ecológica no dístico população e desenvolvimento.

Em 1971, Nicholas Georgescu-Roegen, publicou o livro “The Entropy Law and the Economic Process”, onde mostra, com base na Primeira Lei da Termodinâmica, que o metabolismo do processo produtivo é entrópico e não cria nem consome matéria e energia, apenas transforma recursos de baixa entropia em calor e resíduos de alta entropia (GEORGESCU-ROEGEN, 1971). Em 1972, uma equipe de cientistas do Massachusetts Institute of Technology (MIT), publicou o livro “Limites do crescimento, um relatório para o Projeto do Clube de Roma sobre o Dilema da Humanidade”. Os autores identificaram cinco vetores que poderiam provocar um colapso social e ambiental: o ritmo acelerado de industrialização, o rápido crescimento demográfico, a desnutrição generalizada, o esgotamento dos recursos naturais não-renováveis e a deterioração ambiental. Estas tendências se inter-relacionam de muitos modos e o livro indica as consequências que poderiam acontecer num horizonte de cem anos (Alves, 2022).

A ONU, que foi criada em 1945, só organizou a 1ª Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, na Suécia, entre os dias 5 e 16 de junho de 1972. O título “Meio Ambiente Humano” expressa a dubiedade da Conferência que buscava discutir os problemas ambientais subordinados aos interesses da humanidade, refletindo uma antiga concepção antropocêntrica de que o meio ambiente pertence ao ser humano, quando, na realidade, é exatamente o contrário, pois todos os seres vivos pertencem à natureza, cada qual com o seu valor intrínseco. De qualquer forma, a Conferência de Estocolmo foi uma iniciativa marcante da governança global no sentido de promover a discussão de uma agenda ambiental junto à comunidade internacional.

Na década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais e em 1987 foi publicado o Relatório da Comissão Brundtland, onde é apresentado a definição mais aceita do Desenvolvimento Sustentável, como sendo aquele “capaz de suprir as necessidades das gerações presentes, sem comprometer a capacidade de atender as necessidades das gerações futuras. É o desenvolvimento que não esgota os recursos para o futuro”.

A concepção do Desenvolvimento Sustentável esteve no centro das deliberações da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como Eco-92 ou Cúpula da Terra, ocorrida no Rio de Janeiro de 3 a 14 de junho de 1992. Os principais desdobramentos da Eco-92 foram a Agenda 21, a Convenção da Biodiversidade e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima. Dez anos depois aconteceu a Conferência Mundial sobre Sustentabilidade, ou Conferência de Joanesburgo, a terceira grande Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente, realizada entre os dias 26 de agosto e 4 de setembro de 2002, na África do Sul. Em 2012, comemorando os 20 anos da Cúpula da Terra, foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, Rio + 20, ocorrida também na cidade do Rio de Janeiro.

No septuagésimo aniversário da ONU, em 2015, foram realizados três grandes eventos para formatar a agenda internacional pós-2015, ou Agenda 2030: a Terceira Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento (FpD3), em Addis Abeba, capital da Etiópia, de 13 a 16 de julho; a Cúpula do Desenvolvimento Sustentável da ONU, em Nova Iorque, de 25 a 27 de setembro, para aprovação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS); e a 21ª Conferência do Clima (Conferência das Partes, COP-21), em Paris, de 30 de novembro a 11 de dezembro, objetivando limitar o aumento da temperatura global em 1,5ºC ou no máximo 2ºC até 2100 (ALVES, 2015).

Sem dúvida, a agenda do Desenvolvimento Sustentável passou a fazer parte do dia a dia da governança global. Nunca se discutiu tanto as questões ecológicas. Todavia, o mundo nunca esteve tão perto de um colapso sistêmico global. A Organização Meteorológica Mundial (OMM), divulgou um relatório em maio de 2022, mostrando que houve recorde negativo em quatro indicadores-chave da crise climática em 2021: 1) concentrações de gases de efeito estufa, 2) elevação da temperatura global, 3) aumento do nível do mar e 4) acidificação dos oceanos. O documento da OMM alerta para o fato de que os ecossistemas estão se degradando a uma taxa sem precedentes e, dentre outros efeitos, comprometerá ainda mais o fornecimento de alimentos. A situação também é muito grave na perda de biodiversidade e na aceleração da 6ª extinção em massa das espécies.

Desta forma, enquanto se ampliava a discussão sobre desenvolvimento sustentável, foi ficando evidente que, na prática, o mundo conquistava cada vez mais desenvolvimento e cada vez menos sustentabilidade. As emissões de gases de efeito estufa aumentaram, assim como a concentração de CO2 na atmosfera que deveriam cair para 350 partes por milhão (ppm) e chegaram a 421 ppm em maio de 2022. O aumento médio tem sido de 2,5 ppm a cada ano. E não só isto, o mundo já ultrapassou 5 das 9 fronteiras planetárias e está entrando em uma “zona de perigo”, conforme mostra a figura abaixo do Stockholm Resilience Centre.

O artigo “Planetary boundaries: Guiding human development on a changing planet”, publicado na revista Science (STEFFEN et al. 15/01/2015) traçou um quadro dos limites planetários, definindo um espaço operacional seguro para a humanidade com base nos processos biofísicos intrínsecos que regulam a estabilidade do Sistema Terra. O estudo identificou nove dimensões centrais para a manutenção de condições de vida decentes para as sociedades humanas e o meio ambiente.

No referido artigo, foi constatado que quatro das nove fronteiras planetárias foram ultrapassadas: Mudanças climáticas; Perda da integridade da biosfera; Mudança no uso da terra; Fluxos biogeoquímicos (fósforo e nitrogênio). Duas delas, a Mudança climática e a Integridade da biosfera, são o que os cientistas chamam de “limites fundamentais” e tem o potencial de conduzir o equilíbrio do Sistema Terra ao colapso. Em outro artigo, publicado recentemente (PERSSON, L. et al, 2022), constatou-se que uma quinta fronteira foi ultrapassada, pois a poluição química rompeu o limite seguro para a sustentabilidade ambiental, sendo que os oceanos poderão ter mais plásticos do que peixes até 2050.

Levando em consideração as pesquisas e os estudos mais recentes, o mundo está reavaliando a cultura do crescimento econômico desregrado e começa a debater a perspectiva do decrescimento econômico como mostrou Jason Hickel, no livro “Less is more: Degrowth Will Save the World” (2021). Tem crescido o debate sobre os limites do crescimento e multiplicado as pesquisas e as publicações que tratam da ótica do decrescimento. Não menos importante é o conceito de Economia Donut elaborado pela economista Kate Raworth para incluir os limites planetários na concepção de um novo modelo de produção de bens e serviços (Alves, 2022)

Por conseguinte, a discussão sobre população e desenvolvimento tem agregado novos elementos de análise. Como as atividades antrópicas superaram a capacidade de carga da Terra e já ultrapassaram 5 das 9 fronteiras planetárias, cresce a preocupação com a crise climática e ambiental, com a necessidade de redução da Pegada Ecológica e com a restauração da Biocapacidade. A comunidade internacional enfrenta um impasse. Ao invés da harmonia do tripé economia, sociedade e ambiente o que a política global enfrenta é o trilema do crescimento com desigualdade social e degradação ecológica. E o tempo para remediar a situação está cada vez mais curto. O mundo vai chegar a 8 bilhões de habitantes em 15 de novembro de 2022 e a discussão das questões demográficas importam e não devem ser negligenciadas.

Referências:

ALVES, JED. A polêmica Malthus versus Condorcet reavaliada à luz da transição demográfica. Rio de Janeiro, Texto de discussão, n. 4, ENCE/IBGE, 2002

https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv1642.pdf

ALVES, JED. População, bem-estar e tecnologia: debate histórico e perspectivas, Multiciência, Unicamp, 2006 https://www.fef.unicamp.br/fef/sites/uploads/deafa/qvaf/a_02_6.pdf

MARTINE, G. ALVES, JED. Economia, sociedade e meio ambiente no século 21: tripé ou trilema da sustentabilidade? R. bras. Est. Pop. Rebep, n. 32, v. 3, Rio de Janeiro, 2015 (em português e em inglês)

https://www.scielo.br/j/rbepop/a/pXt5ZtxqShgBKDJVTDjfWRn/?format=pdf&lang=pt

ALVES, JED. Os 70 anos da ONU e a agenda global para o segundo quindênio (2015-2030) do século XXI, Rev. bras. estud. popul. 32 (3), Set-Dec. 2015

https://www.scielo.br/j/rbepop/a/MTLZnS4dmxZxq84GNkD539s/?lang=pt

ALVES, JED. Crescimento demoeconômico no Antropoceno e negacionismo demográfico, Liinc em Revista, RJ, v. 18, n. 1, e5942, maio 2022 https://revista.ibict.br/liinc/article/view/5942/5595

PERSSON, L et al. Outside the Safe Operating Space of the Planetary Boundary for Novel Entities, Environmental Science and Technology, American Chemical Society, 18/01/2022

https://pubs.acs.org/doi/10.1021/acs.est.1c04158

SMITH, Adam. A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. São Paulo, Abril Cultural, 1983

STUART MILL, John. Princípios de Economia Política. São Paulo, Abril Cultural, 1983

STEFFEN et. al. Trajectories of the Earth System in the Anthropocene, Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 115, n. 33, p.  8252-8259, 2018.

https://www.pnas.org/doi/10.1073/pnas.1810141115

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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