ODS 1
Pandemia atropela o calendário das festas
Entre adiamentos e cancelamentos, grandes eventos brasileiros tentam sobreviver no cenário dramático da covid-19. Risco para a economia das cidades ronda os R$ 4 bilhões
A pandemia empurrou o calendário de festas brasileiras para o caos da incerteza. Entre adiamento e cancelamento, os realizadores tentam se adaptar à trágica realidade imposta pela covid-19. No Dia de São João de 2020, o #Colabora lista as decisões e articulações em torno dos principais eventos do país, que movimentam perto de R$ 4 bilhões na economia de suas regiões.
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São João – As duas maiores festas juninas do país escolheram caminhos diferentes na pandemia. A de Caruaru (PE), autodenominada “maior e melhor do mundo”, foi cancelada pela primeira vez em 40 anos, deixando um prejuízo de R$ 200 milhões para a cidade. A festa de 2019 atraiu cerca de 3 milhões de pessoas, gerando seis mil empregos diretos e 12 mil indiretos. Em 2020, seria de 5 a 24 de junho, Dia de São João. “Um sentimento muito estranho, misto de melancolia com angústia, saudade e tristeza”, resume o maestro Mozart Vieira, responsável pela abertura do evento, ao G1.
Campina Grande (PB) tenta ser mais otimista. Adiou a 37ª. edição de seu arraial (que duraria de 5 de junho a 5 de julho) para o período de 9 de outubro a 8 de novembro. O evento terá homenagens a Gabriel Diniz, um dos principais cantores de forró, morto em maio num acidente de avião.
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Veja o que já enviamosFestival Folclórico de Parintins – A disputa entre os dois Caprichoso e Garantido, possivelmente a segunda festa mais importante do Brasil, seria no fim de semana de 26 a 28 de junho, na cidade no meio da Amazônia, mas foi adiada, ainda sem data marcada, provavelmente em outubro. Parintins sofre com a covid-19 e passou até por toque de recolher, tentando debelar a pandemia.
Flip – A Festa Literária Internacional de Paraty, que seria de 29 de julho a 2 de agosto, comunicou o adiamento da edição 2020 logo após a chegada do coronavírus ao Brasil. “Trabalhando remotamente”, os organizadores tentam garantir a realização em novembro.
Bienal Internacional do Livro – A 26ª edição do encontro literário em São Paulo ficou para 2022. “Queremos garantir que público e empresas possam voltar a frequentar o espaço físico do evento em segurança e com responsabilidade”, declarou o presidente da Câmara Brasileira do Livro, Vitor Tavares, sobre o cancelamento. Perto de 600 mil pessoas eram esperadas no Expo Center Norte de 30 de outubro a 8 de novembro próximos.
Círio de Nazaré – Os fiéis de Nossa Senhora de Nazaré rezam fervorosamente para que a pandemia seja superada até o domingo 11 de outubro e, assim, a impressionante romaria com 2 milhões de pessoas possa sair em segurança, pelas ruas de Belém. Muitas fake news circularam sobre adiamento ou cancelamento da festa religiosa, mas não se engane, você aí: por enquanto ela está mantida, na data tradicional. O #Colabora é laico, mas se une às orações, porque toda ajuda é bem-vinda.
Réveillon do Rio – As festas cariocas estão imersas no poço das interrogações. Sem uma improvável vacina – que, mesmo fabricada, levará muito tempo até ser disseminada pela população – a aglomeração de quase 1 milhão de pessoas (sem o ufanismo delirante dos 3 milhões) em Copacabana seria um crime sanitário hediondo. A Riotur, que neste momento sequer tem presidente, tenta criar alternativas para evitar a reunião nas praias. Fogos espalhados pela orla, sem a concentração de Copacabana, e shows em estúdio transmitidos pela TV são as alternativas na mesa. Mas tudo ainda no terreno das ideias. A indústria hoteleira, sufocada pelo sumiço dos turistas, pressiona por soluções para a alta temporada. Mas o cenário é sombrio.
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Carnaval – O enredo da indefinição se espalha pelos protagonistas da folia carioca. Em verdade, ninguém sabe se haverá condições para festas, com o carnaval de 13 a 17 de fevereiro em 2021, se a folia deve ser adiada ou mesmo cancelada. Os blocos mantêm silêncio estratégico – afinal, não precisam resolver agora. O contrato com a Dream Factory, intermediária entre a prefeitura e a Ambev, que patrocina o bafafá nas ruas, terminou no último Carnaval. Em 2020, a estrutura para atender a multidão foliã custou R$ 28 milhões.
Com as escolas é mais complicado, pelo longo calendário de preparação, que começa com a escolha dos enredos (em anos convencionais, estariam todos decididos), passa pela disputa dos sambas, segue com os ensaios e produção de alegorias e fantasias, até o desfile na Sapucaí. Na Liga Independente das Escolas de Samba, há duas correntes: os defensores do adiamento/cancelamento da maratona na Passarela e os que sugerem esperar um pouco mais para decidir. Todos se debruçam sobre perguntas sem resposta: como realizar ensaios e desfiles com segurança sanitária para os 3 mil componentes de cada escola? Haverá gente disposta a pagar pelos ingressos para se aglomerar em arquibancadas, frisas e camarotes do Sambódromo? A TV Globo, detentora dos direitos de transmissão, fonte de receita essencial para a sobrevivência das escolas ao longo do ano, guarda silêncio sobre seus planos.
Enquanto isso, cinco das 12 escolas do Grupo Especial, sete das 15 da série A e 18 das 46 que desfilam na Estrada Intendente Magalhães anunciaram seus enredos. Mais do que pelo calendário, as agremiações quiseram dar um alívio lúdico a suas comunidades, atravessadas duramente pela covid-19 – e ainda amargando incertezas em relação ao futuro da principal festa brasileira.
Niteroiense, Aydano é jornalista desde 1986. Especializou-se na cobertura de Cidade, em veículos como “Jornal do Brasil”, “O Dia”, “O Globo”, “Veja” e “Istoé”. Comentarista do canal SporTV. Conquistou o Prêmio Esso de Melhor Contribuição à Imprensa em 2012. Pesquisador de carnaval, é autor de “Maravilhosa e soberana – Histórias da Beija-Flor” e “Onze mulheres incríveis do carnaval carioca”, da coleção Cadernos de Samba (Verso Brasil). Escreveu o roteiro do documentário “Mulatas! Um tufão nos quadris”. E-mail: aydanoandre@gmail.com. Escrevam!