ODS 1
Cinema na roça
Com pouquíssimos recursos, mas muita vontade, jovens contam as histórias de cidades do interior de Minas com menos de 5 mil habitantes
Valorizar quem nunca reconheceu sua própria importância, fazer cinema no meio de uma recessão econômica e com pouquíssimos recursos. Tudo isso é possível. O empenho do mineiro Rodolfo Almeida, de 25 anos, torna realidade um projeto ambicioso em sua própria simplicidade: oferecer a experiência de envolvimento com a narrativa cinematográfica em localidades do interior de Minas Gerais com população de até 5 mil habitantes. Há dois anos ele vem gravando as histórias dos habitantes de uma região a 50 quilômetros de Juiz de Fora, dentro do projeto Cinema na Roça, com orçamentos que não chegam a R$ 10 mil.
[g1_quote author_name=”Rodolfo Almeida” author_description=”Diretor” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Um dos objetivos do Cinema na Roça é mostrar aos adolescentes que existem atividades culturais gratificantes e possíveis, que vão muito além da fama, do sucesso efêmero. Os filmes valorizam aqueles moradores, dão voz a quem nunca é ouvido nesses temas, enquanto mostram lugares ainda não descobertos pelo turismo ou pela exploração econômica. O interior não está morto
[/g1_quote]O projeto aponta também para a realidade dos jovens educados longe dos grandes centros urbanos. Apesar do acesso à cultura de massa pela internet e dos conhecimentos tecnológicos, há gerações que desconhecem outras formas de narrativas, como o cinema e o teatro. O próprio Rodolfo, nascido e criado em São Domingos, distrito do município mineiro de Santo Antônio do Aventureiro, entrou pela primeira vez no cinema aos 15 anos, em Juiz de Fora. Assistir a A Grande Família – O Filme mudou sua vida. O impacto do isolamento do mundo real pelo acolhimento na sala escura determinou a escolha profissional de Rodolfo.
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Veja o que já enviamosA ideia de fazer cinema com e para os vizinhos de sua terra veio com a saudade de casa, quando estudava Produção Visual, na Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro. Calculou os custos da gravação de um documentário digital em São Domingos e saiu a campo para obter apoio com os comerciantes da área. “Bati de porta em porta, levantei R$ 600, o suficiente para pagar as passagens da minha equipe. Hospedagem e alimentação eram oferecidas pela minha família mesmo”, conta Rodolfo.
O documentário São Domingos Através da Porteira traz, pelos relatos dos moradores, a história sem registros da formação da pequena vila de 1,5 mil habitantes. Em comum, o orgulho por viverem na cidadezinha, apesar das escassas oportunidades de crescimento econômico.
Como outros jovens da região, Rodolfo foi completar o ensino médio em Juiz de Fora. “Eu não queria apenas montar um documento histórico sobre São Domingos, mas dividir com eles o que o cinema me ofereceu. Todo mundo queria aparecer no filme, falar da cidade. Recriamos uma fotografia do casamento de minha tia, trinta anos antes, na praça em frente à Igreja de São Domingos. Quem estava na foto, quis mostrar que continuava na cidade, que ali é sua terra”, lembra Rodolfo.
No primeiro Festival de Cinema na Roça foram exibidos filmes infantis em DVD, na escola municipal de São Domingos. “Fechamos janelas, distribuímos pipoca, fizemos sessões para as crianças, teve show de música e, depois, a exibição do documentário, mais que lotada. Foi um evento cinematográfico, que teve apoio da cidade inteira. A Prefeitura mandou uma van pegar a minha equipe no Rio, ficamos hospedados na casa de meus parentes, minha mãe e minha tia fizeram comida para um batalhão… Foi muito emocionante e gratificante. Hoje eu não sou mais o neto de minha avó, sou o Rodolfo, que botou São Domingos na Internet”, diz Rodolfo.
O sucesso da primeira edição do Cinema na Roça abriu caminho para a realização da segunda, cujo orçamento é da ordem de R$ 8 mil. Desta vez, o projeto foi apresentado à Câmara de Vereadores de Santo Antônio do Aventureiro, onde está sendo rodado o novo documentário. Além de bancar o transporte da equipe de filmagem do Rio para Aventureiro, a Prefeitura forneceu equipamento de áudio. O festival deve acontecer em novembro e se estender por três dias.
“Um hotel-fazenda da região aceitou hospedar convidados que pretendo levar do Rio. Já estou fechando com um ator jovem, bastante conhecido do público, de origem humilde, para que faça uma palestra sobre o que é trabalhar com cultura no Brasil. Um dos objetivos do Cinema na Roça é mostrar aos adolescentes que existem atividades culturais gratificantes e possíveis, que vão muito além da fama, do sucesso efêmero. Os filmes valorizam aqueles moradores, dão voz a quem nunca é ouvido nesses temas, enquanto mostram lugares ainda não descobertos pelo turismo ou pela exploração econômica. O interior não está morto, São Domingos é uma cidade festeira, cheia de gente que gosta de conversar, de se congregar”, diz Rodolfo.
Filho de um motorista de ônibus e de uma dona de casa, Rodolfo acabou o ensino médio e veio para o Rio a fim de fazer curso de roteiro na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. “Era um caipira, tímido, entrando no meio de gente toda alternativa, sofisticada, aprendendo a escrever roteiro, mal compreendendo o que eles falavam, com outra criação, outra cultura e outra realidade econômica”. Voltou para Juiz de Fora e entrou para a faculdade de Administração, “graças ao Fies”, lembra. No meio do curso, desistiu, pediu transferência para Produção Visual – “o mais próximo que tinha de Cinema”. Os pais mandavam uma “ajuda de custo”, que ele complementava trabalhando no comércio. Só largou o emprego de vendedor quando começou um estágio na Conspiração Filmes, onde hoje trabalha como produtor.
Até novembro, uma vez por mês, Rodolfo segue, num fim de semana ou feriado prolongado, para Santo Antônio Aventureiro com o fotógrafo e montador Felipe Bachur, o produtor Carlos Augusto Bittencourt e o engenheiro de áudio Tomás Grivan. Bachur, que está no projeto desde o início, salienta a importância de, em 2018, inscrever a proposta em leis de incentivo, obtendo patrocínios para implantar as oficinas de vídeo .
“A ideia inicial era passar uma semana nas cidades gravando com apenas quatro personagens e ensinando técnicas de filmagem digital. Mas sem recursos, tivemos que ficar apenas nas gravações dos relatos de diversos moradores”, diz Bachur.
Enquanto desenvolvia o Cinema na Roça, Rodolfo conseguiu escrever e dirigir Poupée, um curta-metragem ficcional, finalizado no primeiro semestre deste ano. Um sonho “pé no chão”, realizado com a participação afetiva de técnicos e atores que dispensaram cachê. As locações foram cedidas sem custos também.
“O formato digital reduz os custos de produção e, sem dúvida, qualquer um que faça cinema gostaria de trabalhar com película. Eu resolvi trabalhar com o que é possível, mesmo incomodando os amigos, arranjando um canto para ensaiar, filmando em horários que não ocupem uma locação que é usada para outros fins. O Cinema na Roça é diferente, gravação direta, documental, trabalha a realidade e, espero que em breve comporte as oficinas de cinema para adolescentes. Isso pode não dar muito dinheiro nem fama, sabemos bem. Mas, no meu caso, ver a alegria de minha mãe no fim da primeira sessão, em São Domingos, compensou qualquer sacrifício. Ali eu senti que estava no caminho certo”, diz Rodolfo, que ainda não definiu o próximo município que sediará o Cinema na Roça: “A gente vai se espalhando, igual a uma rocinha, devagar, colhendo os frutos da terra no tempo certo. Depois de fecharmos o documentário de Aventureiro e do festival de novembro, começamos a pensar qual estrada seguir”.
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É jornalista há mais de 30 anos. Carioca por nascimento, convicção e insistência, obsessiva-compulsiva por literatura, cinema, música e pelo Rio de Janeiro, passou pelas redações do Globo, Jornal do Brasil e O Dia, além de ter feito assessoria de imprensa para o Instituto Nacional de Câncer e a Petrobras, entre outras instituições.