ODS 1
Consumo infantil e lixo plástico não são brincadeira
Debate na Semana Lixo Zero alerta para publicidade com foco em crianças num mundo em que 90% dos brinquedos são feitos de plástico
Os canais de youtubers mirins são os que mais se proliferam hoje na internet (entre 2014 e 2015, o crescimento foi de 564%), segundo o Instituto Alana, uma ONG que defende o direito à infância plena. São nesses canais que a publicidade infantil, voltada especialmente para vender brinquedos, se multiplica cada vez mais de forma incontrolável, alertou João Paulo Amaral, conhecido apenas como JP, mobilizador do Programa Criança e Consumo do instituto. E o que tem a ver isso com a produção de lixo plástico? “Tudo” – explicou JP, um dos participantes do debate “Criança e Consumo – como isso afeta a infância e o planeta”, durante a Semana Lixo Zero, evento que começou na sexta, 18, em 102 cidades do Brasil.
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Veja o que já enviamos“O consumo infantil traz prejuízos ambientais, está diretamente ligado à produção de lixo plástico. Hoje, 90% dos brinquedos feitos no mundo são de plástico”, disse. O Brasil produz anualmente quase 80 milhões de toneladas de resíduos sólidos, sendo 13,5% plástico. Isso corresponde a 10, 5 milhões de toneladas, lembrou o representante do Instituto Alana. “No Brasil, cerca de 40% do plástico não vai para uma coleta seletiva ou um processo de reciclagem: vai pro lixão, fica na rua e vai para o mar. Cerca de 25 milhões de toneladas de lixo chegam ao mar anualmente e, de 60 a 80%. é plástico”, alertou JP.
[g1_quote author_name=”JP Amaral” author_description=”Mobilizador do Programa Criança e Consumo do Instituto Alana” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]A publicidade infantil é danosa para a infância. Aproveita da vulnerabilidade para vender e isso é abusivo. Pode haver a publicidade, mas não se pode usar a criança como alvo. A criança não tem condições de distinguir o que está por trás do marketing
[/g1_quote]Também participante da discussão, realizada no sábado 19, no espaço Vila da Terra, em São Paulo, Luciana Annunziata, uma das fundadoras da Casa Causa, uma das organizadoras da Semana Lixo Zero, lembrou que só 3% do plástico no Brasil é, de fato, reciclado – apesar de 80% do plástico ser reciclável. A Casa Causa é uma das organizações que promove a Semana Lixo Zero em São Paulo.
Pesquisa do Instituto Alana mostrou que 70% da publicidade infantil na TV é de brinquedos, e que dos 100 canais no Youtube com mais audiência no Brasil, 52 são direcionados ao público infantil. Dos 10 canais infantis mais vistos, a categoria que mais cresce é de “unboxing” (entre 2015 e 2016, o crescimento foi de 975%). “Unboxing” é o ato de tirar um produto de dentro do outro, explorando o elemento surpresa. Esta estratégia é a que está sendo mais utilizada para estimular o consumo infantil.
O maior exemplo dessa estratégia, diz JP, é a famosa boneca Lol, uma grande sucesso da indústria de brinquedos. Ela é bem pequena, com vários assessórios mínimos, e vem embrulhada em várias camadas de plástico, dentro de uma bola. Tudo é feito de plástico. “E o plástico gera o microplástico, que vai para o oceano e faz mal para a saúde”, observou JP. Segundo ele, para debater o lixo zero é preciso acabar com o plástico de uso único, aquele que não pode ser reciclado.
“A publicidade infantil é danosa para a infância. Aproveita da vulnerabilidade para vender e isso é abusivo. Pode haver a publicidade, mas não se pode usar a criança como alvo. A criança não tem condições de distinguir o que está por trás do marketing”, explicou JP, lembrando que o uso de outras matérias-primas é muito plausível na indústria de brinquedos, que antigamente utilizava madeira, tecido e metal. Ao lado do grupo que debatia essa questão, a Semana Lixo Zero organizou uma feira de troca de brinquedos, livros e roupas.
Roberta Mourão, mãe de duas meninas, uma de sete e outra de quatro, contou que tirou a televisão de sua casa há um ano porque estava gerando muitos conflitos com sua filha mais velha. Ela queria ficar muito tempo na frente do aparelho. “Hoje ela ocupa o tempo brincando com a mais nova. Mas minhas filhas chegam em casa da escola cantando musicas da propaganda dos brinquedos. A criança é vítima do consumismo. Então, o trabalho de conscientização deve começar na escola, que deve ser um espaço de olhar crítico”, disse Roberta, dona da empresa Loa Terra, que faz a reconexão do consumidor urbano com a natureza.
Roberta, cuja sede da empresa fica no espaço Vila da Terra, liderou um workshop sobre hortas caseiras, dentro da programação Semana Lixo Zero. Ela mostrou os benefícios para saúde de se ter plantar em casa ervas e vegetais. Sua aula foi sobre como plantar ervas mediterrâneas, como o alecrim, tomilho e orégano.
Outra oficinas de sucesso foi a de Limpeza Ecológica, com a especialista Claudia Visoni, que ensinou como fazer e utilizar produtos de limpeza não tóxicos e que não geram lixo, como o sabão de coco líquido, feito com barra de sabão de coco, álcool, água e bicarbonato de sódio. Outro produto demonstrado é o desinfetante caseiro, feito com citronela, álcool e bicarnotado de sódio. “A poluição interna das casas é mais acentuada do que a externa, das ruas, devido aos produtos de limpeza”, alertou Visoni para o público que anotava e gravava as dicas.
A Semana Lixo Zero, que irá até o domingo, 27, oferece palestras, painéis, rodas de conversas, exibição de filmes, oficinas e mutirões. O tema tratado são resíduos sólidos ligados aos mais diversos setores da economia. O evento é promovido pelo Instituto Lixo Zero Brasil, Casa Causa, Associação Brasileira dos Profissionais pelo Desenvolvimento Sustentável, com patrocínio da Nespresso e da Santa Luzia Molduras e o apoio do espaço Vila da Terra, #Colabora, Envolverde, Ciclo Vivo e Por que não Mídia.
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Jornalista freelance especializada em cobertura internacional e política. Foi correspondente na Rússia do Jornal do Brasil e do serviço brasileiro da BBC. Em 2006 mudou-se para a Índia e foi correspondente do jornal O Globo. É autora do livro "Os indianos" (Editora Contexto) e colaboradora, no Brasil, do website The Wire, com sede na Índia (https://thewire.in/).