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A senha

E ofereceram ao Brasil a caixa com todas as soluções — mas precisa o código certo para abrir

ODS 13ODS 15 • Publicada em 1 de setembro de 2022 - 16:25 • Atualizada em 2 de setembro de 2022 - 12:21

O misterioso Índio do Buraco: guardião dos segredos de um povo. Reprodução
O misterioso Índio do Buraco: guardião dos segredos de um povo. Reprodução

— Olá, Brasil. Você de novo por aqui?

— Sim, mais uma vez, tentando resolver meus problemas. O mundo inteiro nessa fila, mas encarei de novo, porque preciso me livrar das minhas mazelas. O negócio está ficando sério.

— Ficou sério há uns 500 anos. Agora, nem se fala. Mas você não se emenda, Brasil. Esteve aqui várias vezes, prometeu que ia tomar jeito, a gente ajudou, deu os caminhos, explicou como deveria ser, mostrou exemplos… e você cada vez mais no erro.

— É difícil!!

Leu essa? O último representante de um povo

— Sempre essa conversa. É muita ingratidão. Fomos generosos com você, Brasil. Aquele litoral todo, as florestas… Seis biomas diferentes, todos lindos. Lembra da Mata Atlântica? Aquela floresta que subia pelas montanhas, à beira mar… E o que você fez? Botou no lugar dela um monte de metrópoles inviáveis, paliteiros cinzas, concreto para todo lado, fumaça, poluição. Sobrou nada.

— Nada, também não. Temos lá uns 10%…

— Fala sério, Brasil! Não estou aqui para perder tempo com deboche. E aquela baía desenhada com todo capricho? Está quase cimentada de tanto lixo que jogam nela! E o pior: as suas cidades são capitais do racismo, expresso no extermínio dos jovens negros. Dezenas de milhares por ano assassinados em chacinas, muitas delas provocadas pelas suas polícias ou na disputa burra das drogas. Você não sai desse atoleiro!

— Foram as administrações anteriores.

— A mesma conversa, Brasil? Igual à tragédia dos seus biomas. Nenhum outro ganhou tanta diversidade, tanta beleza – para tudo se perder. O Pampa quase não existe mais e agora, você acelerou a destruição do Cerrado, da Caatinga. As bacias hidrográficas estão secando por causa da devastação. O Pantanal virou novela duas vezes e continuam incendiando tudo, ano sim ano também. Vergonha mundial.

— Tem cada vez mais gente preocupada, a mobilização está aumentando…

— A derrubada das árvores e a poluição dos rios também, né? No noticiário da TV, divulgam como verdade a lenda de que o agronegócio é amigo do meio ambiente. Seria piada, se não fosse tragédia.

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— Vou cuidar da floresta, prometo.

— Você não tem mais credibilidade, Brasil. Esquece! Maldita hora em que aquelas caravelas chegaram. A maré desviou o caminho dos barcos, os portugueses desceram e você nasceu todo torto. Mais de 500 anos se passaram, e você não se emenda. Continua no erro!

— Não é fácil consertar os erros da colonização. A maior barbaridade da história humana. Basta ver o que a África ainda sofre. Estamos no mesmo barco.

— Mais ou menos. Você teve muita chance, mas preferiu deixar para depois, até nunca. O genocídio indígena, por exemplo: até hoje, em pleno 2022, está matando os povos da floresta. A essa altura do campeonato!

— Admito todos os erros e agora vou mudar. Não tem mais volta.

— Brasil, Brasil… Agosto acabou com novo recorde de queimadas na Amazônia. Mais de 31 mil focos de calor! O mundo está cansado de avisar: chegará um momento em que a floresta não vai mais se regenerar. Está perto! Mesmo com todos os sinais, as enchentes, a seca se espalhando, você continua no tal berço esplêndido, achando que vai dar certo. Muita coragem voltar aqui com o garimpo desenfreado, os rios engarrafados de tanto barco pirata, o mercúrio envenenando tudo. Perco até o fôlego com tanto descalabro.

— Resolvi voltar porque estamos perto de uma mudança importante. Acho que você vai se animar.

— Será? Porque de todos os absurdos, o que você fez em 2018 foi o mais bizarro. Onde você estava com a cabeça, Brasil? Como pode eleger… aquilo?!?!?!?!?!

— Pois é, por causa disso voltei e encarei essa fila toda outra vez. Vamos recomeçar do jeito certo. Estou com esperança. Pessimismo é o refúgio dos covardes, dos preguiçosos. Quero trabalhar na direção certa!

— Olha lá, Brasil, paciência tem limite…

— Confia! Confia!

— Bem, meu coração é mole, por isso fico ouvindo lamúrias nessa fila… Está vendo essa caixa aqui? A solução está dentro dela. Basta abrir que tudo vai clarear e seu caminho será virtuoso. Digite a senha e seja feliz!

— Senha?

— Sim, deixei com um homem que vive sozinho na floresta. Um indígena corajoso e solitário, o último de seu povo. Inclusive, orientei que ele não se aproximasse dos brancos, que são a praga maior. Que pessoa maravilhosa! Embrenhou-se na mata e vive em paz, entre os animais e árvores. Você, equivocado e preconceituoso como sempre, o apelidou de “Índio do Buraco”, mas tudo bem. Ele é o melhor guardião, um símbolo da resistência e da coragem dos povos originários, nunca permitiu a aproximação dos venenos que ameaçam o planeta. Só alguém com tamanha coerência – coisa rara, né, Brasil? – poderia guardar algo tão precioso. A senha está em segredo com ele há mais de 25 anos. Agora, você está autorizado a pegar e abrir a caixa das soluções.

— Ah, é que…

— O quê? Mais problema?

— O Índio do Buraco morreu. Acharam o corpo dele na floresta em Rondônia, deitado na rede e paramentado como se esperasse a morte.

— Ah, Brasil… Vou falar como naquela sua cidade, o Rio de Janeiro: aí, você me quebra. Volta pro fim da fila. Próximo!

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