Pandemia atropela o calendário das festas

O impressionante São João de Caruaru: cancelamento e prejuízo gigantesco à economia da cidade. Foto de Jorge Farias (Prefeitura de Caruaru)

Entre adiamentos e cancelamentos, grandes eventos brasileiros tentam sobreviver no cenário dramático da covid-19. Risco para a economia das cidades ronda os R$ 4 bilhões

Por Aydano André Motta | ODS 11 • Publicada em 24 de junho de 2020 - 14:10 • Atualizada em 18 de junho de 2021 - 12:47

O impressionante São João de Caruaru: cancelamento e prejuízo gigantesco à economia da cidade. Foto de Jorge Farias (Prefeitura de Caruaru)

A pandemia empurrou o calendário de festas brasileiras para o caos da incerteza. Entre adiamento e cancelamento, os realizadores tentam se adaptar à trágica realidade imposta pela covid-19. No Dia de São João de 2020, o #Colabora lista as decisões e articulações em torno dos principais eventos do país, que movimentam perto de R$ 4 bilhões na economia de suas regiões.

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São João – As duas maiores festas juninas do país escolheram caminhos diferentes na pandemia. A de Caruaru (PE), autodenominada “maior e melhor do mundo”, foi cancelada pela primeira vez em 40 anos, deixando um prejuízo de R$ 200 milhões para a cidade. A festa de 2019 atraiu cerca de 3 milhões de pessoas, gerando seis mil empregos diretos e 12 mil indiretos. Em 2020, seria de 5 a 24 de junho, Dia de São João. “Um sentimento muito estranho, misto de melancolia com angústia, saudade e tristeza”, resume o maestro Mozart Vieira, responsável pela abertura do evento, ao G1.

Campina Grande (PB) tenta ser mais otimista. Adiou a 37ª. edição de seu arraial (que duraria de 5 de junho a 5 de julho) para o período de 9 de outubro a 8 de novembro. O evento terá homenagens a Gabriel Diniz, um dos principais cantores de forró, morto em maio num acidente de avião.

O boi Garantido no bumbódromo do Festival de Parintins: adiamento. Foto de Bianca Paiva (Agência Brasil)
O boi Garantido no bumbódromo do Festival de Parintins: adiamento. Foto de Bianca Paiva (Agência Brasil)

Festival Folclórico de Parintins – A disputa entre os dois Caprichoso e Garantido, possivelmente a segunda festa mais importante do Brasil, seria no fim de semana de 26 a 28 de junho, na cidade no meio da Amazônia, mas foi adiada, ainda sem data marcada, provavelmente em outubro. Parintins sofre com a covid-19 e passou até por toque de recolher, tentando debelar a pandemia.

Flip – A Festa Literária Internacional de Paraty, que seria de 29 de julho a 2 de agosto, comunicou o adiamento da edição 2020 logo após a chegada do coronavírus ao Brasil. “Trabalhando remotamente”, os organizadores tentam garantir a realização em novembro.

Bienal Internacional do Livro – A 26ª edição do encontro literário em São Paulo ficou para 2022. “Queremos garantir que público e empresas possam voltar a frequentar o espaço físico do evento em segurança e com responsabilidade”, declarou o presidente da Câmara Brasileira do Livro, Vitor Tavares, sobre o cancelamento. Perto de 600 mil pessoas eram esperadas no Expo Center Norte de 30 de outubro a 8 de novembro próximos.

Círio de Nazaré: reza forte para a pandemia arrefecer e a romaria poder sair no segundo domingo de outubro. Foto de Marcello Casal Jr (Agência Brasil)

Círio de Nazaré – Os fiéis de Nossa Senhora de Nazaré rezam fervorosamente para que a pandemia seja superada até o domingo 11 de outubro e, assim, a impressionante romaria com 2 milhões de pessoas possa sair em segurança, pelas ruas de Belém. Muitas fake news circularam sobre adiamento ou cancelamento da festa religiosa, mas não se engane, você aí: por enquanto ela está mantida, na data tradicional. O #Colabora é laico, mas se une às orações, porque toda ajuda é bem-vinda.

Réveillon do Rio – As festas cariocas estão imersas no poço das interrogações. Sem uma improvável vacina – que, mesmo fabricada, levará muito tempo até ser disseminada pela população – a aglomeração de quase 1 milhão de pessoas (sem o ufanismo delirante dos 3 milhões) em Copacabana seria um crime sanitário hediondo. A Riotur, que neste momento sequer tem presidente, tenta criar alternativas para evitar a reunião nas praias. Fogos espalhados pela orla, sem a concentração de Copacabana, e shows em estúdio transmitidos pela TV são as alternativas na mesa. Mas tudo ainda no terreno das ideias. A indústria hoteleira, sufocada pelo sumiço dos turistas, pressiona por soluções para a alta temporada. Mas o cenário é sombrio.

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A multidão diante dos fogos de Copacabana na chegada de 2020: aglomeração impensável. Foto de Alex Ferro (Riotur)

Carnaval – O enredo da indefinição se espalha pelos protagonistas da folia carioca. Em verdade, ninguém sabe se haverá condições para festas, com o carnaval de 13 a 17 de fevereiro em 2021, se a folia deve ser adiada ou mesmo cancelada. Os blocos mantêm silêncio estratégico – afinal, não precisam resolver agora. O contrato com a Dream Factory, intermediária entre a prefeitura e a Ambev, que patrocina o bafafá nas ruas, terminou no último Carnaval. Em 2020, a estrutura para atender a multidão foliã custou R$ 28 milhões.

Com as escolas é mais complicado, pelo longo calendário de preparação, que começa com a escolha dos enredos (em anos convencionais, estariam todos decididos), passa pela disputa dos sambas, segue com os ensaios e produção de alegorias e fantasias, até o desfile na Sapucaí. Na Liga Independente das Escolas de Samba, há duas correntes: os defensores do adiamento/cancelamento da maratona na Passarela e os que sugerem esperar um pouco mais para decidir. Todos se debruçam sobre perguntas sem resposta: como realizar ensaios e desfiles com segurança sanitária para os 3 mil componentes de cada escola? Haverá gente disposta a pagar pelos ingressos para se aglomerar em arquibancadas, frisas e camarotes do Sambódromo? A TV Globo, detentora dos direitos de transmissão, fonte de receita essencial para a sobrevivência das escolas ao longo do ano, guarda silêncio sobre seus planos.

Enquanto isso, cinco das 12 escolas do Grupo Especial, sete das 15 da série A e 18 das 46 que desfilam na Estrada Intendente Magalhães anunciaram seus enredos. Mais do que pelo calendário, as agremiações quiseram dar um alívio lúdico a suas comunidades, atravessadas duramente pela covid-19 – e ainda amargando incertezas em relação ao futuro da principal festa brasileira.

Baianas da Grande Rio evoluem na Sapucaí lotada no Carnaval de 2020. Foto de Dhavid Normando (Riotur)
Aydano André Motta

Niteroiense, Aydano é jornalista desde 1986. Especializou-se na cobertura de Cidade, em veículos como “Jornal do Brasil”, “O Dia”, “O Globo”, “Veja” e “Istoé”. Comentarista do canal SporTV. Conquistou o Prêmio Esso de Melhor Contribuição à Imprensa em 2012. Pesquisador de carnaval, é autor de “Maravilhosa e soberana – Histórias da Beija-Flor” e “Onze mulheres incríveis do carnaval carioca”, da coleção Cadernos de Samba (Verso Brasil). Escreveu o roteiro do documentário “Mulatas! Um tufão nos quadris”. E-mail: aydanoandre@gmail.com. Escrevam!

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