ODS 1
Uma vez por ano, a pequena e pacata Ipameri, no sudoeste de Goiás, vira rota obrigatória de empresários, presidentes de bancos e especialistas em sustentabilidade e meio ambiente. Já recebeu até ministros de estado. O roteiro tem endereço certo: a Fazenda Santa Brígida. À medida que o visitante se aproxima da entrada da propriedade, um paredão verde erguido com eucaliptos e as placas sobre redução do aquecimento global não deixam dúvida e justificam a fama: esse é um negócio diferente, um exemplo de empreendimento que deve ser seguido.
A fazenda virou cartão-postal da agricultura sustentável no Brasil, após a Embrapa transformá-la em uma das primeiras propriedades de referência tecnológica do sistema de integração no país. Santa Brígida desmente a máxima de que o agronegócio precisa ser, necessariamente, sinônimo de desmatamento.
Ao incorporar à rotina de trabalho a sigla iLPF (integração Lavoura-Pecuária-Floresta), Santa Brígida passou a produzir praticamente todos os meses do ano, intercalando soja, milho e girassol, reduziu a emissão de gases de efeito estufa e os efeitos da seca na produção, e ainda promoveu a convivência pacífica entre o gado de corte e a floresta de eucalipto. Tudo junto e misturado.
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Veja o que já enviamosPoder do negócio
Apesar do destaque no cenário nacional, a fazenda Santa Brígida não está sozinha. Ela faz parte de um universo de 11,5 milhões de hectares de terras no país onde a tecnologia do sistema integrado já vem sendo adotada. A expectativa da Embrapa é que outros empresários adotem o modelo de negócio, atingindo 19,3 milhões de hectares até 2020. A projeção, segundo Celso Manzatto, responsável técnico da Plataforma ABC da Embrapa, foi baseada em pesquisa feita pela entidade. O estado do Mato Grosso do Sul é onde se encontra o maior número de propriedades com o sistema integrado: 2 milhões de hectares. O ranking conta ainda com Mato Grosso (1,5 milhão de hectares), Rio Grande do Sul (1,4 milhão de hectares), Minas Gerais (1 milhão de hectares) e Santa Catarina (680 mil hectares).
Ainda com base no levantamento, a Embrapa perguntou aos produtores em qual porcentagem de área de sua propriedade adotaria a iLPF no horizonte de 5 e 10 anos. A expansão de 9,4% verificada no período 2010 a 2015 deverá subir para 16,9% e 19,8%, em 2020 e 2025 respectivamente. O estudo revelou que em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, a percentagem de adoção nas propriedades já é de 36%.
Ao adotar o modelo iLPF, também conhecido como agrossilvipastoril, Santa Brígida reescreveu sua história. A data do recomeço foi 2006. Com mais cupim do que capim, a fazenda caiu no colo de Marize Porto Costa após a morte do marido, José Carlos Carneiro da Costa. À época, mãe de três adolescentes e morando com a família em Campinas (SP), ela se viu em uma encruzilhada.
A fazenda era o xodó do engenheiro. Logo, vendê-la seria uma traição à memória do marido. Só que a propriedade estava totalmente degradada. “Dava dó ver o gado magro, sem ter o que comer”, lembra Marize, brincando que, no lugar de animais PO (puro de origem, o que significa que o bicho está dentro dos padrões raciais), o gado da fazenda era “puro osso”.
Perpetuar o sistema pecuário tradicional consumiria vultosos recursos financeiros e toneladas de calcário, fertilizante, sementes… Marize levaria anos para recuperar o investimento. Inconformada com a falta de alternativa, saiu à cata de informação. Bateu à porta da Embrapa Cerrado. Teve sorte. Foi recebida pelos agrônomos, João Kluthcouski, conhecido como João K, e Homero Aidar, já falecido, ambos entusiastas do sistema de integração. A dupla começou a associar arroz com capim há mais de 30 anos e conhecia a fundo dos benefícios da produção consorciada.
A combinação tóxica de baixa produtividade, menos de 2,5 arrobas por hectare/ano, e baixa rentabilidade, prejuízo de R$ 200,00 por hectare, era o cenário ideal para a implantação da nova tecnologia. Além do fato de a propriedade ser de médio porte para os padrões de Goiás: 922 hectares. Sem nenhuma experiência no ramo, Marize seguiu à risca o receituário sugerido pela dupla. Raspou a poupança e adicionou doses generosas de ousadia à empreitada, tomando empréstimo a juros de mercado – prática incomum entre os empresários do setor.
Após a colheita do milho, a área foi semeada com diversas espécies de capim, especialmente braquiária, compondo a pastagem para alimentar o gado.
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Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.