Desmatamento e grilagem deixam Amazônia em chamas

Incêndios florestais aumentam em 2019 e cortes do governo no Ministério do Meio Ambiente devem colocar ainda mais lenha na fogueira

Por Caio de Freitas | ODS 13ODS 15 • Publicada em 10 de junho de 2019 - 08:00 • Atualizada em 10 de junho de 2019 - 15:25

Incêndios florestais na Amazônia, praga que se repete anualmente, estáão em ritmo acelerado em 2019 com aumento de grilagem e desmatamento (Foto Marizilda Cruppe/Greenpeace)
Incêndios florestais na Amazônia, praga que se repete anualmente, estáão em ritmo acelerado em 2019 com aumento de grilagem e desmatamento (Foto Marizilda Cruppe/Greenpeace)

Todos os anos, entre janeiro e abril as chamas assombram o norte da Amazônia. Esta é a época de estiagem na região, tornando mais fácil a propagação de incêndios em áreas distantes, muitas delas intocadas. Para evitar danos ao máximo, órgãos de proteção preparam-se com antecedência: seja por meio de ações preventivas, como as queimas controladas e aceiros, seja pela contratação temporária de brigadistas. Em 2019, porém, os esforços das principais agências ambientais do país, Ibama e ICMBio, não têm bastado para evitar o fogo que consome a floresta amazônica.

Nos primeiros quatro meses do ano, 14.950 incêndios florestais foram identificados em todo o país, e os os dois estados mais atingidos fazem parte da chamada Amazônia Legal: Roraima e Mato Grosso. Juntos, somam mais de 8 mil queimadas, ao mesmo tempo que sofrem com crimes ambientais relacionados ao fogo – como grilagem e desmatamento. O caso de Roraima tem outro agravante: a intensidade das mudanças climáticas na região.

Ao analisar todos os estados mais o Distrito Federal, apenas em oito o número de queimadas caiu. Março foi o mês de pico, com mais de 5 mil casos; é o maior número registrado na série histórica para este mês, iniciada 20 anos atrás. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) monitora o problema por meio do programa Queimadas, apoiado pelo Fundo Amazônia – hoje, na mira do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

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A responsabilidade pelo combate e pela prevenção é repartida. Terras da União, como assentamentos da reforma agrária, comunidades quilombolas ou terras indígenas, ficam sob a tutela do Ibama; já parques nacionais, refúgios da vida silvestre e outras unidades de conservação são protegidos pelo ICMBio.

No restante do território, secretarias de meio ambiente e brigadas de bombeiros estaduais e municipais devem tomar a dianteira. Mas, em um cenário de crise financeira pelos estados, a proteção está mais frágil.

Na fronteira com a Venezuela, Roraima enfrentou 4595 focos ativos só neste ano; a marca supera e muito os menos de 2 mil incêndios em 2018. Já em Mato Grosso, o aumento passa dos 60%, com mais de 3600 casos em 2019. O governador Mauro Mendes (DEM) inclusive reuniu-se com o ministério do Meio Ambiente em busca de recursos para fortalecer as brigadas estaduais.

“Aqui [na Amazônia], quase sempre a presença do fogo está associada ao desmatamento”, explica a superintendência regional do Ibama em Roraima. A principal responsabilidade da autarquia ali é proteger as Terras Indígenas no estado – como a tão visada Raposa da Serra do Sol, onde mantém duas brigadas fixas.

Áreas protegidas no rastro do fogo

Há pontos da floresta que mesclam extensas matas fechadas a pontos alagados e brejos, com centenas de espécies vivendo sob um gigantesco telhado verde à beira dos rios – como em um pantanal amazônico. O Parque Nacional do Viruá, na cidade de Caracaraí, têm todas essas riquezas em sua vegetação de campirana e serve de lar para onças-pintadas, suçuaranas, tatus-canastra e mais de 500 espécies de aves. Porém esta é uma das unidades de conservação federal mais ameaçadas pelas chamas. O parque foi a unidade de conservação mais atingida em 2019, de acordo com o ICMBio – uma consequência do fato de estar na cidade com o maior número de queimadas em todo o país.

“Há indícios de que os incêndios do Parque Nacional do Viruá tiveram origem fora da unidade, pois teriam vindo de propriedades particulares ao redor”, afirma o superintendente de Prevenção e Combate a Incêndios do ICMBio, Christian Berlinck. Hoje, santuários como o Viruá estão cercados pela ocupação irregular de terras, pela expansão das fronteiras agrícolas e dos latifúndios não apenas em Roraima, como na Amazônia em geral.

Com território maior que países como Suíça e Holanda, a cidade de Caracaraí sofreu com mais de 800 queimadas só em março. Mais ao norte, o município de Amajari, a 150 quilômetros de Boa Vista, decretou situação de emergência por 90 dias em fevereiro, quando houve registro diário de novos casos; o local enfrenta um histórico problema de invasão de terras, inclusive com denúncias ligadas a políticos locais.

“Recebemos denúncias de grilagem ou pacotes de informações indicando áreas desmatadas para checarmos se há ou não licença para a derrubada, e multamos caso necessário. Mas temos trabalhado praticamente sozinhos na fiscalização”, explica, em nota, a superintendência regional do Ibama no estado.

Para evitar maiores danos, Ibama e ICMBio programam-se para contratação de brigadistas e fazem operações preventivas, com operações desde o segundo semestre do ano anterior. Mas a penúria econômica no estado tornou-se mais um empecilho para a proteção desse ponto da floresta.

“O governo de Roraima decretou calamidade financeira, há poucos fiscais e, quando precisamos, buscamos apoio de estados vizinhos nesse período mais crítico. Assim, trabalhamos mais do que em anos anteriores, principalmente pelo aumento dos focos de calor e dos polígonos referentes ao desmatamento no estado”, detalha a superintendência regional do Ibama.

Para piorar, o futuro desse tipo de operação é cada vez mais incerto. Tem crescido o receio quanto à prevenção do segundo semestre em diante depois do anúncio de corte de pelo menos R$187 milhões do Ministério do Meio Ambiente.

Derrubada de árvores, grilagem e queimadas

Pesquisadores diferem o desmatamento da degradação ambiental: enquanto o primeiro representa a total derrubada de árvores, a segunda significa uma destruição parcial da floresta. Se a diferença está no grau de devastação, na Amazônia ambas as práticas caminham juntas. Quando se nota o grupo de cidades mais atingidas por incêndios florestais no ano, percebe-se a relação entre a derrubada da mata e o fogo.

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O desmatamento é estimulado por diversos setores, como o madeireiro, da mineração e, especialmente, de empreiteiras e empresas de infraestrutura

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O Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia monitora mês a mês os níveis de desmatamento e degradação em toda a região. Na comparação entre abril de 2019 com o ano anterior, Roraima foi responsável por 86% da degradação, o que representa 87 km2 da floresta destruídos total ou parcialmente.

O estado sofre com a promiscuidade entre a grilagem e o mercado ilegal de extração de madeiras nobres, além da constante derrubada da mata nativa para plantio de espécies madeiráveis – como a cobiçada maçaranduba, muito resistente e de tom castanho-avermelhado.

Servidores ambientais confidenciam que esses crimes estão cada vez mais recorrentes desde a posse de Jair Bolsonaro. Em abril, o presidente desautorizou uma operação contra a extração ilegal de madeira em Rondônia, o que corrobora com as críticas em relação às diretrizes ambientais de seu governo.

Grileiros normalmente invadem, devastam e põem fogo na terra para intimidar e expulsar aqueles que ali residem. Após a tomada, diferentes crimes acontecem intensamente, como o comércio clandestino de madeira e a garimpagem ilegal. “A grilagem possui diferentes fases: primeiro, os invasores derrubam as árvores nativas de maior valor. Logo após, há o desmatamento do que restou, no chamado ‘corte baixo’, com plantio de pastagem para gado. Assim, eles ‘esquentam’ a terra e tentam mostrar que estão ‘produzindo’ para obter indevidamente os títulos de posse”, explica um dos pesquisadores do Imazon.

Pesquisadores temem novo aumento da prática caso avancem grandes projetos de infraestrutura na região, como a linha de transmissão de energia Manaus-Boa Vista e a reabertura da rodovia Manaus-Porto Velho, a BR-319. “Mesmo quando a hiperinflação foi controlada em 1994, projetos de rodovias desencadearam uma forte especulação financeira pelos proprietários de terras nas rotas previstas para construção”, lembra o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Philip Fearnside.

Em muitos casos, a derrubada da mata também serve como brecha para lavagem de dinheiro – proveniente do tráfico de drogas, da evasão fiscal e da corrupção. “Nota-se que o desmatamento é estimulado por diversos setores, como o madeireiro, da mineração e, especialmente, de empreiteiras e empresas de infraestrutura”, acrescenta o pesquisador do INPA.

Cortes no ministério põem mais lenha no fogo

O Brasil queima como há tempos não se via por conta de práticas ilegais mas também por outro problema, de escala global: as mudanças no clima. Pesquisadores dizem que as mudanças climáticas causaram a estiagem prolongada que contribuiu para o aumento de queimadas no país. Ouvido pelo #Colabora, um especialista em prevenção e combate a incêndios do ICMBio diz que o El Niño influenciou a redução de chuvas nas regiões mais atingidas, como Roraima.

Não está descartada a possibilidade da estiagem ser mais intensa em outros biomas, como no Cerrado e outras regiões da própria Amazônia, que enfrentam sua seca de julho em diante.

Nesse contexto, o congelamento de R$187 milhões no ministério do Meio Ambiente preocupa; nos recursos cortados, 95% da verba para ações de adaptação às mudanças no clima foi perdida. Dos R$11,8 milhões previstos para 2019, a pasta agora conta com meros R$500 mil para frear os impactos de uma mudança intensa e em curso.

Em meio à crise financeira, recursos do Ibama e do ICMBio têm sido importantes não apenas para proteger suas áreas de responsabilidade, mas para viabilizar operações conjuntas com estados e municípios. De acordo com o especialista em incêndios do ICMBio, que pediu para não ser identificado, a tendência é de piora em relação ao combate às queimadas em geral.

“Enfrentamos uma defasagem histórica, então já temos improvisado para evitar maiores tragédias. [Com os cortes] as perspectivas são de falta de recursos para fiscalizações prévias, queimas controladas e até mesmo para a contratação extra de brigadistas”, conta outro servidor também ligado ao tema, do Ibama.

Juntando as verbas destinadas ao combate de incêndios, ao controle e à fiscalização ambiental, os cortes ultrapassam R$30 milhões do Ibama e do ICMBio. A verba é usada em operações preventivas e inspeções de campo, para identificar e punir aqueles que invadem, desmatam e queimam as florestas, e também na contratação de brigadistas e compra de kits de combate ao fogo nas unidades de conservação federais do país.

No total, o Ibama teve pouco mais de R$100 milhões desfalcados. A autarquia pode, inclusive, entrar no vermelho: de acordo com dados levantados pela Agência Estado, seu atual orçamento é de R$279,4 milhões, enquanto as despesas fixas somam R$285 milhões.

Já o ICMBio perdeu R$69,5 milhões – desses, R$45 milhões só da gestão e implantação de novas unidades no país. A tesourada é um sinal da política ambiental de Ricardo Salles, que tem alardeado o desinteresse do governo sobre as unidades de conservação – com nítido desejo de desfazer-se de parte delas.

Em nota à reportagem, o ICMBio diz que ainda avalia a amplitude dos cortes e que vai priorizar a prevenção, estruturando como for possível as áreas mais afetadas.

Hoje, a autarquia possui equipes especializadas em 88 das 334 unidades do país. Algumas áreas exigem atenção especial por terem sido mais atingidas nos últimos 5 anos: são lugares como a Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins e parques nacionais como os do Araguaia e da Serra da Canastra.

Enquanto isso, o monitoramento diário do INPE mostra que a destruição da Amazônia segue alarmante. Mesmo que com índices menores aos registrados na série histórica anterior, 2.770,3 km2 da floresta foram derrubados entre agosto de 2018 e abril de 2019, o equivalente às cidades do Rio de Janeiro e São Paulo juntas. Entre 1985 e 2017, o Brasil perdeu 710 mil km2 de suas florestas, área igual à soma dos estados do Espírito Santo, Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo.

Caio de Freitas

Jornalista e mestre em comunicação, Caio de Freitas Paes é especialista em jornalismo em quadrinhos, escritor, editor e roteirista. Entre suas áreas de interesse, destaque para questões ligadas aos direitos humanos, cultura, sociedade da informação e vigilância

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Um comentário em “Desmatamento e grilagem deixam Amazônia em chamas

  1. Jakcson Ubiratam disse:

    Bando de cachorros inescrupulosos, criminosos, covardes…. como pode o governo federal fechar os olhos pra uma barbárie dessas… A Amazônia vale mais de pé do que queimada seus vermes… Quanta biodiversidade destruída, animais mortos, pássaros, plantas e árvores de valor incalculável pra ciência.
    Bando de doentes, as queimadas mexem com a regularidade das chuvas, as enchentes, as secas, a agricultura familiar, o aumento do clima quente e uma série de outras anomalias nocivas.

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