ODS 1
#RioéRua: a bandeira, a praça e o bairro
Uma região onde só o pavilhão nacional teve melhores dias no passado
Choveu forte e sem parar na segunda-feira (19/11), Dia da Bandeira. Em outros tempos, seria um dia para lembrar da praça não porque ela foi batizada em homenagem ao atual símbolo da pátria; mas porque, por muitos anos, temporal era sinônimo de enchente na área, com a água invadindo as lojas ao redor e os carros boiando nos infalíveis engarrafamentos. Nada disso foi registrado na chuvarada da semana passada, nem tudo é má notícia na cidade – antes da tempestade, houve feriadão de sol, com muitos turistas nas praias e hotéis cheios.
Para um lugar que era conhecido no passado – há pouco mais de um século e meio – como Largo do Matadouro e marcado pela falta de higiene, o mau cheiro e os urubus, a Praça da Bandeira não pode se queixar do presente. O Matadouro Imperial de São Cristóvão foi inaugurado em 1853, perto do local onde hoje está a Escola Nacional de Circo, e ajudou a movimentar ainda mais a região que já concentrava carroças com cargas ou charretes de passageiros a caminho de São Cristóvão ou das fazendas da Tijuca. Quando o matadouro foi transferido para Santa Cruz, 30 anos depois, com a inauguração do ramal para a zona oeste da ainda Estrada de Ferro Pedro II em 1878, o largo já ganhara um paisagem urbana e comercial – do matadouro, só sobrou o pórtico, ainda hoje perto da entrada da escola de circo.
O largo só virou Praça da Bandeira mesmo em 1911, com decreto assinado pelo prefeito Bento Ribeiro, no dia 19 de novembro, um após passar por uma reforma. De acordo com os jornais da época, os próprios moradores sugeriram a mudança porque, desde 1908, realizavam-se no largo comemorações em homenagem à bandeira nacional, uma festa cívico-militar. No dia da inauguração, a bandeira brasileira foi hasteada ao lado do coreto, com direito à queima de fogos. E os mesmos jornais noticiaram que, três semanas, depois, o temporal que atingiu a cidade inundou a nova Praça da Bandeira da mesma forma como já costumava inundar o velho Largo do Matadouro.
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Veja o que já enviamosAbro parêntesis para contar que já, nestas primeiras décadas de República, o novo regime se esforçava para apagar as lembranças da monarquia e contava-se nas escolas – como se repetiria por todo o século – que as cores da nossa bandeira representavam o verde das nossas matas (ou das nossas riquezas vegetais), o amarelo do nosso ouro (ou das riquezas minerais), o azul do nosso céu. Na verdade, a bandeira republicana copia a bandeira do Império, encomendada por Dom Pedro I em 1822 ao pintor francês Jean-Baptiste Debret, que idealizou o retângulo verde, a cor da Casa de Bragança (portuguesa), e o losango amarelo (dos Habsburgo, da Imperatriz Leopoldina), com ramos de café e tabaco, principais produtos brasileiros na época da Independência, e um brasão com a Cruz de Cristo, um círculo azul com estrelas representando as províncias, e a coroa imperial. Os republicanos, basicamente, trocaram o brasão pelo céu azul – representando o céu do Rio no dia da proclamação – com as estrelas correspondentes aos estados e o lema positivista Ordem e Progresso.
Fecho o parêntesis para retornar à praça que viveu cercada de obras ao longo do século: obras para o acesso ao novo estádio do Maracanã, para a Copa do Mundo, durante a década de 1940; obras para a construção da Avenida Radial Oeste e o Trevo das Forças Armadas, no começo da década de 1960; obras para a reforma da estação de trens – que passou de Lauro Muller para Praça da Bandeira – e a construção da estação do metrô de São Cristóvão, já nos 1970. Durante 17 anos, de 1962 a 1979, o chafariz monumental – que estava desde 1878 na Praça XV (antes Largo do Paço) e hoje está na Praça Mahatma Gandhi, no Centro – fez parte do cenário da Praça da Bandeira. Com tanta obra e reforma, mesmo a bandeira que batiza a praça nem sempre esteve lá. No começo dos anos 1980, com a reordenação da cidade, a região ganhou status de bairro.
Passo por lá com mais frequência agora porque no bairro, entre estações do metrô, há um polo de baixa gastronomia na Rua Barão de Itapagipe com uma dezena de bares em três quarteirões. Começou com o bolinho de feijoada, o pastel de angu, o camarão na moranga e outras delícias do Aconchego Carioca, que nasceu ali e agora já está no Leblon e na Barra; seguiu com o porquinho de quimono, o croquete de mortadela, o arroz de puta rica ou pobre e outras novidades do Bar da Frente; avançou com a samba e as receitas africanas do Dida Bar, as cervejas artesanais do Botto e do Hop Lab, as cachaças da Noo. Sempre vale a pena passar por ali para ver o que descobre-se de novo.
A última reforma – em tempo recente, quando o Rio ainda tinha prefeito – foi responsável pela redução dos alagamentos e por uma cara de praça para a Praça da Bandeira. De manhã e no fim da tarde, crianças circulam por lá, idosos e outros nem tanto aproveitam os equipamentos de ginástica. A bandeira da praça é que não vai nada bem. Achei que ia encontrá-la em melhor estado já que falou-se tanto na campanha presidencial vencedora em pátria e o amarelo anda na moda – mas a data não mereceu nem um tuítezinho do eleito. O pavilhão nacional na Praça da Bandeira está mal cuidado, meio desbotado, preso só por uma ponta: nem tremula como nas melhores fotos de dias melhores. Nestes tempos estranhos, o pavilhão nacional mais cuidado do bairro tremula na sede da Associação Cultural Chinesa do Rio de Janeiro, na Rua Gonçalves Crespo, a menos de um quilômetro da praça.
Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade