ODS 1
Brigadistas presos estariam fora da APA Alter do Chão quando fogo começou
Polícia civil, no entanto, alega que há indícios de que os quatro suspeitos teriam ateado fogo em área de preservação
(Santarém, PA) – O Juiz Titular da 1ª Vara Criminal de Santarém, Alexandre Rizzi, decidiu no final da manhã de hoje, manter a prisão preventiva dos quatro voluntários da Brigada de Alter do Chão. O juiz concordou com a argumentação da Polícia Civil de que os quatro brigadistas ofereciam risco de atear fogo na Área de Proteção Ambiental. Como, ainda segundo a polícia, eles teriam feito em setembro último.
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Veja o que já enviamosInformações obtidas pelo #Colabora, no entanto, dão conta de que nenhum dos quatro brigadistas estava na Área de Proteção Ambiental (APA) quando os incêndios começaram. Um deles estava em um barco que participava da procissão do Sairé (festa típica da região), outro estava num barco com turistas em outro afluente do Tapajós, o terceiro estava em um voo comercial indo para Santarém e o quarto cuidava de um familiar idoso que estava acamado. Todos teriam testemunhas para provar os seus paradeiros na hora em que o fogo começou. A polícia civil, por sua vez, alega ter vídeos que mostram o momento exato em que eles teriam ateado fogo. Estes vídeos, entretanto, ainda não foram divulgados para a imprensa. O promotor que representou o Ministério Público do Pará, Ramon Furtado Santos, teve o mesmo entendimento do juiz e também pediu a manutenção da prisão.
“Minha preocupação é com a segurança deles. Eles mesmos disseram que foram muito bem tratados. E eles foram muito educados durante a audiência, como eu gosto” disse o juiz Rizzi em entrevista após a audiência de custódia.
Os brigadistas chegaram para a audiência vestindo bermudas, chinelos e a camisa azul da Susipe (Superintendência do Sistema Penitenciário). Com os cabelos e as barbas raspadas, eles estavam algemados com as mãos para trás e encararam de frente tanto as pessoas que estavam no local quanto os jornalistas e as câmeras que estavam no corredor da sala de audiência. Depois de duas horas de espera, amigos e esposas dos brigadistas puderam vê-los de longe quando saíam da sala, no final do corredor. Em silêncio, bateram palmas como forma de homenagem. A polícia civil de Santarém tem dez dias, a partir de hoje, para concluir o inquérito policial. Os advogados de defesa vão entrar com pedido de habeas corpus para que os acusados aguardem as conclusões das investigações em liberdade.
[g1_quote author_name=”Alexandre Rizzi” author_description=”Juiz Titular da 1ª Vara Criminal de Santarém” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Minha preocupação é com a segurança deles. Eles mesmos disseram que foram muito bem tratados. E eles foram muito educados durante a audiência, como eu gosto
[/g1_quote]Organizações ambientais e de direitos humanos receberam com preocupação a notícia da prisão de quatro membros da Brigada de Incêndio de Alter do Chão, um grupo voluntário de combate a incêndios florestais criado no ano passado, no oeste do Pará. Em nota, a Anistia Internacional disse estar preocupada com a transparência das investigações. Para Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional Brasil, a falta de transparência nas prisões são motivo de preocupação num contexto de ameaças, de encolhimento do espaço de atuação das organizações da sociedade civil no Brasil, diante dos discursos de autoridades públicas, como o Presidente Jair Bolsonaro e o vice-Presidente Hamilton Mourão
Segundo a Polícia Civil, a investigação denominada “Fogo no Sairé”, em referência a uma festa típica da região que acontece em setembro, apontou indícios de que os quatro brigadistas seriam suspeitos de terem colocado fogo na Área de Proteção Ambiental (APA) de Alter do Chão e depois ajudado a apagar com o objetivo de arrecadar doações. O incêndio aconteceu em setembro e queimou 1175 hectares. O fogo foi apagado depois de três dias com atuação da brigada e dos bombeiros. Ainda de acordo com a polícia, duas organizações não governamentais, Projeto Saúde e Alegria e Aquífero Santarém, teriam servido de ponte para a captação de recursos para a brigada.
A polícia civil cumpriu mandado de busca e apreensão no escritório da ONG Saúde e Alegria, em Santarém, e levou computadores, servidores e documentos. Caetano Scannavino, coordenador do projeto, fundado na região de Alter do Chão, em 1987, estava em Brasília e disse em entrevista coletiva: “Eu queria deixar claro que a gente desconhece, não sabemos até agora do que a gente está sendo acusado, porque foram no nosso escritório sem decisão judicial, com um mandado genérico. Do que a gente está sendo acusado?” Caetano completou: “Seria leviano da minha parte acusar um ou acusar outro. Agora existe uma situação clara e óbvia, que a gente lamenta, que é um ambiente, nos últimos tempos, sobretudo de tentativa de rebaixar, criminalizar as ONGs, o movimento indígena, a agenda do clima e o movimento ambiental.”
[g1_quote author_name=”Caetano Scannavino” author_description=”Coordenador da ONG Saúde e Alegria” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Existe uma situação clara e óbvia, que a gente lamenta, que é um ambiente, nos últimos tempos, sobretudo de tentativa de rebaixar, criminalizar as ONGs, o movimento indígena, a agenda do clima e o movimento ambiental
[/g1_quote]Jurema Werneck ainda disse na nota que “É lamentável que, no mesmo dia em que trazemos à público uma investigação consistente, com análise de dados oficiais e informações públicas, evidências coletadas em campo e entrevistas com servidores públicos, lideranças indígenas e comunidades tradicionais, mostrando comprovadamente como a pecuária está por trás do desmatamento e das queimadas na Amazônia, acontecem prisões sem qualquer transparência ou informação oficial sobre procedimentos adotados pelas autoridades em relação aos acusados em Alter do Chão”.
O Coletivo de Mulheres Indígenas Suraras do Tapajós divulgou nota em que “manifesta apoio a Brigada de Alter e aos brigadistas que foram presos e acusados arbitrariamente de serem responsáveis pelos incêndios na Área de Proteção Ambiental (APA-Alter do Chão). Conhecemos o comprometimento dessas pessoas com causas socioambientais, o que estamos presenciando é uma tentativa de manipulação da opinião pública para desmoralizar as ONGs e os movimentos sociais. Até nós indígenas fomos acusados de forma caluniosa, de ter responsabilidade sobre as queimadas da Amazônia.”
O Observatório do Clima publicou em seu site uma nota de repúdio “O Observatório do Clima repudia a tentativa de criminalização de ativistas ambientais feita pela Polícia Civil do Estado do Pará, subordinada ao governador Helder Barbalho, do MDB. A prisão dos quatro membros da Brigada de Alter do Chão e a invasão do escritório do Projeto Saúde e Alegria, instituição integrante do OC, foram medidas abusivas, com o único intuito de intimidar as pessoas que trabalham pelo desenvolvimento sustentável da Amazônia e pelo bem-estar de sua população.”
A organização WWF explicou através de nota sua relação com a Brigada de Alter. “O WWF-Brasil possui contrato de Parceria Técnico-Financeira com o Instituto Aquífero Alter do Chão para a viabilização da compra de equipamentos para as atividades de combate a incêndios florestais pela Brigada de Alter do Chão, em Santarém/PA, no valor de R$ 70.654,36. Nesta modalidade de Parceria, o WWF-Brasil viabiliza financeiramente a compra dos equipamentos para o combate ao fogo, dentre os quais abafadores, sopradores, coturnos e máscaras de proteção.”
Em suas redes sociais a organização ambiental Greenpeace manifestou apoio à organização que teve documentos e computadores apreendidos pela polícia. “Reforçamos nosso apoio e solidariedade ao Projeto Saúde e Alegria. É inaceitável a tentativa de criminalização de movimentos sociais e de ONGs que trabalham pela preservação da Amazônia. As autoridades locais têm a obrigação de esclarecer imediatamente todos os fatos e restabelecer a verdade.”
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Marizilda Cruppe tentou ser engenheira, piloto de avião e se encontrou mesmo no fotojornalismo. Trabalhou no Jornal O Globo um bom tempo até se tornar fotógrafa independente. Gosta de contar histórias sobre direitos humanos, gênero, desigualdade social, saúde e meio-ambiente. Fotografa para organizações humanitárias e ambientais. Em 2016 deu a partida na criação da YVY Mulheres da Imagem, uma iniciativa que envolve mulheres de todas as regiões do Brasil. Era nômade desde 2015 e agora faz quarentena no oeste do Pará e respeita o distanciamento social.
Situação insana, kafkaniana e absurda . Tem muito peixe f.graudo, maior que os amazônicos por trás dessa armação.